quarta-feira, 31 de maio de 2017

Tem que contratar!



“Eu estou com as massas e as massas derrubam até governos".
Grande frase de Gentil Cardoso, dita na comemoração do título carioca de 1952, quando foi carregado em triunfo pela torcida do Vasco. No dia seguinte foi demitido. É um bom conselho para os políticos deste ajuntamento.

Mauro Pandolfi

O futebol é um jogo de frases. Há as históricas que identificam os grandes. "“Daqui pra frente, quero todo mundo indo pra cima e chutando a bola pra dentro da área de qualquer ângulo. Sabe como é: contra time pequeno, bola na bunda é pênalti". A frase é de Gentil Cardoso. Autor de uma outra que identifica um jeito de jogar: "Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência.” Também, há as suas folclóricas que mostram uma ideia de jogo. "Bola pro mato que o jogo é de campeonato". Mas, nada supera a vã filosofia, a do medo da queda, da ausência da vitória. É repetida por torcedor de arquibancada, de sofá e se torna histérica quando pronunciada por alguém que ganha para dar opinião: "Tem que contratar!". Não há rigor analítico, nem critério, nada. Só o pânico do 'fracasso'. Desesperados, assustados, os cartolas não resistem aos apelos, pressões, ameaças. Contratam! O resultado é quase sempre o rebaixamento! Porém, todos sabem, 'futebol é uma caixinha de surpresa'.
Não há nada de novo sob o sol, nem sob a chuva. Três rodadas, má campanha, a ojeriza da queda vira um terror. Sport Recife apelou ao passado para dirigir o time. Buscou Vanderlei Luxemburgo. Falastrão, o técnico chegou falando em título. Jogador de pôquer, Luxa tenta mostrar,  mais uma vez, que seu 'pojeto' não é o mesmo blefe de sempre.  Aliás, o passado é o argumento predileto na hora da contratação. Quanto mais decadente, mais velho, mais cara de 'ex, mais jeito de reforço tem. Reforço?
Z-4! A situação que apavora uma torcida. O Atlético Goianiense ainda mantém o treinador Marcelo Cabo. Ele sabe que o prazo de validade é mais uma derrota.. Apavorados, os cartolas tentam Diguinho, Thiago Ribeiro, Muriqui e Juan. Todos com currículo. Uma década atrás seriam reforços. Agora, como um diz um antigo jornalista esportivo, 'só vão gastar papel higiênico, sabonete e inchar a folha de pagamento'. Ainda há um pouco de lucidez nos 'donos da opinião'. O Vitória tem um sério dilema. Como demitir um velho ídolo recém contratado? Petkovic balança, balança, será que cai? A validade está terminando.
E, o Avaí? O time que 'não subiria' o ano passado perdeu o encanto. Seu treinador Claudinei Oliveira  é contestado, o craque Marquinhos ficou velho, Rômulo não 'joga no time da rua' de muitos torcedores e está na zona de risco. 'Tem que contratar!' urram todos os dias. Nos bares, nas esquinas, no estádio, nas redes sociais, na rádio, em todos os cantos. Pressionados, os cartolas atenderam o apelo e compraram a 'cartilha do rebaixamento'. O planejamento e o 'projeto' de gastar menos do que arrecada virou fantasia. Chegaram Maycon, Juan e Willians. Ainda podem descer na Ressacada: Alex, Nilmar e Muriqui. O Avaí aposta no passado destes medalhões. O futuro, o sub 20, fica para um outro tempo, que nunca virá. Quem sabe, o torcedor avaiano irá reconhecer seus 'meninos' quando brilharem com outras camisas. Afinal, como dizem por aqui: 'menino joga contra menino; homem contra homem'. E o sub 40?

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Ciao, Totti!

"Eu gostaria de fazer isso com uma música ou um poema, mas não consigo escrever nenhum.
Ao longo dos anos, eu tentei me expressar através de meus pés, que tornaram tudo mais simples para mim desde que eu era uma criança."
Palavras de Francesco Totti ao declarar o eterno amor ao Roma
Mauro Pandolfi


Não vi o jogo. Nem a homenagem ao vivo. Li sobre ela, assisti nos programas esportivos. Deve ter sido encantadora e inesquecível. A emoção ao vivo, perdi. Mas, ao ver o choro de Gian Oddi percebi toda a emoção da despedida. Nem o criterioso analista conseguiu esconder a paixão e o agradecimento ao velho mito. Futebol é mesmo a maior invenção humana. Somos eternas crianças que amam um brinquedo que roda, rola, balança a rede ou os quadris de um adversário, durante toda a vida. Há momentos que jogamos, Outras, assistimos. Aplaudimos, reverenciando quem nós remete ao tempo de criança de correr atrás  da bola. Totti foi um destes magos. No futebol o adeus não significa o fim e nem um até breve. O ídolo é eterno. Está na história, na memória, no imaginário de um torcedor que sempre lembrará, reverenciará e sentirá saudade nas horas tristes, nas derrotas, nas crises. Assim é o teatro de grama e paixão O jogo continua. Belo, instigante, triste, alegre, de vitória, derrotas. Exatamente como a vida.
Falcão foi o Rei de Roma. Desfilou sua elegância exuberante,  ganhou títulos, virou paixão dos 'romanista'. Talvez, o melhor jogador da história do clube. Porém, não se compara a Francesco Totti. O menino que atravessou a vida com uma camisa que faz parte do corpo. Tatuada na alma. Desenhada no coração. Esculpida no cérebro.Totti é cultuado nos cânticos, nos gritos, símbolo de fé na terra do Papa. Totti é um raro jogador deste tempo. Recusou o Milan e o Real Madri. Preferiu a paixão, o amor, ao time que torcia, vibrava quando menino. O jogador que sofria nas derrotas, vibrava nas vitória. O torcedor em campo. Totti é um romântico derradeiro da bola.
Vi a foto de uma camisa do Roma homenageando Totti. Sem publicidade, limpa, leve, linda. Nas costas, o nome. O número é o destaque. O 'dez' em romano. O 'X' só é possível em Totti. O único, o símbolo, o craque que representa a história e a paixão. Ele declamou  o amor. "Ter nascido romano e romanista é um privilégio.Ser capitão deste time é uma honra. Vocês estão – e sempre estarão – na minha vida. Eu não irei mais entretê-los com meus pés, mas meu coração sempre estará com vocês. Agora, eu descerei as escadas e entrarei nos vestiários que me acolheram quando criança e que agora deixo como um homem. Sou orgulhoso e feliz por ter dado a vocês 28 anos de amor..Eu amo vocês.” Inveja dos romanistas. Os meus ídolos não vestiram só a camisa do meu time. Jogaram dois, três, quatro, não mais que cinco anos. Foram 'fazer' a vida. Deixaram-me órfão. De tempos em tempos, procuro um ídolo para chamar de meu. Encontro na minha memória, nas lembranças e no imaginário de um time de botão ou no playstation.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

El Loco


"Um homem que tem ideias novas é um louco até que suas ideias triunfem"
Marcelo Bielsa é um inovador, ousado, revolucionário. Poucos  entendem a bendita loucura de amar o futebol como ele.

Mauro Pandolfi

Tite é um técnico obcecado por vitória. Fábio Capello é um treinador obstinado por não perder.  Marcelo Bielsa é um obsessivo pela paixão que há numa bola. Ele é muito mais que um treinador ou técnico. É um pensador, um filósofo, um ideólogo do futebol. Os três mestres no ofício de inventar um time deram palestras  no seminário da cbf (Somos o Futebol. 2º Semana de Evolução do Futebol Brasileiro). Vale a pena assistir na íntegra este encontro. Preste atenção em Tite e Capello. Você aprenderá os caminhos do jogo, a lucidez para vencer. Mas, concentre-se  em Marcelo 'El Loco' Bielsa. Entenderá a poesia, a arte, o prazer, a filosofia, a 'loucura', a beleza de um drible, de uma linha de passe, de um jogo lírico, bem jogado. Entenderá o futebol!
Marcelo Bielsa desvenda os 'mistérios', encantamentos,táticos do futebol. Depois de 50 mil partidas assistidas descobriu que há dez esquemas de jogo. Uma análise cerebral, pragmática, nada ortodoxa. "Não existe mais do que dez. Há o que chamo de desespero. Nos últimos cinco minutos, quando estamos perdendo, são oito na frente, dois atrás. Ou, quando estamos vencendo, são nove atrás e um na frente. Os dez são reconhecidos por todos. O que há é uma derivação de cada um", explicou. Ofensivo ou de contenção depende de quem é 'retirado' do jogo.  Lembrei de meus professores de matemática com seus gráficos, linhas, triângulos, posições, ângulos. O treinador é um quase Pitágoras moderno. Cria teoremas, problemas e soluções, que nem sempre, funcionam. Afinal, o jogo é aleatório, imprevisível, divino.
'El Loco' é alma, coração, psicologia. "Emoção é a chave para o técnico.É muito difícil convencer alguém, se aquilo que proponho  é algo que não acredito até a morte. Dirijo o time de acordo com que sinto. E seu meu jogador não se adapta, eu luto para que adapte para poder propor a ele aquilo que eu sinto". Como é difícil resumir tanta paixão, clarividência, entendimento, filosofia em tão poucas linhas.
 Num evento de ternos e gravatas, Marcelo Bielsa usou um abrigo, tênis de caminhada, uma camiseta. Fiquei esperando ele se agachar, como faz num campo de futebol.  Carismático, emblemático, citou referências. César Luís Menotti foi uma delas. "Sou um apreciador de  Menotti, do que ele significa para mim. Ele costuma dizer que cada coisa deve estar em seu lugar. A cozinha na cozinha, o banheiro no banheiro.  Isto é exatamente o oposto do que penso. Pensar diferente de um mestre é realmente muito perigoso, mostra que sua chance de estar  errado é muito grande. Exige também respeito pela discordância". Outro foi Jorge Sampaoli. "Não é um discípulo. É melhor do que eu. Mais flexível", garantiu. Explicou como pensa o jogo entre os garotos. "Nas divisões de base, não se deve ter uma escola de um clube que faça todas as categorias jogarem com um mesmo sistema. O ideal é cada jogador  passar um ano atuando em um sistema diferente. Ou mudar de sistema a cada dois meses, para que todos possam ter cultura tática".

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Meu primeiro milagre

A espera de mais um
 
 
Eu nunca acreditei em milagres, nem mesmo havia presenciado algum até então. Milagre era algo metafísico demais para minha pessoa cética, estava além das possibilidades dos meus princípios, além demais. Portanto, eu não acreditava em milagres. Entretanto, naquele ano profético de 2013, o que eu não podia prever é que na pequena-grande cidade de Florianópolis, que é como eu gosto de chamá-la, surgia um milagre, um milagre que tinha tonalidade definida: era um milagre preto e branco.
 
A série B do campeonato brasileiro daquele ano contava com os dois times de Florianópolis: Avaí e Figueirense. Ao fim da 32ª rodada, as esperanças alvinegras de acesso eram escassas. O Figueirense havia perdido mais uma partida e sua posição na tabela era apenas a 10ª, longe da sonhada zona de acesso que envolve os quatro primeiros colocados na tabela.
 
O Avaí era o 4º e vinha embalado, sedento pelo acesso e confiante. A próxima rodada era o clássico, na Ressacada, casa do Avaí. Às vésperas do clássico, tudo que se discutia era a possível vitória do Avaí, que vinha embalado e devido à péssima fase do Figueirense, já se permitia dizer que o Figueirense iria ficar mais um ano na Série B. Miguel Livramento, em uma de suas colocações, deixava bem claro: “eu nunca vi milagre, e o Figueirense não vai ganhar, não existe isso, seis jogos seguidos, ganhar seis!”. Nem eu acreditava. Então, só restava o clássico. A única missão do Figueirense no campeonato era ganhar o clássico.
 
E então foram necessários 45 minutos para a festa e a arrancada alvinegra começar. O fim do jogo: Avaí 0x4 Figueirense, em plena Ressacada. Com esse resultado, o alvinegro venceu os seis jogos que precisava e o Avaí perdeu-se na certeza de uma vitória sobre o grande rival - acabou o campeonato em 10º. O Figueirense ficou em 4º, voltou à Série A no ano seguinte. Esse foi o primeiro milagre que pude assistir e presenciar, e na certa, o mais emocionante da minha vida.
 
Agora, a Série B de 2017 vai começar, quatro anos após a última participação do Figueirense na mesma. O Avaí disputará a primeira divisão – o que dá vazão para um ano de brincadeiras intermináveis por parte do meu pai. O Figueirense, mesmo com suas peças novas, continua com a dúvida, a incerteza e busca, para mim, outro milagre na Série B: a volta à Série A de 2018.
 
Iniciaremos essa caminhada sábado, contra o Goiás, lá no estado goiano, e agora, mais do que nunca, “andar com fé eu vou!” Sobre os milagres, bom, agora eu acredito neles e podem acontecer; ou não.
 
Crônicas por tubo sempre aberto aos novos talentos apaixonados por futebol.
Matheus Teixeira é um brusquense, 20 anos, estudante de música, apaixonado pelo Figueirense

terça-feira, 9 de maio de 2017

Página vazia

 

"Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não tem sentido algum."
Pensar de Yuval Noah Harari que vale para muitos dribles no futebol. Eles são essenciais  apenas pela poesia.

Mauro Pandolfi

'O óbvio premonitório', de Chiko Kuneski, deixou-me inquieto. Um tanto reflexivo. O homem e o olhar tecnológico.  A inquietude disparou ao assistir o trailer de Blade Runner 2049. O sombrio, o desencanto, o delírio visual numa melancolia angustiante. Reuni as 'preocupações ' com o instigante Homo Deus  de Yuval Noah Harari. O futuro é um imenso desengano, despedaçado, 'um desastre' para o homo sapiens.  Juntei tudo. Misturei num liquidificador esta geleia. Como recuso comentar os bizarros estaduais, vi uma página vazia na minha frente. Nada a escrever. Então percebi que o árbitro de vídeo é um equívoco. O olhar continua humano, demasiadamente, humano. Tem as mesmas ilusões de ótica. Às vezes, embaralhada pelo fanatismo clubístico ou ideológico; outras, pelo não entendimento. Só a inteligência artificial  evita o erro.  Será que os deuses do futebol vão entender o futuro?
Deus está morto! A revolução do conhecimento enterrou as certezas teológicas e estabeleceu novos arquétipos. A ciência tem as suas verdades. Mas, sobrevive pelas dúvidas.O homem já não sabe de onde é, quem é, o que é, para onde vai. Sem a 'verdade, o caminho e a  vida' de Deus, ele inventa a ideologia como orientação. O pensar que responde as indagações, as incertezas, o medo, a transformação. O tempo revela que são tão, ou mais, fundamentalistas que as religiosas.
Segundo Yuval Noah Harari, o homo sapiens se tornará 'deus'. Terá atitudes, que no passado eram consideradas divinas, como a imortalidade, a eterna juventude, ler a mente e criar vida. A singularidade é que torna o homo sapiens o centro, o poder, o dono da vida. O futebol será outro com a evolução do sapiens? Mais craques, árbitros melhores, ou a poesia do jogo terminará? Rai Carlos, o vidente cego, disse-me uma vez: "não espere o futuro, nem tente imaginá-lo. Será algo tão extraordinário que nem a ficção científica adivinhou. Esqueça o futebol. As criaturas do futuro não perderão seu tempo com algo tão rústico, rudimentar. Será como as arenas romanas. Alguém lembra o nome de algum gladiador? Acontecerá o mesmo com Pelé."
Deus está vivo! Olhe ao seu redor. Observe as igrejas. De tantas matizes, credos, fé. O homem comum agarra-se a Deus. É o porto seguro, a esperança, o último recurso. O futebol é uma religião. É a minha! Rezo nas catedrais - os estádios -, rogo graças aos meus santos - os ídolos -, e faço as orações rezo antes de dormir - quando assisto os programas esportivos. As respostas dos jogadores tratam o jogo como divino, uma graça, uma redenção. A religião trabalha com o imaginário, sobrevive por ele, sustenta-se no pensamento mágico de uma outra vida. Exatamente como o futebol. É movido por fé, talento, esperança, pensamento mágico, poesia. Eu, cético saudável (pelo menos, tento ser), duvido da eficiência do árbitro de vídeo. Preferia um 'homo deus', com inteligência artificial, sem os enganos do homo sapiens. O olhar do árbitro de vídeo vai apenas desglamourizar o erro do futebol.  Perde a graça o árbitro não saber contar até cinco? O bandeirinha não entender o que é impedimento? Ou ninguém perceber que o gol foi com a mão? Se estes erros acabarem, do que viverá a imprensa esportiva deste ajuntamento?

domingo, 7 de maio de 2017

O óbvio premonitório

Chiko Kuneski

 “Imaginem os torcedores paralisados, apopléticos, pelos olhares dos apitos cibernéticos, com olhares congelados, num gol capital que dará o título tão sonhado ao time do coração nos acréscimos dos acréscimos. Estáticos. Mudos. Atônitos.” 
Chiko Kuneski em Crônicasportubo

Os leitores, se é que os tenho, devem achar estranho iniciar uma crônica com a citação do autor, eu mesmo. Mas é necessário. No dia 4 de maio, apenas três dias atrás, encerrei meu texto sobre o árbitro de vídeo que iria começar a ser testado no Brasil. Hoje as palavras terminais merecem iniciar.

A novidade foi colocada em teste bem antes do esperado. Nesse domingo nas finais do Campeonato Pernambucano entre Sport Recife e Salgueiro. O arbitro de vídeo escolhido para o olhar cibernético da partida foi Péricles Bassols, um juiz de conduta controversa quando nos quadros da Federação Carioca e que filiou-se em Pernambuco. Coube a ele, sentado numa van, com ar condicionado e imagens de sete câmeras, a arbitragem de vídeo.

Sport vencia o jogo por um a zero até os 48 minutos e 55 segundos do tempo derradeiro quando o árbitro de campo, José, Woshington da Silva, marcou pênalti para o Salgueiro. Foi convicto. Estava bem colocado. “Em cima do lance” como dizem os locutores e comentaristas esportivos. Mas pediram a revisão pelo árbitro de vídeo.

O lance está numa das quatro possibilidades de marcações capitais descritas pela Fifa em nova normativa. Woshington, possivelmente chamado por Bassols, obedecendo a democracia cibernética, parou o jogo e dirigiu-se à lateral do campo para rever o lance. Reviu. Reviu. Reviu. Reviu e reviu.

O convicto árbitro em jogo, que decide o jogo, reviu as reprises por exatos 5 minutos e 25 segundos. Foram mais de cinco minutos apopléticos dos torcedores do Salgueiro e do Sport. Cinco minutos de músculos dos jogadores retesado, paralisados, inertes. O árbitro de campo confirmou o pênalti. Cobrado e com gol marcado. Empate. Felizmente o árbitro de vídeo tinha apenas sete câmaras.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O novo big brother

Chiko Kuneski

“O futebol é um jogo de olhares.”
                                                    Mauro Pandolfi

O Brasil vai começar a testar o árbitro do replay. Um julgador de imagens. Sentado confortavelmente numa cadeira em sala de ar condicionado. Longe da torcida. Frio como a tela de plasma que usa para julgar. Nada de novo. A tecnologia já está em teste na Holanda.

Mas esse olhar cibernético, de câmeras, dependendo do estádio e da geração, principalmente no Brasil, que pode ser de 8,16, 32, 64, com drones voadores sobre o lance não mudará a paixão da dúvida? Volto a frase de Pandolfi, que acho uma boa definição do esporte, sempre serão os olhares.

O primeiro olhar será do gerador dos outros olhares, o operador da câmera. Não pode ele tremer e mudar o foco? Mudar o ângulo. Mudar os demais olhares? Não podemos esquecer que, por enquanto, haverá sempre um homem comandando a máquina.

Depois esse olhar, ai ainda mais arguto, dependerá do operador de replay. O melhor e mais bem treinado das grandes transmissões televisivas do mundo leva cerca de dez segundos para localizar a imagem litigiosa. Dez segundos. Basta uma piscada e o lance se vai e de matéria da jogada no campo vira milhares de bytes no espaço.

Mas a técnica, por mais treinada que seja do homem dos botões mágicos, terá que passar pelo novo olhar. O do árbitro de imagem. Ainda não se decidiu se estará do lado do campo ou em cabine isolada e com comunicação com o suado apitador dentro das quatro linhas. Novos olhares.


Imaginem os torcedores paralisados, apopléticos, pelos olhares dos apitos cibernéticos, com olhares congelados, num gol capital que dará o título tão sonhado ao time do coração nos acréscimos dos acréscimos. Estáticos. Mudos. Atônitos. A espera de tantos olhares para soltar o grito de gol. Mas será que o computador não errou?

O novo Pelé?



Mauro Pandolfi

No meio da tarde, o mítico homem do futebol da capital, Joel Passos, entra na farmácia. Esbaforido, numa mão um envelope, na outra, um casaco, exclama cheio de certeza: " Finalmente vi um jogador igual a Pelé!". Faz uma pausa. Espera a pergunta para a resposta. 'Messi?', indago. Ajeita o corpo, relaxa, dispara: " Que Messi, que nada! É Cristiano Ronaldo! Tem todos os fundamentos do Pelé. Faz gol com a esquerda, com a direita, cabeceia como o rei. Não vai com a cabeça mole, não. Golpeia! Exatamente como Pelé". Já sentado, Joel Passos vai enumerando as virtudes e coincidências; as valências e as analogias; os méritos e a equivalência; a inteligência de jogo e a sincronia da execução do lance. "Cristiano Ronaldo é uma máquina de gols. Só vi em Pelé a eficiência em finalizar. De cada quatro chances, marca três. Em alguns jogos é mortal em todos", explicou. Para ele, o português é 'o maior jogador do século 21. Pelé foi do 20. Incomparáveis os dois'.
Pelé é divindade suprema. Intocável, sagrado, único. Falar dele é um tabu. Questionar a realeza é uma declaração de guerra. "Vi dezenas de jogos do Pelé. Ficava impressionado com o corpo quando corria, se movimentava, era puro músculo, energia, força. Um atleta. Perfeito atleta. Só agora vi alguém igual. Cristiano Ronaldo tem o mesmo aspecto físico do Pelé. É um super atleta. É fantástico!", explica o entusiasmado Joel Passos. Ele conhece todos os segredos da bola. Viveu o mundo e o submundo do futebol. Descobridor de Valdo e Sérgio Gil, Joel Passos escapa feito um velho ponteiro arrisco quando o assunto é o 'jogo sujo'. "Não sei de nada. Amigos não tem defeitos. Além disso, tenho mulher e filhos", são as frases prediletas para fugir do assunto.
E Messi? questiono Joel. "É mais driblador, e só! É melhor para vocês que olham o futebol com os olhos de um poeta, que procuram a beleza, a estética, o pueril. Eu aprendi que é fundamental vencer. O reconhecimento só existe com a vitória. A única coisa que Pelé tem a mais que Cristiano Ronaldo é o encantamento. Pelé era mais vistoso!', garante. O futebol é um jogo de olhares. Poéticos e pragmáticos. Generosos e cruéis. Acho Cristiano Ronaldo o jogador mais eficiente do futebol. De todos os tempos. Espetacular atacante como poucos. Mas, prefiro Messi. Nunca vi nada igual a Messi. Na comparação com Pelé, Messi olha para o lado para vê-lo. Cristiano Ronaldo precisa de um binóculo.

terça-feira, 2 de maio de 2017

O narciso do plasma

Chiko Kuneski

Demorei para entender o olhar para os telões dos estádios a cada gol de Cristiano Ronaldo. Cena repetida. Pernas abertas mãos erguidas, olhar ao céu, céu dos deuses do futebol. Um mero narciso do século XXI a se olhar no espelho cibernético, contemplando sua face alegre, tão feliz como o grito de gol dos milhares de torcedores.
Mas, depois de muito ver sua arte dos pés pelos tubos, entendi que não era um simples olhar para si mesmo. Voltava sua perspicácia aos telões para ver as pinceladas de sua arte de fazer gols eternizada no plasma. Um “expressionista” de si mesmo.

Revi os conceitos. Os conceitos imutáveis são radicalismos tacanhos próprios dos ranzinzas, que não têm idade. Mudar, às vezes, depende do tempo e do que se extrai dele.
Seis gols em dois jogos decisivos. Uma marca incontestável. Gols de pênalti dirão os ranzinzas. Pênalti faz parte do jogo e do gol. Ouse perder e vem a execração. Hoje, mais uma vez vociferarão alguns, meramente mais  um gol. Mas foi uma pintura expressionista do dono do espaço.

Cristiano Ronaldo domina uma bola espirrada da defesa, impensada, menos para ele, ajeita o corpo, esguio, olhar altivo para o gol e goleiro, faz a barreira corporal no marcador, libera todo o espaço no exíguo tempo de raciocínio. Sem olhar para os pés sai o chute seco de peito do pé. O couro da chuteira pincelando o couro da bola. Voadora. Bola ligeira num sonoro roçar da rede inflada pela potência que inflama. Torcida efusiva. Gol do craque.
Não consegui saber se o algoz do adversário mirou-se no plasma do estádio, certamente querendo rever sua obra. Apenas contemplei o repetir do lance por várias câmeras. Num olhar mais ousado aprendi que somos todos narcisos do plasma. As redes sociais com seus aplicativos, sejam eles quais forem, transforam o comum num adorador de si mesmo. Da sua obra. Do que escreve, desejoso para ser lido e visto. Não escapo disso. Sou um mais um deles. Um narciso do plasma.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Sofisticação


Mauro Pandolfi

"Quero desejar, antes do fim  pra mim e os meus amigos, muito amor e tudo mais; que fiquem sempre jovens e tenham as mãos limpas e aprendam o delírio com coisas reais.  ...........Viver é que o grande perigo"
A poesia sofisticada de Belchior é a melhor companhia para rever a elegância de um lance de Leandro.

Domingo vivi de memória. Lembrei dos meus queridos amigos do jornalismo quando a Elaine me falou da morte de Belchior. Revi o Zeca cantando numa rodinha do bar do básico, numa festa na casa do Gomes, do Gilberto, na singela sala de aula ou em qualquer  lugar que tivesse um violão e gente disposta a sonhar. Brincava com ele sobre Belchior. Um poeta de letras grandes que mal cabiam nas músicas estreitas.  Achava intenso e enigmático, longe da 'verdade' de Chico Buarque, meu maior ídolo daquele tempo. Mas, gostava. A memória é mesmo o amor ao tempo eterno. Não o esconde, não deixa passar. Ressurge intenso quando você está desavisado. Cenas do  período mais poético de minha vida, aqueles 'loucos' - acho que estão mais para lúcidos. Deixa assim! A 'loucura' é mais romântica - anos do jornalismo, tornaram-se um filme que durou o dia todo. Ao ver Leandro, no programa 'Resenha', da Espn, o filme insistiu em não terminar.   Acho que continua até agora. 
Música e futebol. Gosto de brincar com os dois num texto.  De ver um driblador como um poeta de versos livres, amorosos, contundentes. A linha de passes. Aquela que a bola vai suave de pé em pé, muda o rumo, a sequência, a velocidade, chega no gol é um concerto, um festival, um coral embalando um clássico ou um rock que balança as estruturas, principalmente, a minha. Belchior e Leandro são gêmeos no meu delírio de ver poesia no futebol.  Belchior está longe dos versos simples da música popular. Leandro nunca foi um mero lateral. Seu jogo era amplo, inteligente, eloquente.
Belchior parecia estar à margem da música, da fama, da eternidade. Os versos tinham  um rigor ausente na mpb. Cantava o amor, a solidão, os enganos, o medo  de uma maneira sofisticada, provocadora.   A voz grave acentuava o brilho e o desespero das letras.  Quem veio do interior, como eu, logo se identificou que  éramos 'apenas um rapaz latino-americano'  e percebemos que 'nada é divino, nada é maravilhoso'.  A vida é dura, cruel, mortal. Sempre preferiu andar sozinho. Não sei se ficou sozinho. Sumiu, desapareceu. Parecia de um outro tempo. Do tempo que havia 'galos, noites e quintais'. Mas, sempre tem o Zeca para me lembrar de Belchior.
Era fascinado pelo futebol de Leandro. Não era igual aos outros. Diferente nos gestos, nos movimentos, nos toques na bola. Aquela que vinha alto, sem rumo, dispersa,  amortecida, aconchegada no pé. Esquerdo ou direito. Indiferente. Tão simples gesto, fácil. Levei tempo para entender que aquilo era sofisticação. Nunca vi ninguém tão  elegante como ele.  Leandro não chega a ser um Belchior. Mas, parece recluso. Não aparece muito. É raro vê-lo num  programa de tevê. Cuida de uma pousada em Cabo Frio, cidade que é o seu refugo.  Desistiu de uma copa, preferiu ser justo com um amigo. Se para lembrar de Belchior tenho o meu amigo Zeca, para reencontrar a estética, o estilo de Leandro, só encontro em Iniesta. Opa! Finalmente entendi o motivo para gostar tanto do Barcelona. Eu  achava que era por Messi.