segunda-feira, 20 de julho de 2020

Memórias...(12)

 

"A Saudade é por quem vivo apaixonado desde que envelheci..."
Estou desconfiado que o futebol não vai sobreviver a este isolamento. Quem sabe a saudade, cantada como beleza por Catulo da Paixão Cearense, mantenha vivo a paixão. Acho que sobrará apenas o teatro.

Mauro Pandolfi

Não gosto de rever muitos jogos do Grêmio. Aqueles que estão marcado na alma, escapo sempre. Escapava! Tenho o vídeo, o filme e nunca tinha revisto a Batalha dos Aflitos. Temia pela emoção. Ficava com medo de o coração explodir, como quase explodiu naquele novembro de 2005. Mas, distraído, sem nenhuma série para acompanhar, descubro o jogo. Relutei, fiz um zap rápido e resolvi encarar, num ato de bravura, um dos meus 'fantasmas'. Deixei o floral de lado junto com lenço. Vou chorar! O jogo foi passando, a emoção não chegava, tranquilo, sereno demais, não aconteceu nada. Foi só um jogo. O encanto da grande vitória quebrado em múltiplos pedaços. Não fiquei frustrado e nem perplexo. Apenas, indiferente. (I)Mortal indiferença!
Só sobrou Renato em outros dois jogos que revi. Contra o Penharol, na decisão da Libertadores, um horror. Que jogo feio, sem graça, sem ritmo. A única poesia foi Renato. O balaõzinho, o chutão no alto rumo ao infinito que encontrou a cabeça do César. Magnífico, Renato! Contra o Hamburgo, uma partida mais qualificada. O Grêmio com a sua força e outra vez, Renato, Entendi toda idolatria, a minha inclusive. Lamentoi que Renato não foi o que poderia ter sido. Não sei o que atrapalhou a genialidade. O homem que preferiu ser um jovem comum e festeiro? O que preferiu ser feliz em vez de lenda (além do Grêmio!)? Não sei se Renato poderia ser um Cristiano Ronaldo. O Mário garante que sim. A vida tem as suas escolhas, seus caminhos, seu destino. Assistindo estes Grêmio todos, o melhor é o Grêmio desenhado por Roger, lapidado por Renato. Eles inventaram o futebol no Grêmio. Será que sobrou esta saudade?
Não vi nenhuma partida inteira nesta volta do futebol. Não consegui. O coração e alma rejeitaram. Dez minutos, busco um filme, uma série, qualquer coisa que me afaste do jogo. Não é o futebol que me encantou, que virou paixão, que me faz escrever e sonhar. Não lembra de vida ou festa. Me parece um escape contra a morte. É necrofutebol! Me disseram que tudo tem começo e fim nesta vida. Talvez, o fim chegou. Meu amigo vidente cego, Rai Carlos, disse uma vez que 'paixão nunca termina. Apenas se esconde!' O tempo vai me revelar. Enquanto isto, republico uma crônica apaixonada por este jogo.

O teatro de grama e paixão

Mauro Pandolfi
 
Não gosto de esporte.  Gosto de futebol. Futebol não é, mais, um esporte. É teatro de grama e paixão. A vida é representada, vivida, repartida. Tudo está lá.  O drama, a comédia, o amor, o mistério, a aventura, os enganos, os desencontros, o terror, a esperança, o sonho. Tudo contado em atos. Nem sempre bem separados. Às vezes, tudo junto. Quase nunca misturados. Atores e públicos são parceiros, ou rivais, em cena.
O primeiro ato. Vem em bandos. Trazem bandeiras, trapos, tambores e painéis com os rostos dos heróis. Os cantos são desafios bem embalados por um 'coral' afinado. De guerras ou de apoio. Dispostos a tudo. Fundamentalistas da paixão. Há o que chega sozinho. Solitário no silêncio. Aos poucos, descobre o grupo nos gritos, nas vaias, na festa. O soar do apito. Assim começa o teatro de grama e paixão.
O segundo ato. O campo, o jogo, os times.  A bola rola. Troca de passes. O jogo estudado feito um ensaio. O posicionamento lembra a marcação de uma peça. Flui em diálogos, os passes. Ou, um monólogo, o drible. O jogo vai crescendo em intensidade. Os murmúrios da plateia exige uma outra postura. A agressividade vai substituindo o riso, a diversão. Fim do segundo ato.
O terceiro ato. A pressão da vitória, o grito pelo gol, o desespero pelos erros de passes geram um drama que vai crescendo com o passar do tempo. Os olhares são de aflição. O torcedor tem o medo da derrota, do fracasso que é o seu parceiro diário. O jogo tem um segredo, um enigma. Decifra-me ou te devoro? Os enganos e os desencontros surgem na tentativa de descobrir a saída. A bola vai alta, longe, dispersa. Até que alguém descubra a magia. Decifre e crie a alegria do teatro. A plateia explode em êxtase no gol. Fim do terceiro ato.
Epílogo. O trilhar do apito. O suor, as lágrimas, os risos, os abraços, a festa, a derrota. O jogo não termina aí. O teatro de grama e paixão continua. Às vezes, como farsa. Outras, como epopeia.  Um jogo de futebol tem a duração da eternidade.