terça-feira, 26 de março de 2019

A estátua!



"Um erro em bronze é um erro eterno".
Mário Quintana é tão imenso nos versos quanto Renato é no drible. Meus ídolos, minhas referências, dois provocadores de minhas paixões (a poesia e o Grêmio), que estão eternizados na minha alma, no meu coração, na minha história.

Mauro Pandolfi

Renato está imortalizado em minha vida. Inesquecível! Está tatuado no coração e na mente. É uma das paixões com quem divido a vida.  É o nome de meu filho mais velho. O nome do meio. Antes de Renato vem André. Afinal, foi com André que a liberdade tricolor surgiu. Ele foi o libertador do 'jugo' colorado. Aquele voo foi mágico, inacreditável, doído, o início de um tempo mais doce, livre, alegre, poético. Renato Portaluppi consolidou este tempo. Artífice de conquistas que eu, menino em Lages, jamais sonhei. Eu queria apenas ser campeão gaúcho. Renato foi além. Mostrou que Yuri Gagarin tinha um pouco de razão. A Terra não era só azul. Havia faixas, listras, estreitas, que moldavam, davam um contorno mais belo ao planeta. O branco e o preto numa harmonia poucas vezes vistas. Dizem que há múltiplos universos, onde tudo o que vivemos repete-se, não como farsa, como eternidade. Então, gostaria de viver, mais vezes, aquele dezembro de 1983.
Vi Renato num amistoso contra o Figueirense em junho de 83. Era impressionante! Tamanho de beque. Abusado como um velho ponta. Driblador! Tinha a mesma rebeldia, o mesmo prazer em driblar. Havia algo de Garrincha em Renato. No entanto, lembrava mais Julinho Botelho pelo tamanho e fúria. Li sobre Julinho num livro de Nélson Rodrigues (A sombra das chuteiras imortais) onde conta a sua atuação num amistoso da seleção brasileira no Maracanã. Ao ter o nome anunciado, foi vaiado. Afinal, estava no lugar de Garrincha. Mas, a bola rolou. Em pouco tempo a vaia virou aplauso. Vi cenas de Julinho. Há muito de Renato nele. Também, tentei ter algo de Renato quando jogava bola. Só tentei! Valeu a pena brincar de Renato naquelas práticas desportivas. Às vezes, dava certo e voltava feliz para casa.
Renato é o Grêmio. Não há como separá-lo. Agora, está fixado. Não mais na memória, na lembrança, nas conquistas, nos aplausos. Está eternizado em bronze. A estátua retrata o maior momento do Grêmio como clube de futebol. O mundo, por instantes, tinha as nossas cores. Renato corria de braços abertos, como se desejasse abraçar todos os gremistas. Agora, na estátua na Arena, nós, os gremistas, poderemos abraçá-lo e até tirar uma selfie. Grato, Renato!
Primeiro de outubro de 1997. Logo depois do almoço. O laboratório entregou o envelope lacrado. Abrimos e logo a felicidade apareceu. Elaine estava grávida. Depois do rodopio das cenas de novelas, começamos a pensar no nome. Tinha que ter André e Renato, disse. Duplo?, indagou ela. Olha, respondi, talvez complete o ataque com Éder, que tal? Nem desconfiava que a Elaine não gostava de um trio de atacantes. Ficou André Renato! Que raramente liga para o futebol. Gosta de copa do mundo. Mas, já vi seus olhos brilhando quando falo dos belos jogos do Grêmio de Renato. Provável, por me ver feliz. Quando ando distraído pela rua, às vezes, me pego pensando sobre os nomes de meus filhos e acho que deveria ter insistindo em Carlos Miguel no lugar de Pedro e que faltou Éder junto com André Renato. Já pensou se um neto se chamar Kanneman Geromel? Não, prefiro um atacante. Que tal Éverton Luan? Parece que vamos precisar do bom senso da Elaine.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Boneca Russa

 

"A rotina é algo incrível. Nos tornamos o que repetimos"
Frase de Nadia, que morre, revive, morre, revive, numa rotina sufocante na ousada Boneca Russa. Isto é um pouco mais exagerado do que ocorre em nossa vida. Morremos, não de uma vez. Mas, devagar, aos poucos, aos pedaços, para ser mais dolorido.

Mauro Pandolfi

A vida e a morte conectadas numa espiral angustiante, de inícios e fins que sempre se repetem. Espaço e tempo definidos eternamente num vai e volta desesperador. 'Boneca Russa' é uma fascinante série da Netflix. A história de Nádia que sai da festa de seu aniversário e morre atropelada. Mas ressurge na festa como se a ação fosse inédita. As mortes se sucedem de várias formas. E ela renasce no mesmo banheiro da casa. Menos poética e romântica do que 'Feitiço do Tempo', Boneca Russa é um delírio de multiversos, de universos paralelos, de que o tempo e o espaço são somente fantasia, assim como a vida e a morte. O final da série é surpreendente. Como diz meu filho André, nada de spoiler. Largado, quase entediado, nada para fazer neste feriado de São José, brinco de Nádia. O que gostaria de reviver no futebol e na vida?
Maurinho é quase uma obsessão. A psicóloga de meu filho sugeriu terapia. Ri e recusei. 'Deixe meus monstrinhos em paz. Estão muito bem enclausurados, ao lado da alma', expliquei. Queria encontrá-lo e entender o fascínio e a paixão pelo Grêmio. Seria encantador rever ou reviver aquela manhã de 1967. A descoberta do Grêmio no Vermelhão de Copacabana. Todos de branco. Alcindo vestia uma camiseta elegante, vistosa, mágica, quase sagrada. Descobri o amor em três cores. Decidi ser negro, branco e azul. O chute de Alcindo, que estourou no travessão, é o ápice do encantamento. O barulho ainda é poesia nos meus ouvidos. Outro instante que faz parte parte da paixão é 1977. O voo da liberdade de André Catimba. Entendi a doce alegria, a magia de ser campeão, de ser vencedor (algo inédito em minha vida de torcedor), de ter o poster tão sonhado que nunca encontrei na Placar. Seria uma imensa felicidade reencontrar aquele domingo.
Doce madrugada foi aquela no dezembro de 1983. Renato Portaluppi desvendou o mundo para os gremistas. A Terra era mais do que azul. Preto e branco completavam aquela loucura. Não escolheria a Batalha dos Aflitos. Chorei, sofri, abracei meus filhos pela emoção ou pelo medo, gritei, vibrei. Dolorido demais! O Grêmio de Roger Machado e depois de Renato gostaria de ver sempre. O melhor que vi. O mais belo. O que jogou melhor. O que ainda joga bem. Este Grêmio que gosta da bola. Ama o jogo. Não preciso ser 'Nádia' para ver e rever este time que alimenta a minha alma. Tenho algumas partidas gravadas. No entanto, todas estão na minha memória. E, às vezes, mesmo por engano, o Grêmio de hoje revive o melhor que vi jogar. Este Grêmio é eterno. Acho que Maurinho se apaixonaria por este time.
Escolher um instante do que vivi é mais complicado. Durante muito tempo sonhei em reencontrar aquela turma do Copacabana. Onde comecei a descobrir a vida, o futebol, a amizade, a festa, o cinema,  os livros e o doce encanto das meninas. Ou, quem sabe, olhar, outra vez, a bela loirinha que morava na casa verde, na esquina de casa lá por 1977. Trocar mais do que olhares. Talvez, dizer algo que nunca foi dito. Como esquecer de 1982. O jornalismo, amigos para o resto da vida, as paixões, as ilusões que se perderam, o sonho de ser alguém e de um país muito diferente. Será que conseguiria avisar ou convencer alguém para evitar a abertura do hospício de 2019?
A vida passa pelos dedos, na tela do notebook, escolho datas, vivências, todas fundamentais. Como não escolher o dia que conheci Elaine? Seu rosto bem desenhado, quase uma sessão áurea de Da Vinci, sua suavidade e delicadeza. Nunca mais paramos com as trocas de olhares. A saudade bateu no coração e as lágrimas molharam o teclado. Lembrei do pai, de suas histórias, de sua generosidade, de sua gargalhada gostosa. Rever todos na mesa de domingo, na alegria da convivência...Seria fantástico! Poxa! A minha vida foi muito boa. Divertida e emocionante. Gostaria de rever André e Pedro pequenos, alegres por me ver chegar em casa. Os brinquedos espalhados e o convite tentador: vamos brincar! E, brincaria, outra vez, mais tempo, com mais intensidade, inventaria outras brincadeiras até eles se cansarem. E o meu prêmio seria ouvir a poesia que mais embalou a alma: eu te amo, pai!
Mas, não sou 'Nádia'. Vivo num único universo - às vezes, desconfio que é um paraleo - e cada dia é diferente. Muitas vezes, pesado; outros, suave.  Acho ótimo ter que descobri e viver o encantamento deste tempo, com as pessoas que completam o meu cotidiano, que fazem da vida uma doce - e louca - aventura. Afinal, se for reescrever este texto em 2032, certamente vou recordar deste agora.  Lembrei de Gonzaguinha: 'Viver e tão a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...A vida é bonita, é bonita, e é bonita'.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Reflexões sobre o nada

 

"Se não houvesse mentira, não haveria sexo".
...nem craques, nem esquadrões perfeitos, nem ídolos, quem sabe, nem futebol. Jerry Seinfeld entende como poucos o significado do nada. Virou craque, mito, ídolo, estrelando uma série sobre o nada. Que dizia tudo, sem concessões.

Mauro Pandolfi

Toda manhã assisto um episódio de Seinfeld. Alguns, vi dezenas de vezes. E, cada vez que assisto, é um olhar diferente. Uma outra reflexão. Um pensar provocatico sobre a vida, o dia a dia, o cotidiano. A série tem fama de ser sobre 'nada'. Mas, longe de ser vazia. Histórias se cruzam em cada episódio. Não tem climax e nem anticlimax. Igual a vida. Pelo menos, a minha vida. Lembrei de Seinfeld ao ficar em frente do computador para escrever um texto para este 'cronicasportubo'. Ideias voaram, escaparam, escafederam-se. Comecei uma, duas, três, e nada! O 'nada' levou-me ao Seinfeld. Tudo o que pensei eram irrelevantes, sem muita muita importância, não mudaria a cotação do dólar, não rasgaria o projeto soturno da 'nova' - velha esperteza de sacanear o trabalhador brasileiro - previdência, nem causaria o impeachment de bollssonaro - o que eu lamento muito! O futebol é a alma deste blog. Então, vamos lá...
O Ajax é um time da minha infância. Cruyff, Resembrink, Neeskens, Rep são poesias para um certo Maurinho. O menino que se encantou com o carrossel. Logo ele, que ficava tonto com este brinquedo. 'Nossa linda juventude, páginas de um livro bom...' me pego, às vezes, do nada, cantado 14 Bis. É um devaneio ou engano sobre a nossa 'mocidade' este, quase, jogral do Clube da Esquina.. Me encantei, outra vez com o Ajax. Foi bonito demais, emocionante demais, a extraordinária goleada sobre o Real Madrid. Um time encantador de 'meninos' - sete com menos de 22 anos -  sobre o maior campeão da Europa, comandado por uma atuação exuberante do sérvio Tadic. Não diria que é uma quase vingança pela derrota do Grêmio em 2017. Afinal, perdemos para os holandeses em 95. Foi o prazer de ver o 'poder jovem' triunfar diante dos cascudos galácticos. E, foi mais prazeroso ver os 'catedráticos' da imprensa tentando explicar a goleada. Uma sucessão de nadas. Exatamente, como este texto.
Sampaoli incomoda o futebol brasileiro. Os técnicos não se sentem confortáveis com a sua presença. E, muito menos, com o jeito abusado, ofensivo, bonito do Santos. Fábio Carille, o bom treinador do Corinthians, é o mais invejoso de todos. Paparicado em 2017, Carille não suporta dividir os holofotes com o argentino. Aceita a  divisão com Felipão e, meio reticente, com Renato Portallupi. Ele critica 'o endeusamento' de Sampaoli. Diz que os jornalistas são desinformados e que nada do que Sampaoli faz é novidade. O que ele não deixa de ter razão. No entanto, o sopro 'novidadeiro' de Sampaoli terá vida curta por aqui. Sempre foi assim. Quem é gremista vai lembrar de Mujica. Mais recente, Osório perturbava os paulistas com as suas manias. Rueda não aguentou a pressão e pulou fora do Flamengo. O futebol brasileiro é uma sucessão de nadas. Exatamente como estes parágrafos.
Me enganei. Como estou feliz com o meu engano. O 'ciclo' do bom futebol gremista não terminou. Renato reinventou o time. Deu espaços para as jóias raras. Jean Pierre desfila a sua elegância de 'príncipe etíope' (desculpe-me, Nélson Rodrigues, em roubar o seu adjetivo para o imenso Didi. Mas, é preciso), seu jeito meio Pogba de flutuar, bailar, inventar espaços. Há Mateus Henrique, uma reedição de Arthur. E, agora, surgiu um volante canhoto, Darlan, de muita qualidade, do controle da bola, no passe, um Fernando Redondo, assim como Victor Bobsin, que espera a sua vez. O que mais gosto em um torcedor é o exagero e a paixão. E, lembro de Seinfeld, outra vez, para terminar: Os seres humanos têm tanto medo de voar quanto os peixes têm de dirigir". O que significa esta frase? Nada, exatamente, como este texto!