segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Outras memórias: Reinaldo!


"Eu quero um gol de meia-bicicleta de Reinaldo para tatuar na pele da lua e tomar o lugar de São Jorge com seu cavalo, para que os namorados e os ex-namorados, os amantes e os ex-amantes, de todas as idades, digam uns aos outros, apontando para a lua:.

Olhe só o que pode um homem, mesmo quando está caído".

Roberto Drumonnd foi o cronista que melhor decifrou a genialidade de Reinaldo. Drummond é o apaixonado que torcia contra o vento que balançava a camisa do Galo estendida no varal.


Mauro Antônio Pandolfi


Lembrei de Reinaldo hoje de manhã. De seus gols mágicos, do punho erguido da rebeldia, de sua inteligência apurada. Nunca vi um centroavante como ele. Romário tinha a capacidade de finalizar de Reinaldo. Careca, a imensa habilidade. Ronaldo, o controle do espaço. Reinaldo era todos. Foi intenso, tão imenso, durou tão pouco. Muito pouco. Quase nada. Apenas os atleticanos, os mineiros, os apaixonados pela arte do gol bem elaborado, esteticamente perfeito, reverenciam. Não chegou no topo do mundo. Os joelhos destruídos impediram que a glória e o talento o tornasse um Messi ou Cristiano Ronaldo. Mas, ele era, no mínimo, no mesmo nível. Quem sabe, superior. Delírio de fã? Pode ser. No entanto, Reinaldo era extraordinário.

Do nada, bem aleatório, uma página do feicebuque mostrou lances, dribles, gols de Reinaldo. É o dia de seu aniversário. 64 anos. Bah! Meus ídolos já estão velhos, como eu. Onde foi parar o tempo que imitava, sem sucesso, Reinaldo? Queria encontrá-lo! Não tinha a intenção de republicar um texto. Entretanto, a bela saudade, o encantamento que tinha com Reinaldo, mudou a minha opinião. Republico com alma lavada e enxaguada de emoção.



O Rei

 

Mauro Pandolfi


Era um menino com cara de anjo, um moleque de cabelos enrolados, feliz com a bola nos pés. Brincava com ela. Seus dribles eram versos livres, soltos. E, os gols? Obras de arte! Foi um rei tão mágico, tão elegante, tão contestador. Um rei rebelde, como são rebeldes todos os guris que nasceram para jogar bola. Um rei de um povo apaixonado, que gritava em coro o seu nome. Rei de um tempo distante, perdido no passado, encontrado nas memórias de quem viu jogar, nos arquivos do you tube. José Reinaldo de Lima está de aniversário neste 11 de janeiro (59 anos). Estupendo jogador que disputava o 'trono' com Falcão e Zico. Um guardanapo era um latifúndio para ele. Hábil e cerebral. "Ei, ei ,ei! Reinaldo é nosso Rei!". Os gritos da torcida do Galo ainda ecoam quando o Mineirão fica em silêncio.

O punho cerrado da revolta. O braço erguido da contestação. A doce corrida pelo gol. Reinaldo era um inconformista. Rebelde de gestos e lances. Um atrevido! Tinha prazer em incomodar. O garoto sem meniscos, sem medo, com talento. Abusado, desafiou a ditadura militar, pediu eleições diretas, livres e anistia. Tinha um jeito anárquico de ser. Leitor de Proudhon e Freud criticou o conservadorismo comportamental da vida brasileira, da família, da imprensa. Um libertário! Reinaldo era doce e melancólico. Tinha cara de anjo. No futebol, terminou como um anjo caído

Aos 13 anos foi tirado de um treino após uma sequência de dribles em zagueiro titular do Atlético. Medo da violência. Violência que o abateu aos 15 (operou um joelho), aos 16 (cirurgia em outro joelho), sempre bateram nele. Reinaldo não resistiu aos pontapés, as dores insuportáveis nos joelhos. Jogou em alto nível até os 27 anos. Depois, perambulou mais sete anos por aí. Era só uma lembrança do Rei.

Tornou-se político nos anos 80. Um parlamentar comum, sem expressão. Tentou ser técnico. Não conseguiu. Sumiu. Parecia um exílio. Até ser preso, acusado de tráfico.  Foi driblado pela vida. Não sei onde anda Reinaldo. O que faz? Quem é hoje? No dia que escolhem o melhor do mundo, eu lembro dele. Estou triste. Era um jogador para o planeta, para sempre, eterno. Não foi! Guardo na memória o mais fantástico centroavante que vi jogar.