domingo, 26 de abril de 2015

Meu pai e eu

Mauro Pandolfi

31 de julho. Era uma data de festa em casa. A data do casamento dos meus pais. E, aniversário do 'seo Nesso', como chamava o Márcio quando pequeno, sempre agarrado nele. O pai foi 'embora' numa véspera de Natal. Não combinou com ninguém, nem avisou. A alegria do Natal ficou triste. Vivemos um vazio imenso. André e Pedro tornaram-se o porto seguro para que os Pandolfis voltassem a rir. Adorava meu pai. Gostava de suas histórias, do afeto, da gentileza. Mas, faltou algo na nossa relação: o futebol. A bola nunca foi um assunto nosso. Trocava um jogo por um faroeste.

A vida e as contradições. Não ligava para o futebol. Porém, foi o único dos Pandolfis que assistiu uma partida no Maracanã. E, que jogo! Eliminatórias da Copa de 70, no México. Brasil e Paraguai para quase 200 mil pessoas. Suas histórias deste jogo eram saborosas. Como ganhou o bolão, os xingamentos pela aposta de 1 a 0, a entrada, o durante, o pós jogo e a descoberta que franguinho era apenas uma espiga de milho no espeto. Algumas das histórias, às vezes, contamos nos almoços de domingo. Outras, sumiram no tempo. Muitas só tinham graça quando contadas por ele.

Nos seus ombros vi a vitória de Plínio Luersen nas 12 horas de Lages, em 1966. Tinha seis anos e madruguei pelo prazer de sua companhia. Vibramos quando o Simca recebeu a bandeirada. Lembro de um jogo, contra o Perdigão, no Vermelhão. Ficamos na geral. O estádio estava lotado. Vi uma parte do jogo em seu colo. Cenas que voltam nos momentos de saudade. O pai era gerente da Penha e foi convidado a presidir o Guarani.  Após várias conversas, percebeu que era uma canoa furada. Tempos depois, o Guarani faliu.

O desejo é uma arma quente. Explode a alma! Desde a adolescência o pai nos gozava e provocava com o Grêmio. Nas derrotas, também nas vitórias, nos encarava com um sorriso cínico e lascava: se pegar o Taguá, perde! Ria a sua risada gostosa. O Taguá era um minúsculo time de Getúlio Vargas. Resultado de uma fusão: Tabajara (será que a vaca era o centroavante?) com o Guaíba.

Na primeira vez que se encontram, após um Grenal vitorioso, o lanterna do gauchão surpreendeu no Olímpico. Dois a zero. A maior festa de futebol que Getúlio já viu. Foi numa quarta-feira, voltava da aula e o pai me esperava na porta. "Teu Grêmio, hein? Marchou para o meu Taguá", disse vitorioso.
Repetiu a cena com o Márcio e o Mário. Quem ganhou aquele jogo foi o desejo de meu pai. No final do certame, o Taguá caiu, depois sumiu, desapareceu, só deixou em ruínas o seu estádio.

Em 96, substituí o JB Telles na coluna do Diário Catarinense. Já não morava mais com eles. Tinha descoberto que a felicidade tem vários caminhos. Um deles levava até Campinas, onde fui morar com a Elaine. Um domingo, sempre passávamos lá, a mãe me contou uma história. No final da noite, quando o jornal já foi lido por todos, ele recortava a coluna. Lia em voz alta e guardava. "Ele tem orgulho de você. Comenta com todos aqui do prédio", revelou ela. Nunca vi esta cena. Como gostaria de ter visto.

Ele comentava comigo nos domingos algumas delas. Nunca deu palpite. Numa que fiz referências a jogadores antigos, protestou: "Tu esqueceste Heleno de Freitas. Ele foi gigante!" Quando assisti o filme, lembrei-me dele. As lágrimas escaparam. No dia e agora, ao escrever isto.


O episódio de sexta-feira de "Os Experientes" me emocionou. A história de pai e filho (os brilhantes Juca de Oliveira e Dan Stulbach) que se descobrem, se encontram, se revelam. Um dia intenso. O único de suas vidas. Vivi 39 anos de intensidade com meu pai. Aprendi coisas, pensares. Descobri virtudes e erros. Entendi como ser um filho quando o André nasceu. Talvez descubra ser pai com um neto. Só no ponto final deste texto a emoção se desfez. Virou lágrimas.

O anti-herói

Chiko Kuneski

Uma das mais inebriantes cenas do futebol é a defesa do goleiro espalmando a bola para fora do gol na forquilha das traves. Ouso dizer, mais bela, inclusive, que a da bola sendo abraçada pela rede no festivo gol. Para buscar essa bola “na gaveta” o goleiro plana no ar. Corpo retilíneo na horizontal, contrariando a gravidade.


O espectador mais atento percebe cada músculo do corpo, pernas, tronco, braço, mão e dedos chegando ao máximo da sua elasticidade. A cabeça erguida acima do ombro e rotacionada. Os olhos como mira de longo alcance. O goleiro plana reto seguindo a curva da bola, matreira, que quer sair do seu alcance. Não à toa os locutores esportivos narram o lance como um voo. Um voo de rara beleza do goleiro, que impede o gol espetacular, a consagração do artilheiro.

Sempre me identifiquei mais com os goleiros. Desde cedo ia ao campo para vê-los e não para torcer pelos goleadores. O goleiro é um anti-herói. Mais odiado e criticado que aclamado. Ele estraga a alegria do gol e é xingando pelos adversários; ou falha e facilita o gol, sendo criticado pelos próprios torcedores.


O mais solitário dos 11 jogadores da equipe passa o tempo do jogo observando, atento, esperto. É um analista. Tem que antever o lance, marcar durante 90 minutos os adversários com olhar de águia, aguçando-o ainda mais na bola. E é nessa defesa, de mão trocada, “lá onde a coruja dorme” que o homem se faz a águia, ganha os céus, em perfeito voo para a glória.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Os passes e o drible

Mauro Pandolfi

Iniesta e a bola. O pensador analisa o lance. Observa a armada francesa (seriam os mosqueteiros?). Procura os parceiros. Estão cercados pela marcação firme. Avança. Vai levando. Ilude um, engana outro, corre com a bola, passa por mais um. Nota que Neymar escapa. Olhar atilado de Iniesta. A bola precisa, correta, certa, perfeita.  Neymar, o goleiro e o gol. Asas da chuteira, a imagem de Chiko Kuneski, o drible, a festa, o orgasmo. O drible é o futebol. Neymar foi o que sempre é: o menino que tem o cérebro em curva como um drible. Um gênio que faz do atávico lance um poema da bola.

Bola recuperada. Está no pé de Rafinha. O toque encontra Thiago Alcântara. O campo é uma área densamente povoada.  Ele olha a movimentação de Lahm. Passe longo, certeiro, mágico. Bola calculada. O cérebro fica no pé? Lahm a deixa quicar no gramado. Tempo suficiente para procurar os camaradas. Percebe Muller. Lá vai a bola. Reta, concreta, fácil.  Muller dá uma leve carícia na pelota em direção ao meio da área.  Quem está lá é Lewandowski. A cabeçada mortal  balança o véu de noiva. Um gol matemático.  Engana a geometria. Um triângulo pode ter quatro lados? Um lance que namora a diagonal invisível. O futebol agradece ao passe. Esta linha paralela da paixão. Este gol é um poema em prosa.

Ah, o futebol! Como é mágico este jogo. É jogado, pensado, sonhado, delirado. Se Iniesta não fosse o mestre do passe como terminaria o lance? Quem sabe driblaria, driblaria, driblaria até perder a bola ou entregaria enforcada para o companheiro? Pode ser! Se Lahm segurasse a bola, esperasse o adversário chegar para o drible. O que aconteceria? Seria desarmado ou o cruzamento pegaria defesa já recomposta? Não tenho bola de cristal para saber. Ainda bem que o 'se' joga só imaginário.

Chiko adora o drible, vê o lance com os olhos rimados de poesia. Eu sou fã do Chiko! Gosto de quem venera a individualidade. Ele percebe o drible como uma desobediência civil, uma negação da ordem do sistema, de todos  os sistemas. Os poetas são assim. Como não sou poeta, sou apenas um observador da vida, um cético saudável, duvido e acredito em tudo. Então, o drible pode ser uma rima. Às vezes, solução. Longa vida ao drible! Longa vida ao passe! Viva o futebol! Que ele seja eterno enquanto fantástico.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Os dribles e o passe

Chiko Kuneski

Asas poéticas das chuteiras me obrigam ao confronto de conceitos com o genial texto de Mauro Pandolfi, “o medo de ser João”.

Iniesta, ampliou a dicotomia entre os conceitos. O passe sobrepõe o drible; ou o drible faz o passe? O espanhol recuperou a bola, o objetivo do futebol, em sua intermediária. Sozinho, sem tabela, sem o tik-tak de Pepe Guardiola, driblou metade dos jogadores do PSG, com fintas, físicas ou imaginárias. A genialidade individual sobrepôs a marcação do conjunto.

O drible na vertical. Cortante. Preciso e impensado, dilacerou o exército gaulês. Depois dos dribles impensados, a genialidade saída dos pés do desarme, do mestre dos passes precisos, do jogo esquemático, acabou no passe mais que perfeito que caiu nas chuteiras de outro driblador, Neymar. Mas o perfeito do passe só foi possível com o inusitado dos dribles.

Antes da “assistência”, como gostam de dizer os comentaristas que trouxeram a assertiva do basquete, Iniesta driblou, direta ou indiretamente seis franceses. Mais da metade dos marcadores foram subjugados pelo talento individual. O coletivo da marcação, do esquema, do rouba para passar, sucumbiu.

Mais uma vez o drible desconcentra. Desconcerta. O passe, ou “assistência”, resulta no gol vencedor depois que as assas das chuteiras fazem a mágica de desmontar todo o esquema de marcação oponente.

No ataque mais impressionante da atualidade do futebol mundial, com Messi, Neymar e Suares, o drible a partir do meio campo da genialidade de Iniesta, individualmente, salva a falta do coletivo dos esquemas, do toque, da movimentação, dos passes. Foram os três dribles e um só passe.  O passe completa o drible; o drible torna mágico o passe.

domingo, 19 de abril de 2015

A primeira paixão

Chiko Kuneski

Certa vez alguém me disse que a primeira paixão de um menino nunca será esquecida, por mais tempo que viva. Concordo. Posso dizer, sem medos, que minha primeira paixão foi um time de futebol: o Paysandu de Brusque. Talvez levado por ser o clube do meu avô Venâncio Regis, ou contagiado pelo fanatismo dos meus tios. Mas paixões não se explica. Nos entregamos.

As paixões não são como meros amores. Esses são adocicados, longos, degustados; até tornarem-se amargos pelo tempo. As paixões são cada vez mais intensas, inesquecíveis, intocáveis e imutáveis. A paixão é ímpar. Podemos ter inúmeras delas, mas continuam sendo ímpares. Cada uma.

Ao contrário do que dizem os poetas; não são voláteis. Nem mutáveis. Acabam ocupando seu lugar, uma a uma, nunca duas a duas. Não é possível ter duas paixões simultâneas, como dois amores. Esses podem dividir o mesmo espaço ao mesmo tempo. A paixão primeira é ciumenta, possessiva, intensa demais e anuvia novos prazeres de outras mais recentes ou de amores voláteis.

Foi essa paixão de menino, nunca escondida, mas bem guardada, que aflorou ao ler o capítulo do livro de Valdir Appel, “E o futebol chegou a Brusque”. As lembranças de “o goleiro acorrentado”, descoberto e envidado para o mundo pelo “mais querido” Paysandú na década de 60, incitou a minha primeira paixão de menino.

Em sonho impúbere, vesti a camisa verde e branca imaginária e fui ao campo Cônsul Carlos Renaux, na rua Pedro Werner, uma heresia do destino, como tantas outras, assistir o jogo entre os brusquenses Paysandú e Carlos Renaux, um clássico que nunca se esmaecerá do afeto dessa primeira paixão. 

O drible 2. O medo de ser 'João'

Mauro Pandolfi

Chiko Kuneski é um hábil artesão de palavras. As frases são belos dribles de linha de fundo em busca do passe para o gol. Chiko é um velho ponteiro. O leitor é o centroavante. O gol depende do talento do leitor. Há gol de placa. Mas, às vezes, a bola sai do estádio.  Chiko é desafiador. Busca o confronto de ideias, a tabela e o passe. No entanto, ele gosta mesmo é do drible.

Cuidado! Tu tens tudo para virar um 'João'. Faz tempo que o conheço. Nem sempre consigo fugir da provocação. No texto sobre o drible, Chiko preparou o lance. Jogou a bola por um lado. Ensaiou a corrida pelo outro. Uma linda meia-lua poética. Serei um 'João'?

Gosto do passe. Da bola que flutua de um lado a outro. Ela vai e volta sem pressa, com um ritmo acelerando no compasso da movimentação do adversário. O jogo tocado num bailado que encaixota o rival. Cérebro é que define o talento, também, no futebol. Admiro a tabela. O pensado me atrai mais do que o instintivo. 

No entanto, não renego o drible. É mágico, devastador, nunca humilhante. É a capacidade de encontrar uma solução onde não há saída. O driblador é o anarquista. O coletivo é importante. Porém, nada impede a fúria da individualidade. O drible é só meu. O passe é de todos.

O drible é poesia. Lembro de Dener. Rápido, enérgico, insinuante. Partia em linha reta, como um poema de Fernando Pessoa. A obsessão era o gol ou o passe para o atacante. Só em linha reta. Dener não tinha um repertório vasto de dribles. Era sempre o mesmo. Seco, veloz, bola num lado, ele pelo outro. Simples e eficaz. Dener! Saudades de um tempo em que via futebol como poesia.

O tamanho era de beque, visão de meia e dribles de um ponteiro. Renato Portaluppi é a melhor lembrança que tenho da bola.  Meu ídolo! A maior alegria da minha vida futebolística foi ele o inspirador. Gols e dribles numa madrugada que era só a hora do almoço no Japão. Tão genial e genioso que transmutou o tempo.

O mais admirável em Renato era o drible. Já nem tão garoto passava dias treinando o lance. Renato Portaluppi é a 'quarta pessoa' da Santíssima Trindade -  mais reverenciado - da religião gremista. Meu irmão Mário o considera melhor - "muito melhor", ressalta ele - do que Cristiano Ronaldo. Fé é fé! 

Há o drible que me incomoda. Troco até de canal quando vejo. O drible firula me tira do sério. O jogador vai, volta, vai, volta, rebola, cisca, belisca e não sai do lugar. O narrador, a torcida, deliram. Neste país há uma obsessão pelo inútil, pelo fútil, pelo estéril. O lance não vai a lugar nenhum. Mas, vira vinheta. Denílson é ícone deste driblador. Se Dener é poesia, Fernando Pessoa. Denílson é pagode. Tem o ritmo, a indolência e o lirismo do falso samba.

As tardes são dias de futebol. As melhores ficam no meio da semana. É complicado compartilhar com o trabalho. Procuro o jogo pelo computador. Nas brechas, espio os lances. E, que lances! Como Suarez achou o espaço entre as pernas de David Luiz? Percepção, inteligência, instinto? Tudo! Foram dribles sonhados por qualquer menino que ama o futebol. E, Messi? Dribla tanto em curva, como em linha reta. Messi é o futebol!

Da janela do quarto do Pedro vejo o pequeno campinho do condomínio onde moro. É um espaço dividido por grama - a menor parte -, areia - a maior - e terra. Nas férias escolares há jogos que parecem não ter fim. E, feito uma Carolina, fico na janela olhando e sonhando com um passado cada vez mais distante. Os meninos são exatamente como eu quando era menino. A bola é o grande brinquedo. O craque ainda é quem dribla, fica mais tempo com a bola.

 Lucas é um guri loiro, 15, 16 anos, que dança o tempo todo. Pega a bola, segura, dribla, solta só no aperto ou para o gol. É sempre o primeiro a ser escolhido. Leonardo, tem 16 anos, é o contrário. Simples, direto e dono de um passe preciso. Raramente erra, nunca dribla. Os gols, geralmente, saem de seus pés. É dos últimos a ser escolhido. É um candidato a craque. Porém, prefere ser engenheiro. Que pena!

O drible é imortal. É onde o mortal comum se destaca. É poético. Tem a rapidez de um repente ou de uma trova. Não há muito o que pensar. É o agir que surpreende o rival. O drible é a última instância do futebol romântico. É o lado atávico da sobrevivência. É animalidade do homem em contato com as forças naturais. É o signo do arcaico e o antigo. O passe, o jogo planejado é o civilizatório do homem. O instintivo é substituído pelo cerebral. 

Para um treinador é mais fácil lidar com o estudado, arquitetado do que o inesperado. Sempre haverá lugar para o drible. Quando o jogo estiver duro, sem saída, difícil, há duas opções: um grandalhão e um driblador. Nem sempre dá certo. O driblador deixa a partida viva, ligeira, rápida e alegre. É um leve encontro com o passado. Nada mais do que isto.

Poxa! Tentei fugir dos dribles poéticos em forma de texto. Quem sabe, consegui antecipar alguns lances, roubar umas bolas sem cometer nenhuma falta, partir para o ataque. Mas, a dúvida permanece: Fui um 'João'?


PS: Me indagaram o que é ser 'João'? Era a maneira que o grande Mané Garrincha chamava seus marcadores. Formavam uma linha, uma fila indiana. Um a um eram driblados do mesmo jeito. Simples, eficaz, em linha reta. Todos iguais, todos 'João'.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Língua solta!

Mauro Pandolfi

"Cala a boca!" Era o título para este texto. Seria a melhor definição para a punição da federação carioca de futebol ao vetusto treinador Vanderlei Luxemburgo por reclamar do medíocre campeonato carioca. Mas, ao escutar a entrevista de Fred, após o FlaFlu, e o comentário de Carlos Alberto Torres, no Troca de Passes da Sportv, resolvi mudar para "Língua Solta!" Todos dizem o querem, falam o que pensam, pensam e não dizem e dizem sem pensar. É a democracia. "Que beleza!", repete o outro da Sportv, sem muito pensar. 

O Brasil é um país autoritário à esquerda e à direita. Vivemos um curto período - o mais longo da história - democrático. É uma democracia que vive de sustos, de riscos, de sobressaltos, de ameaças. Mas, sobrevive. As ruas, ainda, atemoriza, desperta pânico, sugere medo e assusta o poder de qualquer lado. O futebol é um bom retrato do país. A estrutura é arcaica e ditatorial.

A cbf esconde-se no falso axioma de 'entidade privada'. José Maria Marin passou a vida lambendo coturnos de militares e dedurando jornalistas. Pesquisem sobre presidentes de federações e encontrarão gente que trocou o mandato de líder de oposição por um cargo vitalício no poder e oportunistas de enriquecimento fácil. Marco Polo Del Nero assumiu a cbf. É a mudança da permanência.

Fred é um centroavante. Nunca foi meu ídolo. Respeito pela coragem. Não foge do jogo duro dos zagueiros e nem de uma boa polêmica. A expulsão foi ridícula, típica de juiz que gosta agradar o chefe. Fred bradou pelo fim do campeonato carioca. "Tem que acabar e ponto", disse ele.  Foi punido e está fora da partida contra o Botafogo. É a 'democracia' do regulamento, como justificaram alguns jornalistas amigos do rei, isto é, do presidente da federação carioca. 

O velho, e mumificado, ex-capitão da Seleção de 70, Carlos Alberto Torres, contesta as declarações. "Quem determina é o dirigente e o jogador é pago para jogar", afirmou o 'craque' de um gol mítico que o levou ao panteão dos heróis. Torres deixou claro porque foi o capitão da seleção. Era o homem do poder no campo. Ou, seriam todos eles homens do poder no campo? Esta dúvida não diminui o imenso time que é aquela seleção.
  

Os dirigentes das federações não perceberam que estão matando os bons campeonatos estaduais. Ou, estão aproveitando os últimos momentos destes certames? Estaduais é um bom tema de discussão. Fica para um próximo texto.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O drible

Chiko Kuneski

Uma corrente de juízes, dirigentes e até jogadores, “megafonados” por comentaristas esportivos raivosos, criaram um estigma do drible no futebol brasileiro. O talento, o inventivo, o lúdico das chuteiras com asas foi criticado, rotulado e por pouco banido dos gramados.

Mas o drible, por mais desconcertante de seja, é a glorificação ou humilha?

O drible é a essência do futebol. Mais do que o passe. Era o fator diferencial do Brasil. Por gerações levou multidões aos estádios. As pernas tortas de Garrincha, iludindo olhares, pés e marcações dos adversários, eram aplaudidas de pé pelos torcedores, do seu time ou da equipe adversária. Não importava. Aplaudiam o talento.

Garrincha, Pelé, Zico, Edus, e tantos outros, faziam da genialidade do drible a marca do futebol nacional e sua supremacia internacional. Ganhamos copas com a “molecagem” do drible, que desmontava esquemas bélicos europeus e sulamericanos.

Mas driblar no Brasil tornou-se significado de humilhar o marcador.  Como se o talento não devesse mais se sobrepor aos esquemas rígidos, zagueiros rígidos, juízes rígidos. Comentaristas formais. Tolheram o direito do drible do futebol nacional, faz tempo atrasado e correndo atrás dos oponentes. Viramos repetidores do antiquado, com zagueiros de “pebolim”, presos e sem talento, tentando tolher o talento liberado dos oponentes. Na dúvida vale o pontapé para parar o craque. Mas criminaliza-se o drible, o provocador.

Na rodada de hoje, 15/04/15, da Liga dos Campeões da Europa, que é uma mini-copa do mundo, os zagueiros nacionais tomaram de 6X2. Não foi tão humilhante quanto os 7X1 da Alemanha na Copa de 2014, mas foi bem próximo, até porque venceu o talento, o drible, a qualidade que tolheram de nossos jogadores com a crítica à magia do drible.

Davi Luiz levou duas bolas entre as pernas de Suares, o Uruguaio genial. Na Segunda “caneta” o artilheiro do Barcelona fez um gol magnífico, o terceiro do time catalão. Final PSG 1 Braça 3. A vítima do Porto, dos patrícios, foi Dante, do poderoso, Bayern. Nem o técnico Pepe Guardiola dá jeito na falta de qualidade dos zagueiros da nossa Seleção. Final, Portugueses 3, alemães 1.


Talvez a rodada de hoje explique, finalmente, os 7X1 dos germânicos. Como prarticamente baniram o drible do futebol brasileiro, até excomungando os talentos dribladores, temos zagueiros que não mais enxergam a mágica dos movimentos insensatos, impensados, mas vencedores. Marcam a bola; não as asas das chuteiras que glorificam o drible sem humilhar o driblado.

Imagem da ESPN

segunda-feira, 13 de abril de 2015

É pênalti!!! Pênalti???

Mauro Pandolfi

Todo atacante na área é um canalha. Todo árbitro é um cínico. A bola vem no pé. Domina, acaricia e parte para o drible. O zagueiro vem atrasado. O avante diminui o passo, esconde a bola, o gol está a sua frente. Mas, dobra os joelhos, espera o contato que não existe, cai num grito mortal, desesperado. O árbitro estica o braço para a marca fatal, sopra o apito e... pênalti! esgoela-se o narrador desavisado. É mais fácil para os dois. As reclamações são mais duras aos não marcados.

Cenas de todos os jogos. Agora, tem também as mãos. Pena que pouca gente, ou ninguém, lê este blog, para propor uma campanha: o fim do pênalti!

O futebol é um jogo de enganos. O drible é o dom de iludir o adversário. Imagina o espaço, flerta com ele, oferece a bola e, num átimo, deixa o oponente deitado ou para trás. Sempre foi assim. Há outra sofisticada forma de lograr o rival e o árbitro: a falta cavada. O uso de câmeras denuncia a farsa mágica. Alguns árbitros caem no truque. Craques se tornaram especialistas na artimanha. Sentem o bafo, escutam os passos e preparam o ato.

Até comentaristas de arbitragens não percebem o show. Antigamente chamavam de malandragem. Em tempos politicamente correto ou de valorização da ética, o 'artista' corre o risco de sair de cena.  Mas, aí, depende das 'cores' da camisa.

O futebol é uma desistência do rugby. Alguns contrários, ou mais fracos, à violência criaram um novo jogo. Mais técnico, menos físico, mais lúdico. Após os primeiros jogos, onde os agarrões eram constantes - uma lembrança primitiva do rugby - foi estabelecida uma nova regra: a falta. Ficou proibido agarrar da cintura para baixo. O pontapé também não foi tolerado.

Imaginavam que o jogo teria poucas faltas, principalmente, perto das traves. Em nova reunião criou-se o pênalti. A lei mais burlada do futebol e, quem sabe, do país. Toda lei é uma interpretação. Além de árbitro, torna-se juiz e carrasco. Ele quem define a infração, estabelece o que é falta, escolhe a punição. É um déspota!

As mãos. Para que servem as mãos? Era a pergunta de um célebre monólogo: As mãos de Eurídice. No futebol, é uso, quase, exclusivo do goleiro. Os outros utilizam na cobrança de um lateral, numa puxada de camisa, num agarrão, num pescoção. Em caso mais extremo, num soco. Alguns transformam-se em faltas. As mãos tornaram-se vilãs. Quase todo toque virou pênalti. "As mãos afastadas aumentam a área do corpo. Isto é falta!", argumentam os teóricos da arbitragem. Não há interpretação. Há escolhas. Lances discutíveis, muito usado para favorecer clubes grandes em apuros.

O pênalti é o estelionato no futebol. Faltas triviais, quase inocentes, do meio-campo não podem modificar uma partida com um pênalti. Dois toques, no máximo. Dentro da área, a falta fatal deveria ser 'tentativa de homicídio' ou o gol iminente evitado. E, quanto as mãos? Os lances, com as ridículas marcações, falam por si. Deveriam ser, no máximo, dois toques. Eu sou radical: fim dos pênaltis! Quem sabe, os atacantes recuperem a volúpia, o desejo, o prazer de fazer um gol com a bola andando.


Ao sol e à sombra

Morreu Eduardo Galeano. A bola despede-se do poeta do verso bem driblado. Dá adeus ao gol ritmado. Mas, o apelo por uma boa jogada permanece. Eduardo Galeano é o autor do mais belo livro sobre o futebol: Ao sol e à sombra. Galeano estava no mesmo nível de Di Stefano, Pelé, Maradona e Messi.


domingo, 12 de abril de 2015

Os experientes

Chiko Kuneski

Pego carona no título da minissérie da Globo para falar de um tabu no futebol. Como na vida, a idade no esporte vira sinônimo de incapacidade operacional. Mais ainda quando o esporte transformou os jogadores em gladiadores, com físico avantajado, rapidez, agilidade, às vezes sobre humana, e uma necessidade de desempenho impensada para os que já têm uma “certa idade”.

Mas não é apenas do físico que se fazem times vencedores. Sem o talento, o raciocínio apurado e a qualidade, o vigor juvenil sucumbe. No futebol o fator físico é preponderante, mas a experiência pode ser o diferencial. E nisso o esporte não difere de qualquer outra atividade profissional. A não ser pela marcação do tempo.

Não são poucos os times de futebol que contratam jogadores ditos “em final de carreira”, sem o vigor físico da juventude, e que acabam chegando em posições que as equipes dos mais jovens não galgam. Mas, como explicar que, num esporte de contato, de forte marcação, de correria, de extenuação física de dar cãibras até em juniores, os “velhos” superam os novos?

Pelo talento. Por conhecer os atalhos do campo. Pelo raciocínio veloz em corpo não tão lépido. Pela sabedoria que apenas chega com a vivência.


Escrevo essa crônica para ressaltar o sucesso do Internacional de Lages, que diziam ser um bom time “sub40”, no Campeonato Catarinense. O time coloca-se em campo como o terceiro melhor do estado. Sem dúvida, o Inter chegou onde está pelas cabeças e pés dos experientes.







Na foto Reinaldo (9), 36 anos e 
Marcelinho Paraíba, 39 anos.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Futebol é coisa do Homem

Chiko Kuneski

A contínua exploração da fé pelos jogadores de futebol, suas declarações , exaltação do nome “do senhor” sempre do seu lado faz parecer que deus deixou de ser brasileiro para ser de um só brasileiro, no caso aquele atleta. Já tornou-se costumeiro goleiros ajoelhados com os dedos para o alto como dois pára-raios celestes captando a proteção divina. Agem como se o gol, a fonte maior da alegria e delírio do futebol, que estão lá para evitar, seja algo diabolicamente ruim.

Isso sem falar nas entrevistas depois ou nos intervalos dos jogos. “Deus nos deu a missão e estamos aqui para honrá-la”. “Graças a deus nosso time venceu”. Ou: “ganhamos porque o senhor está do nosso lado”. Ou ainda: “o gol foi obra de deus”. Mas então, deus está escolhendo determinados jogadores? Fica, desposticamente, torcendo por esse ou aquele time? Premia somente os atletas ungidos que pregam a necessidade da fé nele em atos, palavras, mensagens?

Estão se tornando cada vez mais comuns as expressões: deus ganhou... deus guiou meu chute... deus está sempre do nosso lado...  


E do lado dos adversários quem se coloca, o diabo? Perde-se ou ganha-se um jogo humano por interferência de forças divinas? Nelson Rodrigues teria razão e existe realmente um “sobrenatural de Almeida” que baixa nos campos de futebol para decidir os resultados? E na sua melhor forma, como deus?

Tenho que confessar uma paixão até cega por futebol, sempre a tive. E até por força dessa paixão penso que deus, se realmente existir, se diverte com esse jogo dos homens e com seus 22 atores como meros jogadores de pebolim, sem, contudo manipulá-los, deixando que a bola decida por seus destinos.

Os demônios estão soltos

Mauro Pandolfi

"Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que mais te peço é luta sim
Luta mais! Vai
Que a luta está no fim..."

                        Tributo a Martin Luther King, de Wilson Simonal

Aranha e Fabrício. Dois jogadores. Dois homens. Dois negros. Duas noites de bola. Aranha foi lúcido, racional. Parou o jogo e protestou.  Levou cartão amarelo. Fabrício escorregou na fúria incontrolável. Gritou, xingou, mostrou os dedos médios para os torcedores. Foi expulso.

O olhar da tevê definiu os papéis. Um close tornou Aranha um herói, um quase Malcom X. O close foi escondido pela tevê. Fabrício transformou-se em vilão, um pária que 'desrespeitou' clube e torcida. 'Ele provocou a raiva. Não vai ter punição ao Inter. Além disso, morrem 15 negões todo dia e ninguém liga", afirmou o presidente da federação gaúcha de futebol, Chico Noveletto, revelando proteção ao seu clube e uma canalhice típica dos cartolas brasileiros.

Duas noites gêmeas. Uma história da infâmia.

Acompanho futebol desde menino. Paixão e trabalho. Sempre escutei que o estádio é o lugar do desabafo, da raiva escondida. A arena onde libera-se os bichos, os monstros e os demônios. O espaço onde as pessoas expulsavam as frustrações. O estádio de futebol é o divã popular. Gritos contra a ditadura foram vociferados ali. O espaço democrático. Vaia-se até minuto de silêncio. A crueldade sempre foi admitida e, até, estimulada.  O espaço estudado por sociólogos, antropólogos, historiadores, jornalistas e turistas da Sorbonne. Eu, também, escrevi matérias abordando a democrática arena. 

O estádio é a maquete do país. Tudo o que somos aqui, somos lá. Ingênuos, românticos, canalhas, cretinos, corruptos, cruéis, cínicos, violentos, festeiros, estúpidos, intolerantes, malucos, racistas. O estádio não é uma entidade isolada do país. É a mais visível.
Os monstros assustadores soltaram as amarras. Os demônios não eram só zumbis tristes. Revelaram a face podre do país. Face que assustou os vigilantes da moral, os justiceiros dos costumes, os zeladores do comportamento, os profetas do politicamente correto. Os bandidos têm salvo conduto nos estádios. Os bárbaros replicam a estupidez em gritos racistas, homofóbicos, misóginos e agridem quem se diferencia de cores, de clubes. É necessário desmontar o 'circo' violento que se transformou um estádio de futebol ou seremos trucidados por 'palhaços' sádicos.

Joel Passos é um homem do mundo que conhece o submundo do futebol e da vida. O ex-supervisor do Figueirense é um resistente e combatente do racismo. "Você pode estudar, discutir, protestar contra o racismo. Mas, Mauro, jamais saberá o que é o racismo. Só um negro pode explicar a dor do preconceito", disse ele.


Segundo Joel o racismo não é só estridente. "O mais canalha, o mais cruel é o silencioso. Outro dia fui à igreja. Num canto do banco estava uma senhora e a bolsa do lado esquerdo. Sentei do outro lado do banco. Ela me olhou e mudou a bolsa de lugar. É muito triste isto", contou. Wilson Simonal é uma vítima da intolerância brasileira. A vida lhe mostrou que a luta jamais terminará.

sábado, 4 de abril de 2015

Domingão!

Mauro Pandolfi

"... meu domingo alegre vai ser..." Ângelo Máximo é a voz que escuto ao ligar o rádio em um programa de bregas antigos. A cafeteira avisa que o café está pronto. O mel é o companheiro da manteiga na fatia de pão. Um é pouco! Então, preparo o sanduíche de salame e queijo para o início da manhã. Arrumo numa bandeja e vou para frente da tevê. Todos ainda estão dormindo.

O volume é baixo, não identifico os nomes dos jogadores nas camisetas. Letras estranhas, números, só pode ser ... campeonato russo! Reconheço um: o ótimo Mario Fernandes, o guri que fugiu da Seleção. O CSKA vai atropelando o Zenit. Olha só! O Hulk! Poxa vida! Ele acaba de perder um gol. Normal!

O café ficou forte. O pão com mel e manteiga é uma delícia. Troco de canal. Aumento o volume e reconheço a música. É Beatles! Oba! Jogo do Liverpool! É o pré-jogo mais emocionante de todos. As bandeiras tremulam, mantas balançam, os torcedores cantam. Um show! O jogo virou só um detalhe. A festa já vi! Ah, o adversário era o Manchester United.

Pego mais uma xícara de café e devoro o sanduíche de salame. Philippe Coutinho é um espetáculo! Toque refinado, passe preciso e... que golaço! Dou um pulo. O pão espalha-se pela sala. O guardanapo foi junto. A bandeja caiu no sofá. Ainda bem que a xícara estava na mesa.  Ufa! A bronca da Elaine seria imensa.

Fui buscar o travesseiro para me acomodar. O clássico inglês estava bem disputado. Rooney empatou o jogo. No final, o Liverpool marcou o gol da vitória. O mito Gerrard, de voleio, mantém a esperança de uma vaga para a Champions League. Vou buscar uma maçã e troco de canal.

Segunda divisão de São Paulo. O Guarani, ah o Guarani de Zenon, entra em campo para enfrentar o São Caetano. Como é cruel o futebol! Não perdoa a má gestão, a incompetência, o desleixo, os timecos. O Brinco de Ouro está vazio. A bola pune, mesmo! Que pena!

Todos estão acordados. Acabou o silêncio. Desisti do paulista. Não tinha pamonha em casa. Pão francês, sim! Mais um sanduíche para acompanhar os amigos de Ibrahimovic. Fiz o sanduíche na cozinha e levei até a sala embaixo do braço para me sentir francês. O adversário é o Nantes. Olha! A camisa é igual ao do Ypiranga de Erechim! Já sei para quem torcer. A diferença é brutal e o PSG vai empilhando gols. Desisto! Pensei em voltar ao paulista. Mas, no meio do caminho tinha um português. O encarnado - já estou torcendo contra - Benfica encara o Estrela Amadora. Jogo jogado, decidido, desigual. Benfica vai enfiando 4 a 0. É só o primeiro tempo. Larguei!

Aproveito o intervalo e vou tomar banho. Estamos todos prontos para sair. A casa da vó Lídia é o passeio dominical. Antes dou uma espiada na tevê. Porca miséria! É o italiano! A Juve de Tevez enfrenta a decadência milanesa da Inter. Quanta heresia 'questa' Inter! As cores do Grêmio e este nome impronunciável. A 'viagem' é curta. Dez minutos! Quando chego lá, na mamma, a Juventus já está ganhando. Beijos todos, falo da semana para a mãe e vamos à mesa. Macarronada, vinho, conversa em tom alto, muita risada e mais um gol de Tevez. A sobremesa é sagu. Um almoço italiano. Opa! Mais um da Juve. Não descobri de quem foi.

A conversa continua na sala. Estamos esparramados. Na tevê há uma troca constante de canal. Há quem prefira ver o Bayern de Munique contra o Hamburgo. Já está 4 a 0 para a gang de Guardiola. Peguei o controle e busco o espanhol. 4 a 1 para o Barcelona contra o Levante. Três de Messi e um de Neymar. Trocamos olhares. Rimos. É agora? Um ataque para cada jogo. Sei que o Bayern empilhou mais quatro. O Barcelona se contentou com dois. Não são só partidas. O que vimos foi o futebol. A essência mais pura, a forma mais exata, o poema mais belo da bola.

A mãe chama para o café da tarde. O tempo voou. Quem está na tela é o futebol catarinense. Inter de Lages recebe o Figueirense. A primeira paixão contra o amor atual. Em algum canto da alma e do coração há o desejo amoroso abandonado da primeira namorada. Basta uma fagulha, tudo desperta. E com o Inter está sendo assim. Ah, as minhas contradições de cores, de times, este Inter tem uma sonoridade poética que não vejo nos outros de mesmo nome. Como não se encantar com o talento de Marcelinho Paraíba?

Mas, como rejeitar a fúria bendita do Figueira de Argel, que considero um dos melhores times do Brasil? O empate, o muro, só espectador. São as minhas alternativas. Despeço-me de todos. É a hora de irmos embora. O jogo continua na tela do celular até chegarmos em casa. Terminou 1 a 1. Belo empate!

Estou no meu mundo. Faço um zap geral. Vejo lances dos melhores momentos de vários campeonatos. Daqui a pouco começa o meu ritual religioso. É o Grêmio em campo. Já estou ligado nas emissoras gauchas pelo tablet e celular. O 'tuninho', como chamo o Tune In, é a melhor invenção para quem adora rádio. 

Lá vem o Grêmio! As cores mágicas, heróicas, épicas. Meu coração palpita, a alma reflete a paixão. O time se agarra na história, nos feitos. Sobrevive nas glórias do passado. Estamos ameaçados no gauchão. Felipão resiste ao tempo e ao novo tempo do futebol. Antigas táticas, parece imutável ao 7 a 1. Os guris deram lugares aos novos contratados, velhos ídolos de outras épocas. E deu certo contra o Caxias. Maicon acertou o meio; Braian Rodrigues é uma boa aposta em novo Jardel e Christian Rodriguez acelerou o ritmo no meio. Até o mangolão Douglas fez um gol olímpico espetacular. A noite vai terminando feliz.

Hora do jantar. Os meninos gritam que estão com fome. O rádio é o meu companheiro na cozinha. Escuto os vestiários, as explicações e as novas esperanças de um tempo melhor. O jantar está pronto, servido e a louça lavada. São quase dez. Não ligo para as resenhas esportivas da tevê. Vasculho em busca de mais uma partida. Encontro o River contra o Lanus. Sou fã do futebol argentino. Assisto os últimos minutos. O River vence e imagino a felicidade do meu amigo Alberto.


Onze da noite. Há videotapes na tevê a escolher. Jogos europeus e regionais do Brasil. No silêncio do quarto, apago a luz, abaixo o volume, escolho um novo jogo: 'os três pontinhos", do Sílvio Santos. O domingão foi ótimo. "Você tem certeza disso?"

Os intocáveis

Chiko Kuneski

Meu propósito aqui no Crônicas é falar do futebol,  mas às vezes o momento requer escrever também sobre política. Deixar os lúdicos personagens dos estádios para abordar o pior tema para quem vive e gosta de futebol: os cartolas.

O futebol brasileiro exibe hoje, talvez exemplado pelo país, uma crise de moralidade dos seus comandantes. A Federação Carioca de Futebol é o maior exemplo do jogo de cartas marcadas dos “políticos” da bola com os clubes.

A Ferj age de maneira ditatorial e impõem uma censura velada a dirigentes, treinadores e jogadores do campeonato carioca. Amordaça com punições extra campo quem ousa “abrir a boca” e criticar a entidade ou sua forma de atuar.

Essa federação é apenas a ponta que aparece do iceberg do esquema de desmandos e perpetuação montados pelos presidentes das entidades estaduais, que acaba sustentando a mesma lógica na CBF. Esses “políticos” da bola usam seu poder para cooptar ligas e clubes de menor expressão, que garantem maioria nas elaborações dos campeonatos, suas regras, regimentos e divisão do dinheiro pago pelas televisões para transmitirem os jogos.

Negociam cotas milionárias, sempre cobrando percentuais de administração. Os times pagam elencos, cumprem compromissos financeiros, jogam para as televisões e as federações ficam com a sua fatia das verbas por “administrarem”.

Mas isso apenas acontece porque o golpe já foi dado antes, quando da eleição dos mandatários das federações. Também garantindo maioria com cooptação descarada de ligas, times e entidades esportivas, os “políticos” da bola se perpetuam ou revezam nas direções das entidades. O clube que discordar dessa prática tem o direito de se desfiliar, mas fica sem a possibilidade de jogar qualquer partida, mesmo amistosas. É a “democracia” do “ame ou aceite”.

Os presidentes das federações não prestam contas a ninguém, não são submetidos a nenhuma regra, a não ser as que eles mesmo criam, não respondem nem mesmo ao torcedor. Veladamente, as entidades descumprem o Estatuto do Torcedor com manobras e manobras.

Mas o quadro fica ainda mais tenebroso quando o Judiciário esportivo respalda os procedimentos ditatoriais das federações, sempre punindo clubes, técnicos e jogadores. Esse é o elo perfeito da corrupção do futebol brasileiro, federações e suas justiças desportivas, que sustenta um bando de intocáveis.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

O apitador

Chiko Kunneski

Antes mesmo de inventarem as regras do “footbal” usava-se o surdo som do apito. Não era apito para adestrar cães, inaudíveis, era o trilar estridente do som da bolinha metálica batendo no corpo o instrumento de sopro, também metálico.

O apito servia para ordenar tudo. Ordenar estudantes nas escolas. Juntar competidores do remo. Determinar o sobe da bola do basquete.Organizar os corredores, disparados por estampidos de revólveres. O silvo do apito, usado pelos guardas noturnos, impunha autoridade. Sonoramente mostrava a presença da lei.

O apito é o instrumento de autoridade... Principalmente no futebol.

Não é o juiz que começa a partida; é o som do seu apito. Não é o árbitro que para o jogo; é o sopro que sai agudo de autoridade. No campo, todos ficam prosternados ao som do apito, feitos os cães, em decibéis mais baixos. Até a torcida reage, no aplauso ou na vaia, mas nunca com indiferença.

Por mais sonoras que sejam as arquibancadas, as cadeiras numeradas, os camarotes, ouvem o apito. Seu som marca o compasso do andamento do jogo.
Como o mestre de baterias das escolas de samba. Coordena. Determina. Dita o ritmo. Afina; desafina.


Independente de tecnologias para camisas, chuteiras, caneleiras, luvas de goleiros, rádios comunicadores para os árbitros, que podem ser 3, 4 ou 6, depende do momento, é o apito que manda no futebol. O apito e seu soprador.