segunda-feira, 22 de março de 2021

Losers

 
"Quem vai acreditando numa vitória é um idiota"
Ao contrário do torcedor do Turquay United, Jonh Louis, quem acredita na vitória pode ser somente um apaixonado que não percebeu que as ilusôes se perderam na bola, na vida.
 
Mauro Antônio Pandolfi
 
Nunca vi um jogo do Taguá. Nem entrei no estádio. Passei várias vezes por ele. O Plácido Scussel fica perto da velha casa da tia Circe. Cheguei no portão de entrada há alguns anos. Só encarei as suas ruínas. O Taguá faz parte do meu imaginário de futebol. O poético clube de meu pai é um dos times de minha vida. Um dos mais inesquecíveis. 'Sofri' muito com ele. Tantas vezes pareceu ameaçador. Na infância imaginava um esquadrão. O temível time que derrotaria o Grêmio, segundo o pai. Tempos depois, descobri que era um desejo, um delírio, um desvario dele. Uma vitória retumbante do Grêmio, lá vinha o pai: 'se enfrentar o Taguá, perde!" A profecia era acompanhada pela sua gostosa gargalhada. Nas derrotas, parecia mais cruel: 'imagina se pegar o Taguá? Vai perder!' Nem sempre respeitava o 'nosso' sofrimento e ficava em silêncio. A lágrima que caiu no teclado ilumina a saudade.
E, quem disse que os desejos são fantasias? Foi num setembro de 1991. O Grêmio vinha de uma vitória retumbante no Grenal. Renato estava de volta. As vitórias eram promessas. O pai ficou calado todo o dia. Olhavámos, respeitosamente, também, em silêncio para ele. Só um leve riso irônico. A vingança que logo viria. Devastadora! Mas, não é que o lanterna do gaúcho, o que só perdia, ganhou. Dois gols de Duia. O maior herói do Taguá - que tem apenas um título em sua história -, que não virou estátua, só é reverenciado pela memória dos moradores de Getúlio.
O pai nos esperou na porta. 'E, o teu Grêmio, hein? Marchou para o meu Taguá!' A frase, a gargalhada, o abraço gostoso. Repetiu a cena três vezes naquela noite. A história durou mais uns dias. No returno, o Grêmio goleou o Taguá por 6 a 1. O pai nunca mais 'ameaçou' com o Taguá. Aquele vitória foi dele. Do seu desejo, de seu delírio, de sua provocação. Levei tempo para entender que não foi auto-ajuda, nem previsão, que estava escrito nas estrela feito um deus astronauta, nada! Foi uma brincadeira dos deuses da bola. Um carinho ao meu querido pai.
Há uma série na Netflix que fala da derrota que se transforma em vitória. A superação gloriosa ou épica. 'Losers' é poética. Tem um olhar generoso, profundamente humano, sobre perdedores. O terceiro episódio ('Vitória por um triz', é o título) é sobre o Torquay e o milagre que o futebol consegue fazer. À beira da queda, quem sabe do fim, o Torquay é salvo por um cão policial. A mordida, a dor, a vergonha, a honra, a glória. Nada de spoiler. Assistam. É fantástico! Lembrei do Taguá, da paixão de meu pai, quando assisti. Me emocionei. Flutuei entre a tristeza e alegria. O teatro de grama e paixão é a melhor invenção dos sapiens. Já o Taguá terminou em 1996. Ainda lembra de uma conversa, num sábado à tarde, lá em Getúlio, um amigo - o nome sumiu da memória - disse uma frase inesquecível: 'perdi os meus domingos. Gostava de tomar uma cerveja vendo o Taguá. Nunca fui para vem uma vitória. Ia pelo prazer de beber com amigos, os do campo e os da arquibancada. Não vou aos bares tomar uma cerveja assistindo a dupla grenal. Não há encanto nisto. Há a destruição da paixão do time da cidade".
A tristeza atingiu a alma nestes dias. Dois times de minha vida estão na encruzilhada que levou o Taguá e quase o Torquay: o Botafogo e o Figueira. A camiseta branca, a estrela solitária no peito, foi a primeira que tive. Era a paixão que descobri ao abrir aquele presente com dois times de futebol de botão. Um era o Botafogo e a sua encantadora poesia da escalação. O verso quee começa torto e termina mágico: Cao; Moreira, Leônidas, Chiquinho e Valtencir; Nei e Afonsinho; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. Tinha nove anos e adorava declamar este poema. O outro era o Flamengo. lembro de Doval e Onça. Nada mais. Rebaixado pela terceira vez, uma dívida impagável, o Botafogo tem tudo .para ser o novo América. Virar, como Garrincha e Didi, uma eterna saudade. Um vídeo em preto e branco no youtube.
O Figueira foi uma paixão que começou em 1975. Logo no primeiro jogo que vi. O Inter de Lages ficou no passado, ficou no Vermelhão de Copacabana e nos sonhos de Maurinho. Vibrei com vitórias e títulos. Sofri nas derrotas, nos rebaixamentos. Mas, nada tão igual ao desta série B. Levou três anos para cair. Fatiado, destruído ano após ano, para ser mais dolorido, cruel, devastador. Encontro um 'homem do futebol' alvinegro, que pediu anonimato, triste, cabisbaixo, com seus passos lentos e pergunto: 'E,agora?' O sorriso é lacônico. 'Fecha no final do ano! Não há saída'. Dramático? (A conversa foi no inicio de fevereiro. Talvez, ninguem ainda pensava na ação de recuperacao judicial). No teatro de grama e paixão tudo é possível. Até a vítória impossível! É o que resta ao Botafogo e ao Figueirense. Torcer pelo milagre dos deuses da bola. Boa sorte!