terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Olhares



Mauro Pandolfi

Futebol é um teatro de grama e paixão. É revelado por vários olhares. O mais encantador é o poético.  Quando o lance, o drible, o gol, tem o ritmo, a sonoridade, é recitado como poesia. O lance alado descrito por Chiko Kuneski tem um devaneio niilista. É tão sublime que sobrepõe o gol. Chiko brinca com a arte e a física. Gosta tanto de Bukowski que busca inspiração da individualidade múltipla de Fernando Pessoa. Ele foi Álvaro de Campos.  Sutileza, suavidade, magia em descrever a jogada sem se preocupar com o todo. A beleza inventada por Ibrahimovic é a mais relevante que a vitória. O poeta flerta com a gravidade. Tira o peso da bola, transforma numa peteca, que flutua leve, sem se preocupar com sentido, até adormecer na rede. Ibrahimovic pode ser um heterônimo de Pessoa. Mas, o gol alado, que não vi, é do Chiko.
Há jogos que a poesia não está nos lances pictóricos. Foge das asas da chuteira. A poesia surge nos rostos triscados, na bravura, na insistência. Os versos são mais épicos do que líricos, sem perder a beleza e o romantismo. Norwich e Liverpool fizeram uma partida destas. A bola não ficou leve como uma peteca, etérea nos pés bailarinos de Roberto Firmino. Sim, pesada, densa, dura, traiçoeira.  A busca do goleiro, no passe  curto demais, que Milner intercepta, é a essência do jogo. A distração, o erro, a fatalidade. Um jogo ganho pela perseverança criada por um treinador, Jurgen Klopp. que recusa a derrota, que fustiga a vitória, um belo artesão de times..
Um jogo fragmentado. Ora, bem jogado. Lances elaborados numa planilha, movimentos individuais ousados e inventado na hora.  O talento de Roberto Firmino resplandeceu com gol e assistência.  Também, uma partida decidida em erros bisonhos, chutões, correria, loucas escapadas pelos lado, perplexidade. De viradas, outras viradas, nova reversão e um final apoteótico. Só acabou, quando terminou. 5 a 4 é mais que uma poesia de números. É para a memória, ser lembrado com saudade.
Um belo jogo é feito disto. Extraordinário! Além dos gols, a luta, recusa de perder deixa una partida fantástica. O suor, a lágrima tem o mesmo peso, o mesmo brilho de uma asa na chuteira. Os torcedores do Liverpool, em festa, deixando  o estádio cantando "you'll never walk alone" vale tanto quanto um título. Ou, não?

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