quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O último



  • "Dos vastos campos verdes
    Até as terras mais remotas
    Esqueça todos teus afazeres
    Sinta o mundo dar suas voltas"

    O futebol embala a minha vida feito poesia. Gosto de novos olhares, como o belo poema Carpe Diem de um garoto que não sabe driblar com a bola. Mas, é um bailarino com as palavras. Salve Duda Sacul!

    Mauro Pandolfi


    Não resisto ao chavão de Zuenir Ventura. "2017 nunca terminará!". É uma tatuagem marcada na alma. Ao lado de outras, que de tempos em tempos, reaparecem em sonhos, nos meus devaneios imaginários, ou, na saudade. O título da Libertadores é eterno. O jogo é mais! O prazer de ver o jogo! O estilo, o refinamento com a bola, a poética do passe, a prosa do drible, o estético, as linhas que se entrelaçam num desenho mágico. A bola fluindo rápida, insinuante, submissa, lírica, de pé em pé, que, muitas vezes, acabava aconchegada na rede. O Grêmio de Renato Portaluppi é o melhor Grêmio da minha vida. O que me deu mais prazer. O do primeiro semestre, que tinha Pedro Rocha, foi mais encantador. Espetaculares escapadas pela esquerda, a fina elegância de Luan e a gentileza de Arthur com a bola tornam este time inesquecível. Este é o verdadeiro 'Imortal Tricolor". Vi todos os jogos do ano. Vibrei, gritei, cantei, chorei, sorri. O importante, como diz um certo Roberto, 'é que emoções, eu vivi!"
    2017 foi o território da beleza e do caos. Barbárie e civilização. Um país desconectado entre o poder e o povo. A corrupção no horário nobre da tevê. O dinheiro fluindo de malas à apartamentos, Um governo impopular, ilegítimo, canalha, sobreviveu a custa de compra de almas, consciências (?), indecência política, ou só pela boquinha! No mesmo horário da tevê, o desespero da vida de quem depende do serviço público. Hospitais e escolas em ruínas. O ajuntamento não superou o 'fla-flu' do impeachment. Agravou a intolerância, a raiva, a estupidez, ódio. Mais do que nunca, se divide entre o passado e o passado em 2018. Um lembra o 'paraíso' do período militar. O outro, tenta resgatar a vida 'no Jardim do Éden' do lulo-petismo. Farsantes, místicos, mitômaniacos e iguais.Há mais semelhanças do que diferenças. É preciso estar atento, lúcido, racional, para não cair, outra vez, no conto do vigário. E, há 'vigário' de todo o tipo de fé. Principalmente, daquela que Deus duvida.
    Barbárie do futebol me assustou. Raros os jogos sem violências de torcedores. Gremistas foram brigar em Abu Dhabi. Gastaram dinheiro pelo 'prazer' de esmurrar e apanhar de madrilistas. Imagens que assustaram. Invasões de torcida virou trivial. A derrota é proibida. Time que perde em campo, corre o risco do linchamento de torcedores. Algumas imagens me impressionaram. O tamanho da pedra no campo da Ponte Preta, que o repórter da Sportv mostrou, deveria fechar o estádio Moisés Lucarelli por alguns anos. A cena do pai com o filho do colo, fugindo da briga, escorraçado por um policial, foi deprimente, triste, desoladora. A brutalidade, a estupidez não escolhe 'lado'. Mas, nada superou a 'estratégia' das torcidas organizadas do Flamengo no jogo contra o Independiente. Invasão, porrada e bomba. O Maracanã lembrou o Coliseu. Não identifiquei quem era gladiador, cristão ou  leão. O Flamengo será punido pela conmebol? Terá mesma punição de Corinthians, Boca e Penharol. Multas! Os cartolas amam o dinheiro. É o que interessa. O resto é...
    Delatores e o velho canalha da ditadura militar, José Maria Marin, abriram o bico. A escória do futebol brasileiro vai assistir o sol nascer quadrado. Marin terá o fim da vida justo, perfeito para um pulha. Ricardo Teixeira e Del Nero não escaparão do mesmo destino. Bom, sempre tem um Gilmar Mendes no meio do caminho. Chegou a hora de mudar. Nunca o futebol brasileiro teve uma oportunidade como esta. Acabar com a cbf e as federações. Estes entulhos autoritários inventado por Getúlio Vargas, fortalecido pelo militares e protegidos pelos governos pós Nova República. É a hora da revolução. Da transformação, da mudança, da inovação. De detonar esta estrutura arcaica, obsoleta e coronelista. Acredito na revolução! Só não confio nos revolucionários!
    É o ultimo texto do ano. Queria mais poético, mais doce, mais lírico. O dia cinza, chuvoso, com jeito de culpa, me deixou meio azedo, ácido, e por incrível que pareça, esperançoso. Do caos é que a vida surge, vem a criação, os novos tempos. Agradeço aos meus leitores (todos os oito, cada ano ganho um!), a quem curtiu, comentou, compartilhou ou apenas leu, aos que ignoraram. Desejo um Feliz Natal. Que as palavras de um certo Menino Jesus abram corações e mentes. E que todos nós façamos de 2018 um ano leve, sereno, alegre, tranquilo, de muita paz. Grato pelo tempo perdido por lerem os textos deste blog.
    Termino com um presente de Natal, os versos finais de Carpe Diem:

    "Dentre as fugas da realidade
    Me pego novamente cego
    Perante mágoas da minha maldade
    E de todo proveito que me nego
    Porém não me deixo abater
    Enquanto olho para os ponteiros
    Não deixa a folia ceder
    E faço ceder nevoeiros
    Até o sol nascer
    Enquanto a lua está a brilhar
    De norte a sul irei correr
    Em cada segundo
    sem nada a declarar"

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O 'incrível' time de Brancaleone e sua derrota fantástica



"Deus tirou a mão!"
A fala do beato para justificar a queda de um maltrapilho homem na travessia da ponte no filme O Incrível Exército de Brancaleone pode ser usada por Renato Portaluppi na derrota para o Real Madrid. Em nenhum momento, os deuses se distraíram. Ficaram, como sempre, ao lado do mais poderoso.

Mauro Pandolfi

Perdi a ilusão na entrada dos dois times em campo. O sonho acabou na hora dos hinos. Olhei os rostos dos 'contendores'. De um lado, jogadores que estarão na Copa do Mundo do ano que  vem. Alguns, serão estrelas. Quem sabe, um deles, erguerá a taça. Atletas que valem mais de um bilhão de reais. E, há um candidato a maior da história. De outro, o grupo de amigos que superou dramas, traumas, medo, que jogou o futebol mais bonito deste lado do planeta que não acabará pelos nossos pés. Isto será obra de Trump, do nhonhô da Coréia ou se tivermos sorte, pelo meteoro. Olhei os rostos marcados por fracassos. Alguns passaram sem serem vistos no invisível futebol catarinense. Lembrei do filme de Mário Monicelli, O Incrível exército de Brancaleone. Eis uma boa definição para o time do Grêmio de Renato Portaluppi. Bravos guerreiros de uma derrota anunciada. Nem no filme, o exército venceu. Imagine num campo de futebol. O Real derrota sempre o 'imaginário'. O que não diminui a beleza poética do sonho.
A última impressão é a que fica. Vitória ou derrota define um time. Se perder, esqueça a temporada, os títulos, os bons jogos, as revelações. Tudo é um fracasso. É a sensação que tenho ao ler, ouvir os especialistas do futebol ao falar do Grêmio após a derrota para o Real. Desapareceram as comparações individuais (como estabelecer 'posições ' em jogo coletivo e móvel? Não duvide da 'criatividade' de um jornalista) de dias antes da final do Mundial. Aliás, o Real Madrid era tido como o pior da década, em decadência, que teve uma imensa dificuldade de vencer o  fraco Al Jazira.  Alguns consideravam, o Grêmio um rival do mesmo nível.  Poucos lembraram  do abismo técnico, financeiro, tático.  O 7 a 1 parecia esquecido. Estavam mais preocupado com o duelo de vaidades entre o 'pedante de bronze ' versus o 'narciso de plasma', na inventiva definição poética figadal de Chiko Kuneski, do que análise  precisa do jogo.  Tratei o embate como uma deliciosa brincadeira. Porém, levaram a sério demais. Análise é algo raro em quem 'é  pago para dar opinião'. Estão perdidos no 'achismo', nos chavões, nos dogmas, dos mantras que são repetidos desde que o primeiro jornalista acompanhou uma partida de futebol neste país. 
A armada espanhola anulou o exercito de Brancaleone.  Era gigantesco o fosso.  Suspirei por deuses distraídos. Me iludi.  Estavam atentos. Não deram chance a Jael ser o herói improvável. O título veio na genialidade, ao perceber a ação da barreira pular em uma outra falta, de Cristiano Ronaldo.  E, tudo mudou nos comentaristas de resultados. O Grêmio tornou-se fraco demais, defensivo, frágil, sem qualidade, um timeco!. E, o Real virou o maior time do mundo. Imbatível e poderoso.  Tem razão quem disse que 'os jornalistas nunca perdem uma partida'. São invencíveis!  A ultima imagem do 'duelo' foi o sorriso de propaganda de pasta de dente de Cristiano Ronaldo tomando toda a tela e rosto triscado de um derrotado sem chão de Renato. Nestes dias de valores líquidos, o 'plasma' é mais precioso que o 'bronze'!
Este é um país que adora o fracasso alheio. Vibra com ele.  Fiquei com pena do jovem Luan. De melhor da Libertadores a pipoqueiro na final. Ninguém falou de seus marcadores. Ao buscar a bola na defesa encontrava Modric.  No meio, Kroos fazia o cerco. Em outra linha, caso escapasse, Casemiro o esperava. Às vezes, nada cordial. Nas raras vezes que tentou atacar, foi Varane que o combateu. Uma 'quadrilha' que já parou Messi e estará na Rússia no ano que vem. 'Perdeu a vaga para copa', afirmou um jornalista da Fox que não identifiquei o nome. A tevê estava longe e os meus olhos 'degenerados' não conseguiram ler. Que sorte teve Arthur. A sua última imagem é a atuação soberba da final da Libertadores. Então, tem chances. Pequena. Afinal, Tite ama um medalhão.
Vi a zoeira nas redes sociais  fui zoados pelos amigos, por leitores  deste blog,  por conhecidos de longe, vi postagens engraçadas e outras ofensivas.  É a nossa índole irônica, cruel, perversa,  de vibrar com as derrotas alheias. Perdedor, melancólico, reflexivo, tento 'sobreviver' a isto. Tudo tem volta. eu sei. Me diverti muito com a queda vermelha. É bom jogar o nosso fracasso na derrota adversária. Fiquei leve naquele domingo.  Uma dúvida apareceu no meio da tristeza. Será que este projeto de Brasil, bem executado, de subdesenvolvimento eterno, da pobreza que só cresce, refém de populistas, de ladrões dos sonhos, de canalhas de toda ordem, não passa também por isto? Não sei! Mudarei? Não sei! Vou saber se o Inter resolver ser campeão de tudo em 2019. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Asas do desejo



"Por que eu sou eu e não você? Porque estou aqui e não ali? Onde termina o tempo e começa o espaço?"
As dúvidas, os devaneios do anjo desterrado do filme Asas do Desejo, de Wim Wenders, são as minhas dúvidas e os meus devaneios num duelo onde o tempo e o espaço são os rivais para Renato e Cristiano Ronaldo. Não é um duelo de morte. É de vida! De sonho! ' Do Real e do Imaginário!

Mauro Pandolfi

Não é só um jogo. Nem apenas uma final. O título é só uma taça que ficará guardada no museu, na memória vitoriosa de um torcedor. É um jogo de nuances. De encontros de dois personagens que habitam o meu universo real e imaginário. Entre o que é! O superior, o genial, o colecionador. O homem mais próximo de uma máquina que ousou brincar com a bola. 'O maior da história!', como disse. Alguém contesta? Do outro, o que poderia ter sido. Não foi! Trocou tudo pela boa vida. O frio pelo sol. Preferiu brincar com os amigos da praia aos rivais da neve. Recusou a ser máquina.  Não soube viver com a modernidade.  'Fui melhor que ele", vive afirmando. A declaração irrita, desperta rancor nos setores da vida que adoram um subserviente, alguém que sabe o seu lugar e detestam o que desafina este coro dos contentes com arrogância , soberba e uma audácia que há tempos se perdeu nesta parte dos trópicos. Na minha melancolia poética, sou traído pelo desejo da disputa. E, feito anjo proscrito, abro asas, e assisto em meu sonho, com a minha perda da memória e da história, o embate do um passado frente o presente. 
Renato é o imaginário mais perto do real que conheço. Aquela bola mágica que viajou alta e encontrou César é a sua melhor tradução. Imprevisível e impossível. Genial e genioso. O abusado craque transformou o Grêmio da Azenha em campeão do Mundo, A transmutação foi feita a dribles. Desistiu de ser eterno em Roma. Mesmo sendo um Portaluppi era muito brasileiro para encarar a Itália.  Largou, abandonou, fracassou. Voltou para ser o 'Rei do Rio'. Marcou gols de todos tipos. Simples, geniais, exóticos. Passou a carreira por aí. Vagou por tantos clubes. Ficou mais praia que no campo. Não deu mais tempo para provar que é o melhor camisa sete destes anos modernos. Reinventou-se como treinador. Está a procura de uma glória que percebeu perdida, talvez, tarde demais.
Cristiano Ronaldo é o real mais perto do imaginário que conheço. Há tantos lances geniais. Em um só jogo por Portugal, nas eliminatórias da Copa no Brasil, marcou três gols. Um voleio de esquerda. Uma cabeçada mortal. Um drible e um fuzilamento com o pé direito. A perfeição é a melhor tradução de Cristiano Ronaldo. Tão magnífico que ainda sobra tempo de se admirar no imenso telão do estádio. Um 'narciso de plasma', como define Chiko Kuneski. Ao ganhar a quinta bola de ouro garantiu: 'Sou o melhor da história!'  Eu não ouso mais discordar. Mas, há Pelé, Maradona, Cruyff, Messi,  Renato...
Um jogo que nunca começa. Talvez, nunca acabe. As imagens aparecem. De olhos abertos, assim como o coração e a alma, vejo o embate. Lado a lado. Reparo as cenas. São diferentes. Há nuances. Não são nítidas. É o tempo e o espaço que não combinam.  Então percebo que é um sonho. O duelo entre o real e o imaginário. O imaginário é mais poético, flerta com a emoção. É o que me move, que faz viver. O real é o dia a dia, a dura poesia concreta do cotidiano, o que me garante a vida. Cristiano Ronaldo é mais jogador que Renato. Mais amplo, mais completo, mais decisivo. Foi mais do que poderia ser. Não se cansa. É uma máquina. Ao contrário do anjo de Asas do Desejo, escolho o imaginário. Prefiro Renato. Ele é tricolor de alma, coração e fé. Ele é Grêmio. É o que basta!

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Independiente!


Poesia que escutava no silêncio da sala lá por 74. Gay; Comisso, Sá, Lopes e Pavoni; Gálvan, Raimondo e Semenewicz; Balbuena, Bochini e Bertoni. Os versos que inspiravam meninos e todos tentavam 'poetar' como Bochini. O mestre que um certo Diego Maradona chamava de Deus.

Mauro Pandolfi

Éramos seis! Sentados nos degraus do armazém do seu Jeremias. Seis guris a procura de um nome para o time. Tarefa difícil. Dias de discussões. Problemas em todas as conversas. Não poderia ser o de nossa paixão. Estavam fora o Palmeiras do Bolacha, o Corinthians do Abel, Flamengo do Carlinhos e João (ou seria do Tonho?), o Fluminense do Tonho (ou seria o João?), o São Paulo do Serginho e o meu Grêmio. Não seria, também, diminutivo. No Copacabana já jogavam o Flamenguinho, o Vasquinho e o Palmeirinha. Não podia ser o Inter. Afinal era o time da cidade. E, o de outro lugar, ninguém torcia. Carlinhos pensou no Guarani. Rejeição total. Mesmo extinto, o sentimento do Guanal era intenso. Um silêncio de dúvida. Abel fica em pé, da uma volta, mão no queixo, outra volta, e emenda, como se fosse um voleio: "por que não Independiente? Ganha dos nossos times, é campeão da Libertadores, tem o vermelho do nosso Inter e da nossa camisa?". Foi instantâneo. INDEPENDIENTE! Gritamos! Irritado com o barulho, seu Jeremias saiu do armazém dando bronca. "Vão fazer barulho em outro lugar. Circulando, vão jogar, vão carpir um lote, vocês estão incomodando os fregueses. E, onde já se viu escolher um nome argentino? Pelo menos transformem em independente ou independência!". Fomos saindo devagar pelo meio da rua Irmã Laurinda com uma certeza. Todos voltaram a gritar 'Independiente!'. Até sair de Lages num julho de 1975 sempre fomos Independiente. Menos uma vez, quando virou Atlântico. Isto é uma outra história...
Poucas vezes vi jogar. As finais contra o São Paulo em 1974, um jogo contra o Cruzeiro de Dirceu Lopes, contra o Grêmio e,quem sabe, algum amistoso da seleção argentina.. Escutava sempre na sexta-feira o campeonato argentino. Luz apagada, deitado na frente da eletrola, imaginava o jogo. Radio Mitre entrava feito um bólido a noite. Procura os meus ídolos. Babington, Pastoriza, Artime, Beto Alonso, Oberti e o que gostava mais: Ricardo Bochini. Lembro que comentava com o Abel sobre Bochini. Era diferente do ponta de lança brasileiro. Mais ofensivo, de toques curtos, refinados, driblador, usava os lados como poucos e uma lucidez no espaço curto. Ele dava um toque por trás da zaga, deixando o centroavante na cara do gol. Parece que estou escutando o narrador da rádio Mitre falando do passe 'bochinesco'. Aquele que rompia o ferrolho, tirava o nó da garganta, aliviava a alma e transformava o gol em poesia. Durante muito tempo, "Os Rojos", 'Os Diablos Rojos" foram a minha paixão. Tinha na parede do quarto o poster da Placar do time campeão da Libertadores. A escalação lembro de cor, feito poesia que embala o futebol.
Muito tempo depois, explicaram-me, (gracias mi amigo Alberto!), que Bochini era um 'enganche'. Um raro jogador que brota na Argentina. Há dúvidas sobre o melhor deles. Alberto dizia que era Sivori. Hoje, falam em Messi. Muitos elegem Maradona. Mas, para Diego era Ricardo Bochini. Jogou pouco mais do que dez minutos numa copa do Mundo. Foi em 86, contra a Bélgica. "Quando vi que Bochini entrava em campo, me pareceu que tocava o céu, por isso a primeira coisa que fiz foi buscar uma tabela com ele. Nesse momento, senti que estava fazendo uma tabela com Deus", explicou Maradona. Jorge Valdano é um mestre do futebol. Dentro e fora do campo. Sutil e refinado, assim definiu Bochini. "Era um gênio que usava a cabeça para pensar milagres e o pé direito para executá-los. O corpo inteiro para enganar seus adversários". Bochini parece desconhecido do futebol de hoje. Busquei ele pelo jogo de quarta. Procurei no Olé alguma referência sobre ele. Encontrei algumas frases. Quem viu, nunca esquecerá. Seu nome será lembrado assim que alguém falar de um camisa dez celestial.
Não conseguia entender o meu sentimento no jogo Flamengo e Independiente. Comecei simpático ao Flamengo em cortesia ao Zeca pela recepção com a camisa do Grêmio no domingo. Ao Chiko, não! Afinal, ele não veste azul. Direito dele. O jogo fluía e não me motivava a torcer mesmo depois do gol. Comentei o jogo com meu afilhado Luca sobre a dificuldade, a estranheza, a lentidão, o jogo travado. No intervalo, lembrei-me de Lages. Algo estava fora do lugar. A paixão escondida nas entranhas do coração reconheceu a camisa. O grito veio em seguida: INDEPENDIENTE! Vibrei com a virada, a vitória e o encontro sempre amoroso com o Maurinho. Desculpa, Zeca! Vibrarei no campeonato carioca. Afinal, o meu velho Olaria de Afonsinho é só um time de botão que o tempo escondeu e não lembro onde guardei.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Os desajustados

"Eu não sei a que lugar eu pertenço".
É a resposta de Rosalyn (Marylin Monroe) para Perce (Montgomery Clift) personagens do esplêndido filme de John Huston, Os Desajustados. É a história de quem parece viver fora do tempo, do espaço, perdidos, sem rumo, a procura de uma saída. Alguns, encontram.

Mauro Pandolfi

Este texto poderia ser um pedido de desculpas. Mas, não é! É sobre a descoberta de um outro olhar do futebol. Rompeu as minhas certezas, convicções, aumentou as minhas dúvidas. Nada é eterno no mundo da bola. Nem o talento. E, muito menos, a falta dele. As teses existem para serem derrubadas, destruídas, refeitas. Errei em várias análises sobre os jogadores do Grêmio. Reclamei quando chegaram. Usei as suas histórias, as minhas avaliações, os meus olhares, minhas desconfianças. Alguns, mudaram a minha opinião após os primeiros jogos. Outros, só no último. Nada é definitivo num campo de futebol. Heróis, vilões, craques, bondes, pernas de pau, são meras figuras de linguagem usadas num estádio ou numa análise. Não são tatuagens que ficam no corpo de um jogador. Ele pode mudar a sua história. Se reinventar, se descobrir ou aceitar as coisas como são.
Esta reflexão pode ser apenas uma consequência do Tri do Grêmio. Mas, não é! Tento entender a 'magia' da transformação. Qual o segredo de Renato Portaluppi em 'recuperar' almas, restaurar virtudes, atitude, de mudar comportamento, fazer ressurgir talento escondido, heróis improváveis, desajustados ou 'achar' uma juventude perdida? Confiança, respeito, determinação, ousadia. Ou, coragem, por não ter ninguém melhor por perto. Apostou! E, ganhou!
Detesto o futebol de Fernandinho! Ou, detestava? Enrolado, confuso, perdido entre o drible inútil ou o chute torto. Como pode um atacante que não sabe chutar? Este Fernandinho vi no Barueri, no São Paulo, no Atlético e, me desesperei quando foi anunciado pelo  Grêmio. Atacante perto dos 30 anos e com menos gols que Rogério Ceni, eu não aceito. Fracassou, foi emprestado, voltou, foi emprestado, voltou, virou reserva e Renato o reinventou. Tornou-se artilheiro no Brasileiro com bons jogos. Tinha (ou tenho?) restrições como substituto de Pedro Rocha. Até escrevi que ele era 'a negação de Pedro Rocha'. Contra o Lanús foi um Pedro Rocha dos melhores momentos. Rápido, inteligente, tático, e marcou um gol maravilhoso. Fernandinho! É o melhor exemplo do meu engano. Todos que estão no futebol tem uma qualidade. É preciso descobrir, lapidar, gerar confiança, fazê-lo brilhar. Renato fez isto com Fernandinho. Ele virou um definidor mortal. Até quando? Que seja para sempre!
Não é só a qualidade que contesto nas contratações. A idade é outra. Só os 38 anos faziam duvidar de Léo Moura. Três jogos e mudei de opinião. Ele é precioso taticamente. Cícero foi outro. O tempo parado e a idade. Um 'velho' sempre tira o lugar de um jovem promissor. Patrick e Jean Pierre perderam lugar para Christian e Jael. Pô, Renato! Protestei no facebook. Ah, Jael!  Gostei da contratação. Depois de alguns jogos, contestei. Outros jogos, aprovei. Certezas absolutas até mudar de ideia.. Reclamei de Barrios. Muita grife e pouco jogo. Ri com as contratações de Edílson (muito doido!) e de Cortez (ainda joga?). Loucura! Até com Kannemann me enganei. O futebol é mesmo um teatro de grama e paixão. Há os que superam as desconfianças e medos. Improváveis 'heróis' de finais. É a magia do jogo, do homem, da vida.
Agora, um segredo - é segredo, pois poucos me leem! - que escrevi quando Roger Machado pegou o boné e disse adeus. Não gostei da contratação de Renato Portaluppi. Bom treinador nos dois períodos do Grêmio. Um bem ofensivo; o outro, quase uma retranca. Mas, havia uma réstia de moderno nos seus times. Não como Roger, um leitor de Pep Guardiola. Estudioso, educado, discreto, renovador, bom discurso, novas palavras. Gostava de Roger! Enquanto Renato ainda 'perdia' o tempo na praia, no futvolei, um grande e sábio bon vivant.
Escrevi isto: "Renato retorna mais uma vez. A terceira! Infelizmente, não como jogador.  A saudade, o passado não é uma fonte da juventude. Que pena!  Volta como técnico sazonal. O homem que resolveu tirar férias trabalhando.  Ao contratar Renato Portalupi e Valdir Espinosa, o Grêmio  disse adeus ao presente, abandonou o futuro e tenta reencontrar uma gloriosa era de vitórias. Que só existe nos almanaques, nas memórias ou num pensamento mágico de um cartola". O tempo revelou a certeza da aposta. E se, hoje, tivesse que optar por um dos dois, ficaria com Renarto. Desconfio que o Portallupi é um poeta nas horas vagas. Finge tanto que acredita nas 'próprias palavras' jogadas ao vento. Quem garante, que no exílio das areias, não devorava livros de táticas, assistia escondidos jogos ou fugia para algum curso?
Este texto não é um pedido de desculpas. É uma tentativa de expurgar enganos, de rever conceitos, de dar uma nova chance, de procurar um outro olhar. Entendi que o fracasso de desajustados, de contestados, de rejeitados, pode ser apenas a antessala do sucesso. Basta tempo e confiança. Será que pensarei assim se o Grêmio apostar em mais um veterano em final carreira, já aposentado, fora de forma, que tomara o lugar de um guri? Se Renato continuar, sim. Se for outro treinador, as dúvidas, a incerteza, o medo, o fracasso, equívoco, voltarão. Eu só conheço um Midas, um salvador de almas, um recuperador de homens, um mito. Alguém conhece outro?