quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Gim

 

Mauro Pandolfi

                                                           Para Elaine

Final de tarde. Volto da padaria carregado de pães, cuca (uma delícia!) e sonhos (fantásticos, como os nossos sonhos!).  Passo na frente do boteco do Ilgo e quem vejo. Bem largado, sorriso aberto e um copo de gim na mão. Meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. Entrei e fui dar um abraço. "Meu querido Mauro num boteco? O mundo tem salvação!", diz ele, gargalhando, levantado da cadeira e dando um beijo no meu rosto. 'Boteco é do passado. Estou voltando da padaria. Mas, já que estou aqui, vou beber contigo. Não gim. Uma cerveja". Espero a provocação: 'cerveja é para os fracos'. Disse e acrescentou: "o gim abre as fronteiras da percepção. Clareia a lucidez e deixa navegar um pouco na loucura. Gim é a bebida dos loucos, dos sonhadores, dos visionários. Bebida santa, mais que o vinho. Os primeiros fabricantes foram monges dominicanos. Saboroso", explica. Dá um gole e completa. "As bagas de zimbro tem o sabor, o aroma, a fortaleza das florestas do hemisfério norte. Eu amo gim! Ei, Alemão traz outro! "
Rai é um homem sereno. Ele beira a felicidade. Encontrei mais risonho do que sempre. "Que felicidade é esta?", indaguei. "Vivo do futuro, em aconselhar as pessoas a tomarem decisões. Explico o que pode vir, acontecer. Sei que alguns me chamam de charlatão, aproveitador, mentiroso. É um dom de Deus. Uso para ajudar as pessoas. Só isto! Sou um detetive da alma, um conhecedor do coração, um sensitivo. A sensibilidade me faz ver. E, para minha surpresa, incomoda demais os duros, os 'retos', os éticos, os doutos", comentou. Eu sei quem você é! disse. E, onde entra esta tua felicidade? perguntei. Virou o copo de gim, respirou fundo e abriu o coração.
"Voltei ao passado. Revi os meus 17 anos. Tempo de uma paixão avassaladora que atravessa a minha vida. Tive vários 'casamentos', eu chamo assim. Afinal, viveu junto, é casamento. Alguns duraram dias. Teve um que durou quatro anos. Mas, a paixão sempre aparecia nos meus sonhos. Bastavam encontrar alguém, me visitava ao dormir. Isto me desequilibrava, angustiava, deprimia. O tempo me ensinou a controlar. E, a vida amorosa foi seguindo feliz, complicada, alegre, triste, como de todos. Nunca tivesse uma paixão, Mauro?", perguntou.
A cerveja desceu bem. Vai bem com sonho, que já estava na mesa, o que gerou uma reclamação do Alemão ('trazer comida de casa, é sacanagem!'). Poxa, tenho até hoje. O Grêmio é a minha grande paixão...Fui cortado por Rai. "Sem bobagem! Grêmio não é paixão. É obsessão. Inexplicável obsessão, vício, doença! Eu falo de alguém, de uma mulher. Teve?", indagou. Várias, disse. Momentâneas, duradouras, de um olhar, de um beijo roubado. Algumas..."Não, Mauro! Isto é desejo, encantamento, tesão. Eu falo daquelas que marcam a alma, a existência, que ardem o coração e povoam, eternamente, a imaginação. Eu tenho uma dessas. E, ela me apareceu outra vez. Há 40 anos que não a via, sentia o seu perfume, escutava os seus passos, a doce voz", contou. Fiquei em silêncio. Pensei na Elaine, no que foi, do que é na minha vida. Do prazer em estar ao seu lado, do amor, admiração e do respeito por ela, e, pela lógica do Rai, da paixão .Fiquei esperando o resto da história. Passou um tempo, um gole de gim e veio.
"Abriu a porta da minha casa. Os passos não eram estranho. O perfume, a alma reconheceu. A mão me cumprimentando lembrou a textura macia da pele que acariciava o meu rosto. A voz embalou a conversa. Gelei, Mauro! O coração disparou e tremi a voz. Era a bela Raquel. Não me reconheceu. Começamos a conversar. Falou do passado, da perda do marido, da solidão, dos filhos, dos netos, da vida, da esperança. Foi uma conversa difícil. Misturei os tempos. Falava e tinha as imagens dela do passado. Duas horas de retorno, de emoção. Ela não me reconheceu. Pagou a consulta e foi embora. Fiquei tonto. Parecia um guri reencontrando a amada. Fiquei sem ação, sem saber o que fazer. Levei um tempo para entender o que passou", revelou. E, em seguida, disse: "Sabe o que sobrou daquela paixão, meu amigo Mauro? Uma foto. Guardo com cuidado. Com saudade, acaricio, passo os dedos, tentando achar algo táctil para ver melhor. Guardo com encanto". E, agora, meu caro. Vai procurá-la? perguntei.
Ele falou: "Ela ligou no dia seguinte. Estava com dúvida. Suspeitou que me conhecia. Riu, chorou, se emocionou. Eu, também.  Contou com detalhes a sua vida. Disse que ficou desesperado quando o pai decidiu ir embora. Não conseguiu me avisar. Ela não sabia onde eu morava. Era eu quem a encontrava. Falou que era apaixonada. Mas, sublimou a paixão. Conheceu  Antônio e construiu um amor. Tão bem construído, que se tornou paixão. Ela inventou uma paixão!" 
Interrompi abruptamente. Paixão não se inventa, Rai!. Ela surge.O amor é inventado, curtido, transformado. Paixão é o encontro da alma com a imaginação. Arrebenta, arrebata, machuca, devora, te torna um homem forte, te completa, é instinto. Amor é outra coisa....
Desta vez, Rai quem interrompe. "Amor e paixão não são tão distintos assim. Há mais cumplicidade do que você pensa. O amor é o afeto dividido, vivido. É o prazer em compartilhar pequenos atos, fatos, o cotidiano. É adorar o jeito de olhar, de como sorri, do jeito que faz o café. É  transformar o dia a dia em uma eterna aventura romântica. Não pede arrebatamento. Requer paciência. Amor é par. Paixão é ímpar. Não há necessidade do outro. Pode ser só imaginária. É intensamente real. Vivida a dois é o encontro de alma com alma. Do que somos, do que imaginamos ser, do que sonhamos. Paixão nunca acaba. Ela marca a vida. O que aconteceu comigo? Despertou? Ou tinha acabado? Nunca pensei em reencontra-la. Nem lembrava, não havia mais nada. Ao vê-la, tudo voltou! A paixão não termina nunca. Ela fica escondida, esperando um descuido da alma, uma fissura no coração. Explode do nada. A paixão é cretina, perversa, mágica, vital. Estou vivo, Mauro! Não vai dar em nada, eu sei!  Porém, me fez reviver algo adormecido, sublimado, distraído. Amor é o vinho. Tem a suavidade, o aroma, é cultivado. O amor é para quem ama a vitória. Paixão é o gim. Intenso, forte, agressivo. É para os fortes. Para quem gosta de emoções. Adoro este sofrimento; Paixão é para quem saboreia as derrotas", filosofa.
Rai me encanta pela habilidade com as palavras. É sábio. Então aproveito delas. Pela tua lógica, o Grêmio não é obsessão, vício e doença. É paixão. Pura paixão! As derrotas, perdemos quase sempre, me deixam mais encantado, fascinado, interessado.Tem jogo do tricolor, estou com o rádio ou a tevê ligada. Sofro. Mas, vivo. O Grêmio me faz viver... Rai corta frase com a gargalhada. 'Ganhaste! Concordo, é paixão! Uma paixão que compartilhamos. Meu querido Mauro, hora de ir embora. Estou feliz por ter falado contigo, contado a história. Vou para casa namorar o telefone, esperar a ligação, ou curtir no meu canto a minha paixão.  Ouvir os meus blues  noite inteira. Até mais. Beijos na família. Até logo, Alemão". Recolhe a bengala e parte sorridente.
Também vou para casa. Caminhando e pensando em Rua Ramalhete do Tavito ."...Muito prazer, vamos dançar. Que eu vou falar no seu ouvido. Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido. Vamos deixar, tudo rodar, e o som dos Beatles na vitrola..."

PS: Aos que passam os olhos, aos que curtem, aos que compartilham, aos que comentam, aos que leem (todos os seis leitores!) um FELIZ NATAL E UM 2016 SUAVE.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Bons amigos futebol clube

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O coronel, o fugitivo e o manifesto

 

Mauro Pandolfi

Um dia de fúria! Era assim que eu imaginava 16 de dezembro. .A ocupação da CBF. Jogadores, Imprensa, torcedores tomando a praça. Clubes chegando  ao poder. A entidade caindo feito uma Bastilha. A revolução! Mas....Não sei se sou um idiota ou um sonhador? Nada aconteceu. Os dirigentes de clubes permanecem de quatro diante da CBF. Dos 40 clubes das séries A e B, apenas Avaí, Figueirense Chapecoense votaram contra a eleição do coronel Nunes. Convicção ou lealdade ao outro coronel, Delfim Peixoto? Doze clubes fugiram, ausentaram-se, escaparam da 'revolução'.  O que esperar de Eurico Miranda, Roberto da Nova, Paulo Nobre e outros menos conhecidos? São tão comprometidos com a estrutura canalha, são a própria estrutura, do futebol brasileiro.  A maioria das federações seguiram o 'pai', o chefe, o líder ou o financiador. Só um idiota acreditaria na transformação. E, para seguir o lugar comum, mais um gol da Alemanha!
Nos anos setenta do século passado o futebol era controlado por militares. Brigadeiro, almirante, general, coronel, capitães ocupavam cargos diretivos, funções na comissões técnicas das seleções brasileiras. Na CBD, antigo nome da CBF, até papagaio batia continência. Século 21, um coronel retoma o poder na CBF. E, pelo voto! Uma manobra hábil de Del Nero e Walter Feldman. Nunes é o dono do futebol do Pará. Lá, Remo e Paysandu enchem o Mangueirão nos clássicos. Estão há muito tempo longe da Série A. São clubes endividados e desorganizados. Os demais, inexistentes. São 'profissionais' nos estatutos. Esta é a designação exigida pela FIFA. O campeonato estadual do Pará é uma caravana da miséria, iguais aos outros. Coronel Nunes mantém o poder a base do chicote, do porrete. Este homem comandará o futebol quando Del Nero for preso ou renunciar. Outra vez, gol da Alemanha!
Marco Polo reapareceu. Na CPI da CBF foi muito Del Nero. Esquivo, ligeiro, soturno, cara de pau. Disse que "estava lá para contribuir com alguma coisa. Modestamente, quero contribuir". Garantiu que não viaja com seleção por orientação dos advogados, não por medo de prisão. Aposta que o FBI pode ter provas equivocadas. O senador Romário o chamou de 'corrupto, ladrão e mentiroso'. Del Nero não ficou abalado. Apenas comentou que "eu vou discordar disto tudo". Para ele, na CBF não há corrupção e nem pretende sair da presidência. "Não sou corrupto. Não vou renunciar", confirmou. Marco Polo Del Nero é destes homens que apegam as coisas, ao dinheiro, aos cargos. Por vontade própria, não sai. Precisa ser arrancado, puxado, destituído.
"Por uma nova CBF" é o título do manifesto apoiado por mais de 100 personalidades pedindo a renúncia de Del Nero. Há desde  o grande Tite (que ao assinar abre a mão da seleção brasileira com a escória que comanda o futebol), Bernardinho, Paulo Autuori, Alex, Rai, Fernando Prass, Rogério Ceni, e outros atletas e treinadores. Há artistas, como Chico Buarque, Dan Stulbach, Wagner Moura, Walter Salles. Alguns jornalistas, entre eles Antero Greco, Mauro Cezar Pereira,PVC e Tostão, são signatários do documento. Pelé e Zico assinaram. Estes dois, como ministros do Esportes, tiveram oportunidade de modificar as estruturas do futebol. Com a exceção da lei que acabou com o passe, nada fizeram. E, um punhado de oportunistas de sempre. Não gosto de manifestos. Uma vez, quando adolescente, os pais fizeram um para tirar uma professora que gostava. Sempre tenho dúvida na hora de assinar. Olho com atenção quem deixou a rubrica. Analiso o seu comportamento e a conduta. Discordo de uma 'nova CBF'. Sou a favor da extinção dela, das federações e criação de uma liga. A Seleção Brasileira que fique ao cuidado do Ministério dos Esportes ou de um conselho, como antigo CND. Risco de corrupção, cabide de emprego, nepotismo, aparelhamento? Sei disto! O manifesto é uma bola na trave da Alemanha. Pena que não altera o placar.

Quatro segundos


Mauro Pandolfi

O futebol é a melhor explicação para eternidade. Um segundo, um minuto, 90 minutos tem a duração da paixão, da emoção, do inacreditável, do impossível. Gols, lances, títulos permanecem para sempre. Na memória, na história, na saudade de um torcedor. O imponderável, o inesquecível, o mágico transformam-se em mitologia. São contadas de todas as maneiras possíveis. Como farsa, épica, fantasia. Meninos, eu vi! O gol mais rápido da história. Quatro segundos! Narro sempre, como uma lenda, para os filhos, sobrinhos, amigos. Poucos viram. Não há vídeo do gol. É quase clandestino. O autor é outro lendário. Albeneir Marques Pereira é um ídolo do Figueirense, um artilheiro do futebol, um herói da vida.
Era uma vez.... Um domingo perdido em 1986. Laguna, o lugar da história. Um campo pequeno cercado imitava um estádio de futebol. As arquibancadas, as mesmas do carnaval, estavam lotadas. Ao redor do gramado, na geral, a pequena multidão se apertava. Dia para ver o Figueirense de Albeneir. O time grande perdido na segunda divisão catarinense. Equipes em campo. Ritual é mantido. Aquecimento, entrevistas, sorteio de lado. Jogadores estão nas suas marcas, como num teatro. Todos atentos e distraídos. O goleiro do Laguna aquece na entrada da área. Zagueiros conversam. Narradores exercitam a garganta. Tudo uma festa.
Ninguém ligado ao jogo. Ninguém?.Apita o árbitro. Joãozinho dá um leve toque. Albeneir ajeita o corpo, chuta. A bola viaja alta, desce e aninha-se na rede. Nem Pelé fez um gol assim. O tempo que você levou para ler este texto até aqui, foi o tempo do gol. Quatro segundos! Meu relógio marcou cinco . A diferença está entre o gol e o olhar. O desespero do goleiro correndo atrás da bola é a melhor cena de Albeneir no futebol. Joel Passos, supervisor do Figueira, gritava eufórico: "Entendam porque é ídolo. Só craque faz isto!". Ele fez outros gols espetaculares. Como este, nunca mais!

Entrevistei Albeneir algumas vezes. Boas matérias. Falamos de tudo. Política, comportamento, rebeldia juvenil, futebol, vida. Ele era um jogador para hoje. Alto, hábil, veloz, boa técnica. A bola ia longa, pelo lado do campo, no vazio. Partia em disparada. O zagueiro saia na frente. Chegava alguns metros depois. Goleador em vários clubes. O maior deles, o Grêmio. Ídolo no Figueirense. ainda é adorado pela torcida. Albeneir foi menos do que poderia ter sido.
Larguei o jornalismo, o futebol passou a ser uma paixão via tubo. Albeneir e o gol de Laguna eram só uma história que gostava de contar. Um dia, Joel Passos comentou sobre ele e a dura luta contra o vício. "Ele está enfrentando um zagueiro pior do que encarou nos campos", disse. Na disputa contra o rebaixamento do Figueirense, este ano, escutei uma entrevista sua. Afável e esperançoso. Mais uma vez, Joel Passos me dá notícia sobre o goleador. "Está bem. Muito bem!", afirmou. No facebook encontrei uma amiga de adolescência e vi uma foto de Albeneir. Estava sereno, um pouco grisalho, discreto. Parece que marcou outro gol como aquele de Laguna. O golaço da vida.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O vazio do campo

Chiko Kuneski

Alquebrado, joelhos inchados, tornozelos sempre doloridos, dedos que mal fechavam nas palmas das mãos e que e dificultavam o laço das chuteiras, calçadas a um custo que somente a paixão explica, seguia o ritual. Cedo, entrava em campo.

Passos lentos. Já não tinha mais a velocidade dos jogos. Tentava deixa-los firmes, mas os infiltrados joelhos não obedeciam. Quase que perambulava sob o céu, às vezes de sol escaldante, às vezes da chibata da chuva. O inimigo não era o clima.

O maior castigo era o silêncio. As arquibancadas vazias. As traves sem véus. As linhas apagadas. Como sua história. Ninguém lembrava dele. Os garotos da escolinha olhavam apenas, sem imaginar sua gloria. Tinham os sonhos da fama, do deslumbre.


Mesmo assim tentava parecer viçoso. Ainda acreditava na descoberta de alguma chuteira com asas, do talento do drible, da fantasia do prazer de jogar. Precisava crer. Apenas as lembranças e essa crença o mantinham alí. Até que virasse um shopping center.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Linda madrugada foi aquela

Mauro Pandolfi

Eu tentei. Li a respeito. Vi dois filmes sobre o tema. Apelei para as orações. Implorei! Como está na moda escrever cartas, pensei em uma para o Papai Noel. Não existe, me dizem! Poxa! Neste momento Papai Noel era a única figura pública que acreditava. Não consegui voltar no tempo. O tempo tem o seu tempo. Se passou ficou lá. Ou, na memória. Se está por vir, espere. Só há o agora. Que pena! Queria tanto viver aquela madrugada outra vez. Suspirei por aquele 11 de dezembro. Sentir a angústia, o desespero, a esperança, o sonho, a vitória daquele jogo.   Grêmio x Hamburgo é meu jogo favorito. Rever a alegria no momento real. Mas, não deu. Sobrou a gravação do jogo. Não há mesma emoção. 32 anos se passaram. A vida mudou. Eu mudei. Acho que, também, gostaria de encontrar o Mauro de 1983. Ver Renato, De Leon, China, Tarciso, os amigos do jornalismo, a turma lá de casa, meu pai - um gremista silencioso e provocador. Saudades!
É uma vitória bonita. Épica, como são os nossos jogos. Vi o jogo, hoje de manhã, sem a aflição do torcedor. Nem uma lágrima escapou. O coração bateu tranquilo. O videotape tem esta magia de esconder a emoção.  Revela só o ocorrido. Retira o drama e a angústia. É o jogo pelo jogo. É a primeira vez que assisto com rigor analítico. Prestei atenção na estruturação tática. A habilidade de Valdir Espinosa em anular a movimentação organizada do Hamburgo me surpreendeu. Apostou na rapidez, nas bolas viradas de um lado a outro. E, tinha Renato. Quem tem Renato, não precisava de um time. Ele era o time.
Renato Portaluppi é o meu mito favorito. O grande ídolo ao lado de André. Tenho um filho que se chama André Renato. Nomes de dois grandes jogadores. Atacantes de história. Ele, o meu filho, detesta futebol. E, desconfio, também, o nome. Ou, no mínimo, a origem. Tinha 22 anos quando vi Renato pela primeira vez. Não acreditei que aquele ponteiro com tamanho de beque fosse um driblador infernal.  Eram os dribles que me encantavam. Renato tinha - usando a bela e precisa imagem de Chiko Kuneski - asas nas chuteiras. Nas brincadeira de bola, experimentava os dribles. Era a minha fantasia. Fiquei com saudades, outra vez! Ninguém sabe como voltar no tempo?
Este texto é uma homenagem aos gremistas. Nós descobrimos naquele 11  de dezembro que nada pode ser maior. Reafirmamos num novembro de 2005 quando sete homens marcaram um destino. É , também, uma referência aos meus irmãos Márcio e Mário. Parceiros nas tristezas e alegrias. Mas, é especial para o Mário. Ele tem uma opinião definitiva sobre Renato: "É melhor que Cristiano Ronaldo. Forte, habilidoso, completo. Craque! Era um jogador solidário. Não era egoísta. O time era ele. Mas, ele jogava para o time. Muito melhor que Cristiano Ronaldo!". Vocês já viram Cristiano Ronaldo com a camisa do Grêmio? Então, não há o que discutir.

O goleiro do gol

Mauro Pandolfi

O medo do goleiro diante do pênalti.  São onze metros para um 'fuzilamento'. Ele está sozinho. A rede não o protege. A rede espera ansiosa a bola. É um lance de olhares. De um predador. De uma vítima. Preparam-se. O goleiro mede o espaço da trave. Coloca-se no meio. Curva-se levemente. É uma preparação para o voo. O matador acaricia a bola. Caminha alguns passos. Prepara-se. Corre, bate e...! Uma cena banal do futebol. Quase todos os jogos acontecem. Mas, poucos vivem este momento nos dois lados. Rogério Ceni é um deles. Ele marcou mais gols do que defendeu  pênaltis. Não sei se é o melhor goleiro da história do futebol. É o mais fantástico.  Aos 42 anos está dizendo adeus a bola. Que pena!
O maldito. O anti-herói de um lugar que não nasce grama. O goleiro é a negação do futebol. Sempre foi tratado assim. Só é reverenciado nos milagres. É destruído no fracasso. Falhou uma vez e o time perde.  Acabou! Não há uma segunda chance. O centroavante desperdiça o gol. Chuta nas nuvens. Perde uma, duas, três. Aí, aproveita uma falha do goleiro, marca o gol da vitória. É herói. Rogério Ceni modificou a história do gol. Descobriu que o goleiro faz parte do jogo. Que o campo não é apenas a área. E, a trave não é o espaço solitário de um homem.  Inventou, criou, ousou. Virou artilheiro. Primeiro, os pênaltis. Conhece os segredos, os medos, as manias dos goleiros.  Foram poucos pênaltis perdidos. Depois, as faltas. Bolas rápidas, vigorosas, que subiam e  aninhavam na rede. Gols espetaculares. E, pensar que teve treinador que impediu Rogério de cobrar faltas. Um mágico!
Rogério Ceni é articulado e articulador. Líder e dono do vestiário. Enquadrou jogadores, técnicos e cartolas.  A sua personalidade foge do padrão brasileiro. O talento legitima as ações. Os títulos fortalecem o comando. Ele assustou os donos do jogo da Seleção. Nunca foi titular.  Só 17 partidas e pouco mais de quinze minutos numa Copa do Mundo. Mas, tornou-se um mito no São Paulo. Está no panteão dos grandes, ao lado de Yashin, Banks, Mazurkiewski, Buffon.... E, para  um gremista, Danrlei!
Rogério Ceni não é um goleiro que sabe jogar na linha. É um armador que preferiu o gol. Uma saída de bola precisa. Passes milimétricos. "O mais habilidoso dos goleiros", escreveu Tostão na Folha de São Paulo.  Um quase líbero. Esbarrou na mediocridade e covardia dos treinadores brasileiro que não aproveitaram a sua técnica. Deixaram restritos as bolas paradas. Rogério Ceni foi preterido por bons goleiros na Seleção. Normais, comuns, que não acertavam um passe de cinco metros. Rogério Ceni é um artilheiro fabuloso. Marcou mais gols, 131, do que a maioria dos atacantes que jogam no Brasil.  Eu sou fã de Rogério Ceni. O mais moderno jogador  dos últimos tempos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Desterro



Mauro Pandolfi

A bola escapa para a linha de fundo. O tempo vira ilusão. Os olhares são de desespero. Atônitos e perplexos. As mãos juntas, entrelaçadas, oram por um milagre, um descuido, um acidente. A bola volta ao campo. O árbitro junta as mãos, ergue-as e assopra o apito. Fim da agonia. O choro libera o desespero e a angústia. Não há o que fazer. Gritar, espernear, xingar. É só catarse. Nada mais! O rebaixamento é um túnel sem sinal de luz. Há só sombras, que se movem na escuridão. São fantasmas? Zumbis? O futebol não é walking dead. É um jogo de vida. A 'morte' no futebol é só o recomeço da vida.
Há um bom tempo, num encontro do pessoal que cursou História, meu querido amigo Daniel, que partiu antes do combinado, questionou-me sobre o rebaixamento. "O que sentiste quando o Grêmio caiu?", perguntou. 'Nada', respondi. Daniel tomou um gole de conhaque e explicou: "Eu estou nervoso, triste, quase deprimido com aqueda do Vasco. Nada do que faço dá certo. Estou sem paciência". Tentei conformá-lo, dizendo que a segunda divisão é maravilhosa. "Seu Vasco vai vencer mais do que perder. Será campeão!' E, foi!
Fui embora caminhando, pensando no temor do Daniel. Então, percebi. Futebol é um pouco mais que nada. É só a vida. Lembrei-me do Grêmio na segunda. Como foi dolorido aquele ano. Triste e pesado. Fiquei insatisfeito, reclamão, brigava por qualquer coisa, qualquer motivo. Foi instintiva tristeza. Não tinha percebido a magia e a 'desgraça' do futebol. Nunca entendi o que aconteceu. A Batalha dos Aflitos me libertou. A vida volto u. E, fiquei com medo do futebol. Adoro a poesia do jogo. Mas, estou atento ao lado nefasto, perigoso. Afinal, Batalha dos Aflitos é só uma.
Não vi os vizinhos do andar de baixo. Domingo, após a rodada, o apartamento estava silencioso, escuro, triste como a queda do Vasco. A  segunda divisão é só um recomeço. Dolorido. Mas, é inevitável.  Títulos, rebaixamentos, vitórias, derrotas passam, são passageiros. A única coisa eterna no futebol é a emoção, a vida. Afinal é um teatro de grama e paixão.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Uma história desconhecida

Chiko Kuneski

Na chamada para o Esporte Espetacular, da Rede Globo, desse domingo para marcar os 15 anos da conquista do topo do tênis internacional como o primeiro do mundo, Guga diz que sempre terá uma história desconhecida ou uma “joia” da carreira para ser lembrada. Prefiro as inéditas.

Guga era o segundo melhor tenista do mundo. Já tinha escrito seu nome em Rolland Garros, na história do tênis internacional e, principalmente, brasileiro. Era um ídolo para quem praticava ou admirava o jogo de raquete. Eu estava desbravando. Começando a trazer o tênis sobre cadeiras de rodas, junto com a Associação Florianopolitana de Deficientes (Aflodef), para Florianópolis. Mesmo sem idade de iniciante.


Talvez tenha sido uns dos primeiro catarinenses a pegar numa raquete e jogar tênis em cadeira de rodas, não posso garantir, e, confesso, motivado pela beleza do jogo de Guga. Mesmo sendo deficiente físico sempre gostei de esportes. Futebol, primeira paixão, inevitável para qualquer menino, vôlei, pelo talento das nossas seleções da década de 80 e 90. O tênis entrou no rol pela “geniosidade” de McEnroe. Quem se indignava tanto com seu próprio erro merecia ser assistido. Era um obstinado. Um vencedor. Um gênio genioso.

Em Guga vi outro gênio. Mas com a mesma obstinação. O “manezinho” já era o segundo entre os 10 melhores da ATP, mas continuava com seu espírito manezinho. Ídolo brasileiro, que quebrou paradigmas esportivos, cultuado, tinha tempo para incentivar o tênis, até das práticas desconhecidas como sobre cadeira de rodas, e usar seu poder midiático em prol da causa da igualdade social dos deficientes.

E foi assim, numa Feira da Esperança da APAE de Florianópolis, numa quadra improvisada do CentroSul, no Aterro da Baía Sul, que encontrei Guga “face to face”, separados por uma rede. O segundo melhor tenista do mundo à época trocou bolas com um cadeirante iniciante. Igualou-se. Sentiu a diferença dos movimentos. Das rodas substituindo os pés.

No Final da exibição peguei a bola trocada e pedi seu autógrafo com um sorriso maroto:
- Pode assinar Guga? Quando fores o melhor do mundo esse autógrafo vai valer muito.
Ele sorriu, menino, e devolveu de bate pronto:
- Então agora não vale nada