segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Um brinde ao tempo

 

"A minha memória move-se em círculos, espirais e saltos de trapezista"
A paixão pelo Grêmio me faz parecido com o pensar de Isabel Allende. Ser gremista me ensinou, de forma saudável, cair, levantar, sonhar, voar, chorar, sentir emoções, entender a vida, saber navegar na transversal do tempo..

Mauro Antônio Pandolfi



Uma postagem no feicebuque propõem uma reflexão sobre a vida. 'Qual o melhor período que você viveu?' era a pergunta inicial. Aos 61 anos, imerso numa espiral, achei que trombaria com os 'fantasmas' bem guardados em 'minhas gavetas', com os sonhos perdidos, os desejos sempre adiados e com o que me dá orgulho e prazer de reviver em lembranças, nas conversas, na saudade. Não fugi de tudo. Reduzi ao Grêmio. Qual o Grêmio me cativou mais, que me encantou, que me fez sofrer e, por incrível, ser mais apaixonado, que deixou os domingos, ou as quartas, mais feliz? Isolado no quarto, escutando Vangelis (a trilha de Blade Runner, para ser mais exato), no escuro, refaço a espiral do meu amor profundo pelas três cores de uma imensa diversidade. Aqui vou eu, Grêmio!!
A primeira imagem que surge é a do Maurinho desviando das pessoas, indo em direção ao alambrado, para ver o treino, para ver Alcindo. Sete anos e uma paixão pelo futebol, pelo Internacional de Lages, o que se tornou um paradoxo, que foi sumindo com o tempo. Ele está agarrado a tela e vê o que vai mudar a sua vida. Os craques do Grêmio treinam passes, toques, chutes a gol.Apenas um não está de branco. Usa uma camiseta linda, juntando três cores que serão mágicas para toda a vida, com o número 13 às costas. A bola veio alta, ele domina no peito, gira o corpo, solta o chute potente, a bola explode no travessão (o som que ainda ouve nos lapsos de memória). Extasiado, Maurinho pergunta ao homem ao seu lado: quem chutou? Alcindo! Foi a resposta. Assim nasceu a paixão. O melhor momento do Grêmio? Pode ser!
Juntava os trocos que a mãe me dava para comprar a Placar. Perto do colégio tinha uma banca que sempre tinha a edição da semana anterior. Raramente conseguia comprar a edição atual. Abria ansioso a revista em busca do poster. Esperava encontrar a foto do Grêmio. Nas paredes do quarto, lado a lado, os times que me encantavam: Botafogo do Marinho, o Cruzeiro de Dirceu Lopes, o São Paulo de Pedro Rocha, o Santa Cruz do Luciano, o Remo do Aranha. Nunca teve um do Grêmio naquelas paredes. Era o tempo do 'Império Vermelho'. Aquelas derrotas fortaleceram a paixão. E uma vitória como aquela do Grenal do Zequinha, em 1975? A vibração do tio Luiz, alegria dele, a vibração, é um momento inesquecível! A noite foi pequena em Erechim. O primeiro poster que vi do Grêmio foi em 1976. Lages já era saudades. E, doía muito!
André foi meu salvador. O herói que eternizei em minha vida. Demorou, mas aprendi a vencer, comemorar um título. Este de 77, com o vôo dá liberdade de André, tive câimbras. Era a tensão, o medo da derrota, a esperança de um novo tempo. Que veio tão tranquilo com Baltazar, em 1981, e chega em Renato, também imortalizado na minha vida, numa madrugada no Brasil, tarde no Japão, na espiral do tempo. Aí, é o melhor momento do Grêmio na minha vida? Quem sabe!
A vida não para. Segue o seu rumo, oferece caminhos, atalhos, encruzilhadas. Percorri todos. Os erros de escolhas são também os acertos que determinam o que somos. O Grêmio é um bom retrato do que vivi. Tempos fartos, gloriosos, divididos com a aridez, os desencantos. A glória e a derrota parceiras na existência. Em belas chegadas e em partidas tristes. Da Libertadores de Carlos Miguel, Jardel e Paulo Nunes ao rebaixamento com Tavarelli e Cocito. Sofri, chorei, vivi emoções, num sábado de novembro de 2005. Vibrei como nunca tinha vibrado. A epopéia dos Aflitos é a maior vitória que vi no campo da bola. Mas, não o melhor Grêmio de minha vida. Ou, é?
O texto está longo. Chego ao encantamento definitivo. Foi o meu exílio voluntário. Não saia de casa em dia de Grêmio. Trancava-me no quarto, rádio ligado, os dedos no celular buscavam informações. o dia era de Grêmio! A vida pulsava, o coração batia feitoum bongô, os gritos da Geral. Me preparava para o recital. O Grêmio de Roger e Renato foi a melhor poesia desde Alcindo naquela tarde de Lages. Intenso. Mágico. Extraordinário. Para sempre. No entanto, como a espiral da vida e do tempo, a eternidade dura um átimo. Ela sobrevive na memória. O melhor momento do Grêmio na minha vida? O mais fascinante, sim. O melhor? Não sei!
Derrotas, vitórias, conquistas, quedas, ícones, lendas, histórias, vivências, reflexões, surpresas, enganos, certezas abaladas, dores, alegrias, amor, ódio, desejo. A espiral do tempo nos envolve num vai e volta que une tudo e separa ao mesmo tempo. O que somos, o que fomos é o resultado disto tudo. O melhor Grêmio de minha é a história que vivi, que acompanhei, que mexeu com as minhas emoções, que me fez chorar ou sorrir. O melhor Grêmio é o que a transversal tempo criou, revelou, mostrou.
Um brinde ao tempo!

PS: este texto foi escrito antes da vitória contra a soberba do Flamengo. O Grêmio estragou o 'passeio', inviabilizou a 'terceira dose' e resgatou a fúria que eu controlava numa espécie de zen budismo. Senti-me vivo, pulsante, intenso. Foi só uma vitória. Mágica no momento. Comum para a memória.