terça-feira, 29 de setembro de 2020

Destroços da paixão

 

 

"Ainda que o frio te queime, ainda que o medo te morda, ainda que o sol se ponha e se cale o vento..nâo te rendas".
Ando seguindo o uruguaio Mário Benedetti em relação ao Grêmio. Nunca imaginei que a paixão escaparia pelos dedos, fugiria das entranhas da alma, se tornaria um sentimento banal. Só a vitória no Grenal deu suspiro que tenta sobreviver ao desencanto. 

Mauro Pandolfi

Ando estranho com o futebol. Distante, arredio, ausente. Não há mais o fascínio de outros tempos, nem a nostalgia dos velhos momentos. Até escrever ficou pesado, difícil, como num pesadelo mal acordado. O medo das derrotas, os fantasmas de um passado quase recente, pareciam ter despertado a paixão gremista. Vi os jogos possíveis (sempre tentaram me convencer que o monópolio é drástico, caro, ruim para a liberdade de expressão e de escolha. Até o ano passado assinava o Premiere e vi todos os jogos do Grêmio. Agora, para ver todas partidas preciso, por enquanto, assinar dois canais. Sem grana, o rádio voltou a ser meu parceiro), escutei outros e vibrei com a vitória no Grenal. Uma vibração suave, sem gritos ou abraços, apenas alegria. Era só um engano a paixão redescoberta. Sei que a vida passa, os amores, as paixões precisam dos mesmos olhares, dos silêncios de sempre, das ausências que só reforçam, dos encantamentos que fazem a alma balançar, o coração pulsar, o corpo tremer. Não achei mais isto no futebol, nem no Grêmio. Nem escrever sobre ele provoca o desejo que sempre acompanhou os dedos nas teclas do computador. Não é uma desistência, não imagino um até logo. Quem sabe, uma reclusão para procurar em cada reentrância da alma, a paixão que se perdeu.
Não sei se foi o 'arrodião' (como os gaúchos chamam o vareio, o baile, o chocolate) do Caxias. Ou, foi o pânico de um passado sombrio após a derrota para o Sport, o empate contra o Atlético Goianiense ou novo 'arrodião' da Universid Católica (temi por 'Bayern' chileno) que despertou um sentimento parecido com a paixão.Ou, foi só medo? Desconfio do jogo espetacular desaparecido, sumido, não deixou rastros que inibiu, assustou, escondeu, anulou o arrebatamento amoroso com a bola. Não havia mais a 'arte' do drible, nem a 'poesia' do jogo traçado, planejado, que me fazia suspirar e esperar ansioso a bola correr. Somente após a sessão de cinema, em casa com a família, assistimos 'O Poderoso Chefão', fui ver Atlético Mineiro e Grêmio. A partida passou diante dos olhos, sem emoção, sem vibração, banal como um jogo de um time qualquer. É o fim da paixão, vou recolhendo os destroços ou é a vida sugerindo outros olhares que não tinha percebido antes? O tempo dirá ou será uma nova vitória no Grenal?
Nas minhas contradições, deixo o Grêmio de lado e vibro com o Leeds. Velho encanto do menino de Lages que devorava o 'tabelão' do Placar apaixonado pelo time de camisa branca. Também, nem tão jovem, se enamorou pelo pensar de Marcelo Bielsa. O louco e doce treinador que nunca sacrifica o jogo. Só a vitória. Por momentos pensei que Renato Portaluppi fosse um Bielsa. Mas, não é! Ele sacrifica o jogo. Prefere só a vitória. "Sempre cresciinos momentos de fracassos e piorei nos perídos de êxitos. O sucesso é deformante, relaxa, engana, torna-nos piores, faz com que nos enamoremos de nós mesmos". Está frase de Bielsa revela outra diferença com Renato. Bielsa gosta da reclusão, da solidão como parceira da reflexão, onde reinventa o seu pensar sobre a bola. Renato prefere a festa, ser o centro da festa, não precisa saber mais sobre a bola. Sabe tudo. Renato inventou o melhor Grêmio que vi. Bielsa ainda não criou o time dos meus sonhos.