sábado, 31 de outubro de 2015

Aí...doeu!

Chiko Kuneski

Será que doeu? Deve ter doído. Pancada dói. Desde a infância. O choro é livre. Liberta a dor. O choro penaliza. O grito aterroriza. A contorção emotiva. Junte cara de dor, grito de dor com movimento de dor. A cena do teatro realiza.

Parece infantil. É infantil. A pantomima remete ao infantil. O logro da dor fingida é infantilismo.

O futebol deveria ser adulto. É a reinvenção da batalha campal. Sem mortes. É disputa de espaço. É a tática de movimentação. É opor corpo no corpo a corpo. É o esquivo inimaginário. O drible. A vitória sem armas. A defesa fundamental do escudo carregado no peito. Da conquista que leva à honra. No campo não cabe dores imaginárias e infantilizadas para enganar.

No Brasil o engano virou defesa. Enganar é justificar o erro. Voltamos a ser crianças sem conceitos morais e éticos. Ao logro tudo é permitido. Caia, chore, finja, se contorça, engane. Grite! Sua dor é paralisante do real. Que venha a ajuda da “água mágica” e fundamental. Teatralize.

Real parece ter virado mera fantasia a ser discutida. Atualmente tentam fazer dele algo a ser “desrealizado” na mentira. A pantomima virou moeda nacional. Também usada nas teatrais dores não sentidas, teatralizadas por canastrões contorcionistas que estão matando o real do nosso futebol. Real virou imaginário. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Asas do desejo

A minha volta para o futuro



Mauro Pandolfi

O tempo é fascinante. Eu gosto de brincar com ele. Rever o passado, mudá-lo e inventar o que vem por aí. 'De volta para o futuro' é o melhor filme sobre o tempo. 21 de outubro de 2015 foi o dia que McFly chega ao futuro. Eu voltei de um outro tempo, de um outubro, de 2045. O que vivenciei revelo a vocês.
A nova etapa da 'Lava Jato', a 598º operação, chamada de 'Quo porra est?', alvejou a Roubobrás, estatal criada para concentrar toda a corrupção. O investigado é o senador Cunha Neto. "O Porsche encontrado na minha garagem  é herança do meu avô. E, quem deu para ele foi Jesus", explicou o parlamentar.O presidente do Senado, José Sarney, já confirmou que não há risco de cassação.
O presidente Lulinha 3º lançou um plano para exterminar com a inflação, baixar os juros e acabar com a corrupção (não vale rir, viu?). Mudou o nome da moeda. Agora, é Pixuleco (P$). "É uma homenagem ao meu avô", explicou o presidente. A moeda de P$ 3,00 tem a efígie do Lula de um lado; do outro, um ramo de café. Um litro de gasolina custa P$ 1,02. O tanque cheio vale  P$ 40,80. Já para comprar um executivo da Petrobras é necessário milhões de pixulecos. Não mudou muito, não! 
E, a cbf? Há 30 anos que ninguém entra, ninguém sai do prédio. O presidente Del Nero vive trancado na sua sala. Ele confidenciou para alguns amigos que 'aqui o FBI não entra. Estou seguro!'. No entanto, pela entrada lateral, sempre belas garotas visitam o ermitão cartola. Ele tem muito medo. Porém, não é bobo. Ou, é?
Eurico Miranda Neto afirma que o 'Vasco não será rebaixado". Ele defende uma nova virada de mesa. 'A série A pode ter 362 times. Só assim o futebol brasileiro será bem representado. Um jogo por dia. Menos no carnaval, pois ninguém é de ferro", sugere. Sem virada, Miranda Neto já reservou passagem para a Sibéria, onde irá morar com o avô e o pai.
Depois de 30 anos, finalmente as águas do Guaíba vão baixando. E, surgem ruínas que lembram um estádio de futebol. "É uma lenda urbana de que na beira do lago teve um time. É só mito", explica o historiador Eduardo Bueno, o Peninha. O presidente do Grêmio, Fábio Koff 5º, quer organizar um torneio com o Grêmio Maringá e o Grêmio Cachoeira. "É uma homenagem ao nosso técnico Roger Machado", explica. O treinador de quase 100 anos fez uma promessa de só deixar o clube após o Grêmio ganhar um título. "Como um Grêmio vai vencer, ele poderá finalmente se aposentar", afirma o cartola. Uma turma que vive num boteco agradece. Ele ainda empurram um fusca na esperança de um título.
Os times de Santa Catarina, como sempre, lutam contra o rebaixamento. No Figueirense, o desfalque será o zagueiro Marquinhos, que ainda não se recuperou da virose. O técnico Argel Fucks, o capitão Nascimento, está confiante. "Os meus soldadinhos estão prontos para a luta, a batalha, a guerra, o arrastão, o rolezinho ou o jogo de amarelinha. Não temos medo de nada", bradou. Já direção do Avaí fará uma consulta à cbf para saber se o meia Marquinhos poderá jogar com um andador. "É o ídolo da torcida, o craque. Precisamos dele", disse o presidente Miguel Livramento Neto.
.Em Joinville, o treinador PC Gusmão Filho espera a recuperação de Marcelinho Paraíba. 'A casa de repouso garantiu que ele recuperou parte da memória. E, o melhor da notícia, é a de memória do pé esquerdo", garantiu o otimista treinador. O JEC tenta quebrar o tabu e o ioiô. Nos últimos 30 anos, subiu, desceu, subiu, desceu, desceu, subiu, desceu....
A Chapecoense é só festa. Vai comemorar os 30 anos do grande jogo contra o River Plate com um amistoso contra o River. Mas, do Piauí. "O argentino pediu uma cota muito alta. E, vocês sabem: não tá fácil para ninguém!", alega o presidente Sandro Palaoro Neto  O grande treinador Guto Ferreira, 230 kg de astúcia, promete uma 'Chape forte, vibrante contra o Palmeiras'. Se vencer, o time do Oeste garante vaga na série A. "Eu me dou bem com porco. Gosto do bacon, a costelinha bem sequinha, um lombinho. Ah, o jogo! Vai ser difícil! Mas, vamos comer o porco. Hum..! Delícia!", argumentou.
Escuto uma voz vindo de dentro de casa. É do Geromel, meu neto. Ele grita para o irmão dele, o Mamute. "Tira o vovô da sacada que começou chover!"

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Globalizando conceitos


Chiko kuneski

Se a Terra é um globo, sem arestas, e o cérebro uma noz , enervado, fico com a ideia da globalização. No futebol a bola é a Terra. Global. Enerva-se nos cérebros dos torcedores. Sofre ranhuras. Desconforma-se no conformismo. No medo do novo. A bola rola e arredonda-se como uma gravitacional da Lua.

A globalização permite isso. Estar em tempos e espaços diversos, com fusos e confusos horários rotacionais. A comunicação global, “tubal” até pouco tempo, digital agora, recria os conceitos físicos que devemos entender se quisermos estar sempre presentes. Se não... corremos o risco de sermos eternos, mas sempre anacrônicos.

No futebol essa globalização é impositiva. É ativa. Oferece o prazer voyeurista. Você decide o tipo de prazer. Todos os fetiches futebolísticos disponíveis sem senhas, filtros, exclusões, protecionismos nacionalistas. Num só dia o prazer das Ligas europeias, da Argentina, da América do Norte, das competições do Brasil, viram números do controle remoto.


O globo futebolístico é seu. Basta controlar o controle remoto da globalização. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O jogo na mesa

Chiko Kuneski

- Não sei se notou, mas o pé esquerdo da mesa está torto.
- Que é isso dr. Conheço meu ofício. A mesa tá plana.
- Não preciso ser marceneiro para saber que o pé esquerdo está torto.
- Deve ser seu óculos, dr!
- Sem eles acho que está ainda mais torto. Aliás, desalinhado.
- Que é isso? Tenho experiência.
- Eu tenho olhar crítico. O pé esquerdo está torto.
- Dr., comecei por baixo. Humilde. Aprendi. Cortei. Lixei . Torneei. Aprendi a montar na prática.
- Mas o pé esquerdo da mesa está torto!
- Pois é isso, dr.! O senhor pensa que sabe demais. Estuda. Se entranha em livros. Assiste jogos na televisão. Pensa que o que enxerga é o correto. Eu não! Sou humilde. Aprendi na prática. A mesa está reta.
- Podes ter razão. Mas te faço um desafio!
- Dr., a vida me mostrou que os humildes têm sempre que provar algo para alguém. Aceito.
- Ótimo! A vida também me ensinou a enfrentar desafios.
- Não parece, dr.
- Aceitas ou não?
- Vou provar que o dr.  está errado!
- Prove. Mas vamos jogar uma partida de futebol de botão na mesa que construíste.
- Conheço o campo, dr.
- Mas o teu ataque começa jogando pela esquerda.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Pelé. 75!

Mauro Pandolfi

O gol é o melhor momento do futebol? Ou, seria um drible? Uma defesa está fora da escolha? Ou, o gol que não quis acontecer? Não sei! Tenho dúvidas! Vibrei com tudo isto. São imagens que surgem, por insight, na mente. Estão na memória de um menino que brincava com bola. E, de tempos em tempos, revejo em sonhos, numa leitura ou no you tube. O gol da Rua Javari, que ninguém viu, é descrito com requintes de obra de arte. O drible antológico, sem bola, em Mazurkiewsc é um espanto. Impossível! O chute longo, louco, lúcido, do meio do campo, que irritou Gérson e desesperou Viktor, e foi para fora, é mais espetacular do qualquer golaço. A cabeçada certeira, firme, para baixo, como ensinam os manuais, escritos por Pelé, da defesa impossível de Banks. Isto é Pelé. Ele é o futebol! Pelé está de aniversário. Feliz 75!
O futebol é o mais louco dos esportes. E, nem é esporte. É um teatro de grama e paixão. Sempre está mudando o jeito de jogar. Reinventa-se a procura do novo, da surpresa, do imponderável. No entanto, uma coisa é imutável no futebol. Quer irritar uma pessoa do futebol? Questione a realeza de Pelé! Primeiro, único, insubstituível, mágico, deus, mito, atleta do século. Nada é maior que Pelé. Até quem nunca o viu, o defende com ferocidade. Pelé é sinônimo de futebol. Vi muito pouco Pelé ao vivo. Procuro em partidas perdidas no you tube. Era extraordinário! Corpo atlético perfeito. Técnica apurada. Senso de espaço, de colocação. Cerebral nos passes, na antevisão do lance, na vingança as agressões. O drible não era um um devaneio lúdico. Usava como um recurso para o gol. Como dizia meu pai, "um monstro!"
Copa do Mundo. México 70. O auge do futebol brasileiro. O único momento que a mitologia foi real, não a fantasia de uma história oral fascinante. O melhor time de todos os tempos. Uma máquina. A Seleção Brasileira nunca mais foi a mesma. Nem o futebol. Um jogo mágico, revolucionário. Compactada, os setores eram um só. Movimentação, articulação, contra-ataque, troca de passes. Time de craques, de jogadores comuns, comandada por um gênio, Pelé. Nunca mais estes jogadores, nem Pelé, repetiram a performance do México. Viveram, sobreviveram e permanecem na lembrança por aquele futebol extraordinário.
Quem mais foi Pelé? Diego Armando Maradona é o mito de minha geração. Vi ao vivo. Vi garoto, vi no auge, vi na decadência. Habilidoso demais! A bola era um extensão de seu corpo. Genial e genioso. É mais Garrincha que Pelé. É um outsider, um 'marginal', um rebelde, contestador. Maradona é poesia. Pelé é prosa. Johan Cruyff era a expansão do jogo de Pelé. Tornou o campo redondo e deixou o futebol mais simples, inventivo e complexo. Há outros tantos. Mas, o tempo foi passando e ficaram apenas na lembranças de seus torcedores.
Ninguém é tão Pelé como Lionel Messi. São parecidos em quase tudo. Gostam de vitórias, de gols, de títulos. Olho a tevê. Vejo o gol de Messi. No you tube, procuro Pelé. Vejo um gol. O lance é quase uma cópia. Arrancada pelo meio, passando pelos zagueiros, tabelando com o avante, recebendo na frente, fuzilando um goleiro indefeso. Dribles curtos, longos. Chutes precisos. Messi é Pelé. Estou vendo a rejeição da comparação. Uma pequena vaia no fundo da sala. Faz parte do jogo, da crônica.
Sujeito estranho este Pelé. Não o via como uma pessoa. Era um mito, um ídolo, um santo. A foto de Pelé era a maior do meu quarto em Lages lá por 73. Pelé aninhado na rede, beijando a bola num ato de amor. Cena do gol mil. O poster dividia a parede com vários outros deuses pops. A sua direita, um seio da bela morena Nídia de Paula escapava do biquini. À esquerda, o olhar melancólico de John Lennon era a minha inspiração para as redações da escola. Um maluco matou os sonhos de Jonh. Nídia desapareceu sem deixar pistas e Pelé continua eterno.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Diálogo



Mauro Pandolfi

Ei, vamos conversar um pouco? Ou, está seguindo seu amigo Chiko?
Eu concordo com ele. Tudo vira lugar comum, ofensa, agressão e o silêncio é o melhor diálogo.
Poxa, somos amigos! Podemos discutir... sobre futebol. Que tal?
Sem ofensas, xingamentos?
Bueno, depende do que for dito.
Tá bom! É futebol, hein? Acho que deve cair...
Mudou o assunto. Isto é golpe! Não há nada contra a Dilma..
Que Dilma, cara? Estou falando do Dunga!
É gaúcho, né? Sabia..
Eu também sou gaúcho...
Dunga é colorado. Usou vermelho, mudou de figura. Gremista sem título, tucano enrustido..
Não! Seu estilo é jogo superado, tosco, defensivo demais..
Bobagem tua! O que esperar de quem vive falando em Guardiola...
Eu gosto de futebol!
Deslumbrado! Assiste na tevê a cabo, é burguês, fica falando do jogo bonito..
Não gosta de beleza?
Colonizado! Eu adoro o futebol jogado no Brasil, cinco vezes campeão do mundo, país do futebol. Aqui a gente ensina...
É o futebol da pátria educadora?
Porra, já está falando de política, outra vez?
Não é isso! E, o jogo do Neymar, hein? Quatro gols e algumas pedaladas.
Tu é reaça, mesmo! As pedaladas foram uma necessidade para os programas sociais. Mas, desde quando tu se interessa pelos pobres, né, intolerante?
Opa! Me referia aos dribles. Que paranoia é esta?
Este guri me dá nos nervos. É um mimado, metido, milionário. Um babaca.
São os tempos de hoje. Os guris são assim mesmo. Tem o Neymar, o Lulinha, o irmão dele, a mulher...
Não mete a família no meio?
Entenda uma coisa. O futebol mudou muito. O que me preocupa a roubalheira. Será que vai dar cadeia?
Porra, tu quer falar de política, coxinha? Não vai ter impeachment, quanto mais cadeia...
Tu é um idiota, né? Eu tava falando em Marin, Del Nero, Delfim. A outra quadrilha, também, poderia ver o sol nascer quadrado..
Quanto ódio no coração! De qual quadrilha, tá falando? É muito jornal nacional, analfabeto midiático. Noveleiro!
Tô quase voltando ao silêncio. Falta na seleção um centroavante habilidoso, de movimentação.
Prefiro um fincado na área.
Mandioca?
Porra! Já é provocação!

Federação Carioca manda na CBF

Chiko Kuneski

O presidente Marco Polo Del Nero retirou o aval dado pela CBF para a realização do primeiro torneio da Liga Sul-Minas-Rio, que nasce com o apoio de 15 times. Segundo o próprio Del Nero, a retirada da chancela oficial da entidade atende a pedido da Federação do Rio de Janeiro, que entrou em rota de colisão com a dupla Fla-Flu e acata todas as “ordens” do presidente do Vasco, Eurico Miranda. Por analogia pode-se dizer que Eurico manda na CBF. O futebol, mais uma vez, imita o pior da política nacional.

Del Mero faz jogo duplo. Tem um estilo de político da pior estirpe, como Dilma, loteia agrados para tentar salvar a pele, e sabe que precisa do apoio de grandes times fora de São Paulo, principalmente Flamengo, Fluminense, Atlético-MG, Internacional e Grêmio, para tentar esquiver-se de punições extra futebol. Logo depois retira o apoio à Liga conclamando o estatuto da confederação. Tenta blindar-se dos dois lados. Para a Liga alega que não pode ferir o estatuto; para a Ferj acena com o cumprimento desse para melar uma grande iniciativa dos clubes “rebeldes”.

Nesse cenário da política futebolística do país, que não é muito diferente da de Brasília, a Liga chega para ser talvez uma semente de mudança. Sem a participação da presunção dos times paulistas e dos presidentes ditadores das Federações, a nova entidade tem tudo para mudar o futebol nacional em poucos anos. Tomemos como exemplo os principais nacionais europeus. Todos organizados por ligas e rentáveis para os times.

A maior rede de televisão do país, que já detém os direitos de transmissão dos principais estaduais, do nacional e da Copa do Brasil, já negocia com os  clubes que fundaram a Liga. Seus executivos pensam no futuro, que sabem inevitável. As entidades estaduais e a CBF tendem a perder poderes, esvaziarem-se.

Talvez a Liga seja a tão sonhada redenção do futebol brasileiro que nós, todos os apaixonados pelo esporte bretão, precisemos acreditar.

Informações do jornalista Rodrigo Mattos, Folha de São Paulo. Clique

domingo, 18 de outubro de 2015

A banalização do pior

Chiko Kuneski

- O futebol é uma caixinha de surpresas!
- Logo tu? Usando essa frase batida?
- Digo mais. Cada jogo é um jogo!
- Ai pegou pesado. Mais um lugar comum.
- No futebol comum é o inusitado!
- Que foi? Engoliu um almanaque de futebol?
- Comentarista de almanaque só vomita números!
- E tu preferindo máximas.
- Verdades!
- Mas assim? Com frases feitas e cruas? Sem análise?
- A análise futebolística é dourar a pílula!
- Esperava mais de ti. Um pouco de conhecimento...
- Quem acha que muito conhece; nada sabe!
- Desisto de discutir futebol contigo.
- Até que enfim entendeste!
- Não estou entendendo nada.
- Não vale mais a pena discutir nada nesse país. Nem o futebol, nem a política, nem os conceitos. O lugar comum virou o mais comum dos lugares.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A outra partida

 

Mauro Pandolfi

É difícil atravessar a cidade com um campo de botão. Entrar no ônibus, também, foi complicado. A sorte foi um cobrador gentil, atencioso e jogador de futebol de botão. Ele permitiu a nossa entrada e saída pela porta de trás. A aventura aconteceu num sábado de 1993. Eu e o Márcio fomos até a Fedato Sports, que ficava na Jerônimo Coelho, em busca de um campo que ele tinha visto, cobiçado, desejado e sonhado. Parecia um campo de futebol como o Serra Dourada. Listrado em tons de verde claro e escuro. Cercado por um metal que lembrava a geral. Aproveitamos e compramos duas traves novas. As redes eram do tipo 'véu de noiva'. Aqueles que balançam e aninham a bola como um ato de amor. Belo estádio!.
Dois ' piás' em um sonho. O gerente da loja veio nos atender. Ele também gostava de jogar botão. Trocamos dicas, regras, macetes. Havia três tamanhos de campo. O Márcio queria o maior. "Dá para fazer lançamentos e distribuir o time", explicou. Eu preferia o menor. Márcio protestou. "Não, não, não! Campo pequeno é para retranqueiro. Nem pensar.  Te conheço", disse. Ficamos com o médio. Foi muito engraçado andar no calçadão com aquele trambolho. Cada um segurando um lado. Ás vezes, um na frente do outro. Noutras, lado a lado. As pessoas olhavam e nós ríamos. Só de lembrar, fico com vergonha que naquele dia não tive.
Campo instalado. Lustrado. Em cima da mesa da sala. "Não vão arranhar a mesa, viu?", reclamou a dona Lídia. Não ligamos, não ouvimos, o pedido da mãe.  Um em cada lado. Times escolhidos. Os goleiros eram os que vinham com o jogo. A caixinha de fósforo com peso dificultava o gol. Os botões eram antigos. Comprei em 1971. Foi uma fase de jogo de botão na rua e no colégio. Sempre cuidei deles com carinho. O Márcio os mantém até hoje. Passei várias tardes da adolescência jogando. Bons tempos, hein?
Corinthians x Cruzeiro. O jogo escolhido. Como os dois queriam o Grêmio, ele foi tirado do sorteio. Eu peguei o Timão de Sócrates e Palhinha. Os botões tinham os retratos dos jogadores. O Cruzeiro de Dirceu Lopes e Nelinho foi a escolha do Márcio. Times armados, distribuídos em campo. Confirmamos as regras do jogo. Três toques a parir do meio-campo. Chute a gol só da intermediária. Quem tinha a posse de bola, em cada toque, podia mexer em dois jogadores. Três faltas, cartão amarelo; na quarta, expulsão. A regra era clara.
O Márcio é um hábil jogador de botão. Tem lances ensaiados que detonam qualquer adversário. Falta a favor dele é um perigo. O cruzamento é meio gol. Seus botões pareciam cabeceadores fenomenais. Ele gostava de jogar com bolas longas. Bem armado taticamente. Um craque!
Eu era mais pragmático. Gostava de armar uma boa defesa. Três defensores fechavam a grande área. Dois laterais e três meias preenchiam o meio-campo. Um atacante pelo centro. Outro, aberto, entre o lateral e o zagueiro. Futebol moderno. "Retranca!", berrava o Márcio. É uma questão de olhar.
O jogo flui. Márcio procura o gol. Tenta as bolas longas. Mas, elas geralmente paravam nos meus jogadores. Aí, eu tocava sem pressa. A bola no meu campo. Analisava o posicionamento. Só aí buscava o gol. O Márcio é sanguíneo, ficava irritado com a demora e a posse de bola. 'Vem pro jogo, porra! Saí da retranca!", explodia. Eu, feito um estrategista, um Rinus Michels, especulava o jogo. Ah, cada um narrava os seus lances. Também, comentava. Era um tal de retranqueiro ou de futebol moderno. Exatamente como é hoje.
O Márcio atacou. Confiou demais na sua habilidade. Deixou um espaço no lado esquerdo. Ele errou a jogada. A bola ficou comigo. Sócrates segurava o disco. Mexi em Vaguinho. Posicionei Palhinha. A jogada deu certo. Palhinha, cara a cara com Raul, tocou no canto. "Timão! Timão!", simulei o grito da torcida. 1 a 0 bem no final do primeiro tempo.
Furioso, Márcio amassou o meu time no segundo tempo. Armou uma estratégia que encaixotou o Corinthians. Não consegui sair. Não armei nenhum contra-ataque. Estava encurralado. Mas, o gol não saía. Eu era um bom goleiro. E, tinha uma 'leiteria' danada. Bola na trave, no zagueiro. A pressão foi intensa. Numa cobrança de falta. Nelinho acertou o ângulo. Não sei como aquela bola pegou altura. Fim de jogo. Empate. O sorriso do Márcio era de uma vitória que não veio por detalhes. Trocamos abraços depois da epopeia. A mãe chegou na sala aquela hora. "Pensei que vocês estavam brigando. Eram gritos, assobios, xingamentos", disse. Explicamos, abraçados, que era apenas um jogo de futebol de botão.
Não sei onde foi parar o campo. Os botões estão guardados numa caixa. André e Pedro chegaram a brincar quando pequenos. O Márcio deu um campo e eu, os times. O tempo passou. Veio o playstation e os botões ficaram presos na memória. Será que não é hora de libertá-los?

sábado, 10 de outubro de 2015

Desnorteado

Chiko Kuneski

Ptrowesley (um desconhecido técnico, que apesar do nome era venezuelano) veio para implantar um esquema tático revolucionário e salvar o time da segundona. No primeiro dia já pôs todos no condicionamento físico na mais tenra matinal. Nenhum jogador brasileiro treina bem de manhã cedo, mas ele dizia que ia mudar isso. Levava os atletas à exaustão física até o meio do dia. A tarde era o tático técnico.

A ordem era uma: só atacar pesado pela esquerda. “Temos que derrotar a direita do adversário, é sempre o ponto mais fraco”, esbravejava cada vez que um jogador mudava o lado de campo do passe. “Nunca se ataca à esquerda inimiga, mais cedo ou mais tarde ela acaba nos surpreendendo”, dizia categórico.

O time sempre era armado com dois zagueiros esquerdos, um lateral e um ala, esquerdos, dois volantes de pé canhoto, meias armadores esquerdos e o centro avante. Esse era destro e Ptrowesley justificava: “temos que surpreender com finalizadores ao centro, salvam o time nos piores momentos”. Ninguém entendia bem o “moderno” esquema de jogo do técnico, nem os seus jogadores. Na maioria das vezes o time parecia um bando de caranguejos com as patas direitas danificadas, arrastando-se por uma só lateral.

Mesmo sem vencer, sem mudar a desconfortável posição na tabela, pior, caindo a cada rodada, sua teimosia insistia no método. “Mais cedo ou mais tarde os torcedores entenderão, o time engrena e nos recuperamos”, frisava sempre nas entrevistas. Mas a equipe não vencia uma. Quando não empatava, perdia e de goleada. Ptrowesley não vivia tal realidade. “O time está bem, é questão de tempo”, insistia.

No jogo decisivo o técnico repetiu o esquema totalmente à esquerda, justificando que era chegado o momento. Com ele o time estava bem até os cinco do primeiro tempo. Num fulminante ataque pela direita, com apenas um adversário, teve uma bola cruzada e levou o primeiro gol do lado esquerdo. Depois desse vieram mais seis. Pela direita, pela esquerda e, principalmente, pelo centro. O time 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Vida e alma