sábado, 14 de março de 2020

O Grenal do fim do mundo

 

'Grenal é Grenal!'
Sempre foi assim desde antes do inicio dos tempos e será assim até o fim da eternidade. 

Mauro Pandolfi

Foi como se não tivesse amanhã. O último jogo de nossas vidas com estádio lotado, gente cantando nas arquibancadas, sorrindo, sofrendo, vibrando com a bola em jogo. O Grenal contou, revisitou a sua história em pouco mais de100 minutos. Do brilho do drible, a emoção do gol perdido, a bola que estoura na trave e a pancadaria que torcedores adoram contar para quem não viu. Foi assim no Grenal de Urruzmendi, o genioso uruguaio que acabou com jogo na inauguração do Beira-Rio. A lenda conta que o goleiro Alberto, do Grêmio, e o meia Dorinho, do Inter, ficaram lado a lado conversando enquanto os demais faziam uma batalha campal. A imagem é bonita.`Mas, é só uma lenda. Como vocês sabem, quando a verdade não tem o 'charme' da lenda, a verdade desaparece. Outros brigões entraram para a história. André, de chinelos nas mãos, desafiaou o beque colorado Gardel para uma luta de capoeira. No Grenal da Libertadores, Paulo Miranda e Moisés ficarão marcados. Não como medíocres jogadores. Mas, como maus lutadores de MMA. Porém, entraram no imaginário dos 'guerreiros'  do Grenal. O mais belo e colorido clássico que, às vezes, até lembra uma partida de futebol
E, até foi um bom jogo. Mais disputado do que bailado. Fiquei surpreso com o Inter. Não tem mais a retranca tosca de Odair. Coudet é mais sofisticado. O sotaque castelhano ajuda. Quem olha de relance percebe um time que gosta do ataque. Até parece ofensivo. Mas, a solidez da defesa é a sua marca. Foi assim no Rosário Central e no Racing. Coudet não é Sampaoli. Não tem a inventividade e nem 'loucura' do Jorge. É mais sóbrio. Resta saber se os resultados serão os mesmos. Coudet tem o mesmo defeito dos treinadores deste canto do mundo: adora um 'bruxinho'. Musto é o seu fiel cão de guarda e D"Alessandro o seu maestro. Como dizia aquele velho 'maluco colorido', o tempo é o senhor da razão.
O melhor Grêmio que vi na vida não existe mais. Normatizou, virou comum, idêntico aos times que jogam neste país. O Grêmio está tão longe do Flamengo como Renato está de Jesus. Não há mais o fino toque de bola, as linhas sendo quebradas, a movimentação que desafia o espaço e o tempo. Mal treinado, sem soluções de ataque, lento na saída de bola, dispersivo e desorganizado, sobram a 'mitologia de Renato e as individualidades. Às vezes, insuficiente para definir um jogo. Maicon tem o domínio da bola, o pensar do jogo, só não tem quem rompa as linhas como Luan fazia para as tabelas. Pena que o tempo não poupa ninguém. Maicon é só uma saudade do que já foi. Lucas Silva é só um volante e Matheus Henrique precisa carregar a bola, pois o ataque é estanque. Éverton está preso na esquerda, sem espaço para desobstruir o jogo. Alisson tem função defensiva e Diego Souza é um poste sem luz. E, Pepe vê o jogo do banco. Exatamento como Arthur, Éverton, Pedro Rocha, Matheus Henrique já fizeram. Ousadia, a palavra que Renato esqueceu, quem sabe, nos manuais dos cursos da CBF.
Estranho ver o jogo na tela de um celular. Não há amplitude do campo. Espaço e tempo demarcados num objeto que cabe na mão. Travado, xinguei a internet. Quase desisti e fui para o rádio. A paixão foi maior. Tentei, esperei e achei a transmissão. Meus olhos degenarados macularmente reclamaram após a partida. Doloridos, inchados e, que diabos!, vermelhos. A alma também reclamou da machonaria gaudéria. Guapos guascas num entrevero sem nexo, sem sentido, como a maioria dos entreveros. Um clássico com o 'requinte' deste tempo que flerta perigosamente com a barbárie. 'O Tempo e o Vento', de Érico Veríssimo, construiu a história de luta do Rio Grande do Sul e o caráter beligerante dos gaúchos que culminou na Revolução Farroupilha. Guerra, paz, força, mitologia, mitomania, machonaria fazem parte deste mosaico. Tudo reforçado pelo hino riograndense que comemora a derrota pensando que empataram quando perderam de goleada, como diz o grande Peninha. "Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra...