terça-feira, 31 de maio de 2016

Esquecidos



Mauro Pandolfi

O futebol é a mitologia moderna. Há os deuses, os semideuses e os heróis. O supremo ser é Pele. Na sua órbita giram inúmeros titãs. O mais próximo é Messi. Há uma gritaria que escuto ao fazer esta observação. Não me incomoda mais. Na sua escala vertical, a mitologia tem espaço para todos. Desde os eternos até os grandes nomes momentâneos. Gênios de um jogo, de uma temporada, de jogadas únicas. Tem, também, lugares para aqueles que o tempo abandonou. Extraordinários craques que poucos, ou ninguém, lembra. Tantos estão no limbo, navegando como 'esquecidos'. Vou lembrar de dois. Roberto Dias (São Paulo) e  Marinho Chagas, (Botafogo, Fluminense, etc). Poderia citar Iúra (Grêmio),  Éverton (São Paulo e Atlético Mineiro) e Pita (Santos e São Paulo). Estão tão esquecidos que é necessário citar os clubes que jogaram para as pessoas 'refrescarem ' a memória.
O zagueiro arrepia. Joga bola para o mato. Afinal, é jogo de campeonato. Limpa a área. Não sai jogando. O chutão é o seu jogo. Alguns são sentimentais, sutis. Raros são elegantes. Rápidos, enérgicos. Não gosto dos zagueiros de hoje. Busco na memória o melhor da minha infância. Roberto Dias. Tão hábil, sutil e elegante. Gostava do chapéu. Até Pelé levou o drible. Dias era um estilista. Um anjo e o dono da área.
Dias tinha a precisão de um meia. Raramente errava um passe. Chutão? Amava a bola. Não conseguia tratá-la mal. Espetacular! Os gols do São Paulo, na temporada de 67, começavam por ele. Inteligente e tático.  Ficou fora da Copa de 66. Preferiram os medalhões Bellini e Orlando e a força bruta de Brito. E, o Brasil não passou da primeira fase. Parou por dois anos. Problemas cardíacos. Jogou até 1978 no minúsculo Nacional de São Paulo. Roberto Dias Branco faleceu, de infarto,  em 2007. Foi menos do que deveria ter sido. Um craque para o futebol de hoje.
Marinho Chagas era como o vento. Liberdade, liberdade. Era o seu mote, seu signo, seu desígnio. Flutuava pelo campo. Desfilava a bela cabeleira loira rumo ataque. Ele destruiu a barreira da defesa para o lateral. Preferia atacar. Chute poderoso. Ambidestro. O drible sempre por dentro. Ás vezes, cortava para fora. Iludia o marcador. Marinho Cagas foi o meu ídolo nos tempos de Vermelhão. Junto com Parraga, é claro!
Há uma lenda sobre  a habilidade de Marinho. Dizem, que numa festa, pediu para Chico Buarque cantar. Chico riu, disse que cantava se Marinho fizesse dez embaixadinhas com uma laranja. Marinho sorriu. Trouxeram a laranja. Marinho fez 200 e entregou, com o pé, a laranja na mão de Chico. Construção foi a música que cantou. É uma lenda! Fantástica! O mais moderno jogador de seu tempo.
Marinho peregrinou nos campos do mundo. Foi o melhor lateral da Copa de 74. Do Fluminense foi para os Estados Unidos. Na volta para o São Paulo, não era mais o lateral  inovador. O tempo mostrava as garras. Marinho fez o caminhos dos medalhões decadentes. Jogou em times pequenos até parar em 88 no Augsburg da Alemanha. Francisco das Chagas Marinho morreu em 1º de junho de 2014, de hemorragia digestiva alta. O futebol tem saudade de Marinho Chagas. Não vejo ninguém jogar como o vento.
São dois nomes. Dois ídolos. Fazem parte da minha memória de futebol. Talvez, eu exagere na análise, na qualidade do jogo, na descrição do talento. São olhares de um menino. O adulto não quer destruí-lo. Quer reverenciá-lo!


Extra série

Chiko Kuneski

O talento. No toque. No passe. No drible, principalmente no drible, no futebol ou no basquete, mais ainda na bola ao cesto, é que decide. O talentoso chama o jogo, quer a bola o tempo todo, vai sempre em busca da vitória.

O talento não permite a cabeça erguida na derrota. Sai de cabeça baixa, pensativo, indignado. Poderia ter sido mais rápido, incisivo, ativo. Nunca se satisfaz com o mais ou menos. Enverga a alma de vencedor. Um raciocínio rápido, a cabeça erguida, o pisar valente. Um “chute” certeiro.

Como magnificamente Mauro Pandolfi definiu no Crônicas por Tubo, “o passe é a essência do futebol”. Mas a ousadia do drible é o talento suplementando o passe. Formam um conjunto destrutivo das defesas quando juntos. O drible pode vir antes do passe; ou seguir depois, mas desalinha a perfeita marcação, acaba com o melhor dos esquemas.


Foi maravilhoso ver esse conjunto de passe e drible, de ousadia pura, na decisão da liga Oeste da NBA. De um lado a peraltice de Curry pelo Warriors; de outro a leveza e genialidade de Westbrook pelo Thunder. Talentos. Sempre fazem a diferença.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O Jazz da bola


Chiko Kuneski

A nota solta no ar. Uma nota sonora. Outras notas. Como Jazz o som da bola. Largada no vazio. Despretensiosa.  Sobe. Voa. Escorrega. Contraria a gravidade. Aguda. Média. Grave. Rotativa. Translativa num eixo vertical. Uma nota.

O que encanta é o momento. O movimento. O som feito do silêncio. Da espera. Da angustia. Da nova nota. Que sempre vem. Chuá. A resposta sonora das redes. As redes gostam de tocar com as bolas. São jazzísticas. Harmônicas.

Ficam esperando o momento exato de compor a magia sonora. Da percussão do toque. Grave. Do roçar sibilado no movimento contínuo. Do agudo do lance. Do “background” da torcida extasiada pelos sons. Pelas junções.

Assim são as bolas. Adoradoras dos sopros geniais. Da criatividade. Da essência do movimento, calmo, sensual, fugaz ou visceral. As bolas não gostam do mesmo, do lateral, do esmo. São agudas como o bom jazz. Inquietas e inquietantes.

Lindo ver uma bola livre, no seu próprio giro de emoção. Uma bola solta pela imaginação da criança, que a adotou como companheira, do adolescente que se imaginou crescendo com ela, como companheira, do adulto, ainda com o gosto de criança. Vivendo com o sonho da companheira.
A bola sempre encantadora. Mágica. Imitação do globo terrestre. Uma nota solta e etérea, no espaço e no tempo. Mundanamente Universal.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Vômito



Mauro Pandolfi


Nestes tempos de cusparadas, o vômito de Chiko Kuneski é devastador. Uma porrada nos cornos do futebol. Estou atordoado. Nauseabundo, tento livrar-me dos resíduos espalhados na paixão pela bola. Está difícil encarar a 'sujeira'. O mundo do futebol é podre! Surpreso? Ora, que país eu vivo? Todos os dias o ventilador da mídia espalha a 'farofa' que envolve os poderes do Brasil. Gravações demolidoras. Situações criminosas são reveladas. Manobras para escapar, evitar, destruir a Lava Jato. Uma conspiração que vai do 'azulzinho viagra, passa pelo azul marinho, chega no rosinha suave e termina no vermelhão escarlate'. Toda a corja política envolvida. Qual o motivo do futebol escapar disto? A reverência ao teatro de grama e paixão? A mitologia dos ídolos eternos? O pão e o circo? Ricardo Teixeira, Lula, Del Nero, Dilma, Delfim, Temer, Marin, Jucá, coronel Nunes, Mercadante, Eurico Miranda, Delcídio, Andrés Sanches, Cunha, Noveletto, Renan são todos personagens de uma ópera bufa, na linha de 'O Poderoso Chefão', de 'Saló', de 'Ali Babá e os quarenta ladrões'. Alguns deles terão sorte. Intelectuais e historiadores contarão um conto do vigário e os transformarão em 'heróis'. Brecht tinha razão: 'pobre do povo que precisa de heróis'. Ainda mais, os falsos. Outros, ficarão esquecidos na lata do lixo da história.

Não sou poeta. Não consigo transformar secreções em 'poesia'. Não sou Bukowski e nem o seu discípulo, Chiko Kuneski. A virulência do texto atrapalhou o meu feriado. Li de manhã. Pensei, refleti à tarde. Agora, à noite, escrevo. Não há nada a contestar o que foi dito. Nem em estética, nem em conteúdo. Se há exagero, é a do amante. Do amor subtraído. Da paixão demolida. Do sonho de um menino de Brusque devorado pelo autoritarismo e roubalheira. Qual o sentido do futebol? Pensei nisto. O jogo democrático por essência. O mais plural e diversificado dos esportes coletivos. O jogo de Davi e Golias. Futebol é o que melhor representa a vida. As derrotas, que não são eternas. As vitórias, que não duram para sempre. Um jogo de superação e virtudes. Vence quem tem méritos. Mas, meritocracia é palavrão. O culto ao 'mata-mata' é o melhor desenho do acaso. O acaso é profundamente democrático.
O olho eletrônico é cruel com a arbitragem. O olho humano é uma ilusão de ótica. Os lances são rápidos. Boas desculpas se os erros fossem eventuais. Quando repetidos, há dúvida entre a incompetência e a desonestidade. Armando Marques, ao errar a conta dos pênaltis em 1973, pelo campeonato paulista, entre Santos e Portuguesa, foi burrice ou boçalidade? Ou, em 1995, Márcio Rezende Freitas tirou o título do Santos por ruindade ou roubalheira? Os dois passaram a vida 'errando'. Desonestidade não é só o roubar. É não cumprir a lei, desrespeitar os códigos de conduta, forjar situações, perder os escrúpulos. Os árbitros de futebol são a melhor representação política deste país. São déspotas. Coronéis autoritários que manipulam a 'lei', interpretam e a criam a sua própria 'lei'. Como pode um comentarista dizer que fulano apita bem na Libertadores e aqui em ' casa', não! Aqui, ele manda, desmanda, faz e acontece. Lá fora, a lei é cumprida. Simples assim.
No filme Boleiros há uma história de um árbitro comprado. Do escanteio, acontece o gol. Anulado. Confusão. É batido outra vez. Gol. Enérgico, anula. Mais confusão. Nova cobrança. Mais um gol. Ele para, olha para quem o subornou e faz um gesto com as mãos, como se pedisse desculpa. Na realidade, nem desculpas pedem. A arbitragem é a outra ponta amadora do futebol brasileiro. Ela e os cartolas. Sujeito a pressão de todos os lados, aos interesses, as vantagens. No Brasil, o trabalho é como se fosse uma rede. Quer progredir, ser reconhecido, não rompa a rede. Não se isole. nem tenha autonomia (palavra que sumiu do vocabulário nos últimos anos), siga a manada. Os árbitros se repetem nos erros, na arrogância, na prepotência. Deixam de ser erros. São práticas de conduta. Para ser um 'roubo', é só uma questão de olhar.
Pensei em não escrever mais sobre futebol ao ler o belíssimo texto do Chiko. Não quero ser cúmplice, testemunha de tantas falcatruas. Terminar o blog era uma possibilidade. Deixaria alegre um bocado de gente (os seis leitores!), que não perderiam mais seu tempo. Mas,de manhã, ao ver a cena do garoto torcedor do Figueira, aflito com a derrota, depois a vibração com o gol, é um alento. O futebol não morreu. Resiste na paixão. Vive no amor. Na estranha força que gera a alegria daquele menino. Vou resistir e continuar 'vomitando' a minha paixão, a desilusão, o ceticismo, a angústia do mundo da bola. O futebol passa pela minha vida. E, eu gosto de viver.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Nojo

Chiko Kuneski

“ O desconforto tem que vir com vômito
Seja líquido; seja verborrágico
O nojo nos torna biliar
Manda o cérebro não pensar
Dá o comando ao fígado”

Começo essa crônica com parte de um poema pela náusea que me vem das entranhas. Estranha. Nojo. Nunca pensei em sentir nojo de ver futebol. Mas até isso conseguiram. Me marearam no balanço do roubou descarado da maré que faz a marola ao seu prazer. Venceram meu estômago futebolístico. Balançaram minha capacidade crítica que desceu às vísceras e tornou-se liquefeita e visceral.

Mas quem mudou tanto o mar da paixão futebolística que trago desde criança? Os árbitros. Os togados de apito e bandeira. Os que mudam jogos. Mudam resultados. Mudam vidas. Mudam sonhos.

Nunca pensei em escrever isso, mas me sinto com nojo do futebol brasileiro e seus juízes desatinados, para dizer pouco. Acho que são verdadeiros ladrões. Roubam desatinadamente tanto, que nos lesam até a paixão.

Apagam o racional. Nos levam ao visceral. Ao biliar amargo. Parecem espelharem-se na corrupção dos políticos e tudo mudam ao seu critério. Sem critérios. Sem conceitos. A não ser o que deve ser feito pelo encomendado. Ao seu proveito.

Foi-me o tempo de dar crédito ao descrédito e justificá-lo pela incompetência. Foi-me o tempo. É logro. É enganação. É roubo institucionalizado. A ninguém deve ser dado o direito de tantos erros, seguidos, repetidos, desmedidos, com a desculpa de falha humana. É falha de caráter.

Nós, torcedores, somos, rodada após rodada, vilipendiados, enganados, roubados e usurpados do sonho do prazer de torcer pelo time, pelo clube, pelo futebol. Os árbitros se graduaram no logro, no roubo, no proveito que lhes convém. Levam-nos a cada jogo, a cada rodada, a cada semana a magia, a fantasia, o desejo, o ensejo do bom futebol.


Estou com nojo. Enjoado. Nauseado. E a bílis comanda meu cérebro. Só me restou esse vômito.

Mais de trinta

 

Mauro Pandolfi

"A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado pelas tripas do último esquerdista"
Esta frase foi pintada nos muros de Paris em maio de 1968. Não tem nada a ver com texto abaixo. Mas, concordo cada vez mais com ela.

O mundo é dos jovens. Todos querem a juventude eterna. Fazem loucuras. Mutilam-se,  encharcam-se de cremes mágicos, correm como doidos. Alguns do corredores, buscam saúde.  Muitos, a beleza que o tempo levou. A fonte da eterna juventude é o futebol. Trintões tomam lugar dos garotos. Cada time tem a sua cota de medalhões decadentes. E, vão brilhando no futebol do 7 a 1. Não sei se isto explica o fracasso dos times brasileiros na Libertadores, nos torneios do exterior. É uma das minhas justificativas. O futebol moderno é mais intenso, mais físico, mais tático.  O veterano flutua no espaço pequeno, espera o erro, faz o passe, comemora o gol. Alguém sempre diz:  'este conhece o atalho!' Vira ídolo, quase mito, e no final, o time naufraga.
Paulo Sérgio e Marcos Valle (onde estão?) cantavam, no final dos anos 60, que não confiavam em ninguém com mais de trinta anos.  Eu, menino, via no meu pai, com pouco mais de trinta anos, um velho ultrapassado. Ele gostava de tango, Vicente Celestino e faroeste. Eu era o futuro. Amava os Beatles, Rolling Stones, Roberto Carlos e lia os gibis dos heróis da Marvel. Agora, ando repetindo meu pai. A cena de cinema que mais gosto é Al Pacino dançando um tango em Perfume de Mulher. No banheiro canto O Ébrio e sou fissurado em faroeste. Belchior tinha razão: 'somos os mesmos e vivemos como nossos pais'..
O passado não passa. Mas, o tempo não para. Para fugir da ausência dos craques, os clubes buscam os medalhões que a Europa não quer mais. Entram nos lugares dos jovens que a Europa (ou a China) manda buscar. Vieram tantos. De goleiros ao centroavantes. A maioria dos goleadores marcaram menos gols, em suas carreiras, do que Rogério Ceni. Na segunda rodada do brasileiro, eles se destacaram. . Grafite, 37 anos assumidos, fez dois.  O He-Man, com mais trinta, também balançou a roseira duas vezes. O mesmo que Bruno Rangel, 33.. Há os meias artilheiros. Renato, quase 40, fez o gol da vitória do Santos. O robusto Kleber (33 anos) fez o do Coritiba. E, para minha surpresa, ele ficou mais em pé do que deitado. Ricardo Oliveira, 37 anos, foi cortado da seleção por lesão.  Em seu lugar, Dunga  chamou Jonas, 31 anos. Um garoto!
Velhos e meninos. Os times são formados assim. Os craques dos times tem menos de 20 ou mais de 30. Os de idade entre as duas faixas, que completam o time, são os que a Europa não desejou. São jogadores de Série B ou C jogando na A. Os melhores desta faixa já disseram adeus. Voltarão no final da carreira. Esta ausência causa o mau futebol jogado no Brasil.  Lento e sem imaginação.  Apressado e burocrático.  Não há saída.  A crise financeira e a má gestão dos clubes impede qualquer alteração.  Só uma revolução mudará isto. Uma liga profissional, o fim da cbf e das federações, dos estaduais.  Poucos desejam a mudança. Querem manter os privilégios, as vantagens, o controle. Tudo está dentro da ordem no Brasil
Velho, sem sonhos, utopia, esperança, nada tenho a oferecer ao mundo. Tudo que acreditei, fracassou. Esperei uma revolução que nunca veio. Ainda bem. Hoje sei que seria totalitária.  Meu filho André faz 18 anos esta semana. O mundo é dele. Que ajude a transformação da Humanidades.  Use a sua arte, seus desejos de ser professor, para estimular a rebeldia fora dos conceitos mofados. Para terminar uma outra frase de 68: "Abram vossos cérebros tantas vezes como a braguilha"..

segunda-feira, 23 de maio de 2016

O mago

Mauro Pandolfi


No imaginário do teatro de grama e paixão há um mago. O criador de lances. O arquiteto das jogadas planejadas. O pensador. Aquele que a bola procura. Aconchega-se em seus pés. Obediente, desliza rápida ou lenta. Segue o rumo do coração e da mente. O craque desejado, suspirado, idealizado. Falam em mitos de um outro tempos. Tão distante que parece fantasia. Uma invenção. Mas, ele existe. O genial. Andres Iniesta Luján não é 'real'. É só o regente do Barcelona. O inspirado condutor do time mais vistoso do planeta. Quando olha para o lado vê Messi. Já Neymar e Suarez precisa virar a cabeça.
A bola sai reta da defesa. Ele recebe, dá um toque. Suave. Percebe o companheiro logo adiante. O passe é perfeito. Avança. Abre os espaço. Recebe a bola. Cabeça erguida. Lê o jogo. Observa a movimentação. Tem uma esquadra a sua frente. São muitos. A passada é rápida. O olhar atilado desvenda o mistério do jogo. Os parceiros sabem o que fazer e o que Iniesta fará. O jogo ensaiado. O passe é certeiro. O gol é uma questão de acerto do atacante. A jogada executada por um mago. Iniesta é o mais fantástico jogador do mundo. Sábio. O que torna o futebol uma arte simples, encantadora, eterna.
Domingo vi mais um titulo do Barcelona, a Copa do Rei. Iniesta e Messi desequilibraram. Neymar confirmou a vitória. Um jogaço! Não há um Iniesta por aqui. Uma multidão de Mathieu ocupa o futebol brasileiro. É a hora do café. A bola ainda preenche a tela da tevê. Buscamos o diferente, o esquecido, o perdido. Adeus, série A. Encontramos a C. Um clássico caipira paulista: Botafogo x Mogi Mirim. A bola tenta escapar dos maus tratos. Corre, derrapa, se perde. Um jogo monótono, fraco, sem graça. "Este é o real futebol do Brasil. Viramos isto. Iniesta e o Barcelona vivem em outro tempo, um outro jogo", define o meu irmão Márcio. Procuramos um Iniesta. Ademir da Guia, Zenon, Zé Carlos, Falcão são lembrados. Eu prefiro Carpegiani. Um maestro como ele.


Se eu fosse Caetano, diria que Iniesta é a mais perfeita tradução do futebol. Como não sou, acho que Iniesta é a síntese do jogo. Ele representa o todo. É, também, tudo o que o futebol é! Ou, o que sonhamos.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Largados e pelados

Mauro Pandolfi

A minha vida passa pelo futebol. É a paixão mais antiga. A sobrevivente. O menino que adorava olhar pela janela do quarto e ver a trave do Vermelhão me visita de tempos em tempos. Lembra dos jogos, dos gols, da alegria. O futebol é um amor eterno. E, navego em todos os chavões românticos. O prazer, o sofrimento, a decepção, o êxtase, a superação, o quase rompimento. A ideia do rompimento acaba ao ver a bola rolar. O movimento, o passe, o drible, a roubada de bola, a fúria, a inteligência, a estratégia, me mantém apaixonado pelo jogo da bola. Eternamente encantado.
O teatro de grama e paixão é o meu culto. Preparo-me como alguém que vai a missa. Os livros com cantos, a pequena bíblia, o terço, a fé levados com carinho à igreja em busca da verdade, da paz, da serenidade.  Busco nos meus alfarrábios as informações do jogo. A escalação, os jogadores, os treinadores, as estratégias. Quem pode surpreender e quem pode 'entregar'. É um hábito quem vem desde o tempo de jornal. Raramente vou só com a alma, a coragem e o desconhecimento. Não consigo ser só torcedor. Ver o jogo só pelo prazer de ver. Analiso, anoto, rascunho uma crônica, que nunca publico.  A paixão virou profissão. A profissão ficou no passado. A paixão nunca mais foi romântica. Virou hábito, como um casamento. Um belo casamento!
Mas, há dias que largo tudo. Me sinto traindo a amada. Vou buscar outras coisas. No último domingo, a primeira rodado do Brasileiro quase levaram-me ao 'divórcio'. Ruim. Muito ruim. Péssima. Jogos para abandonar o amor. Longe de um bar, procurei um 'abrigo'. Troquei por Largados e Pelados. Um casal tentando sobreviver na selva. Dura, vida dura, desesperadora. Igual a rodada. Porém, lá, no programa, havia a virtude da sobrevivência. No intervalo faço um zap. Descubro o videoteipe do Barcelona. Messi, Suarez e Neymar mostram que jogar bola é um ato de paixão. O 'relacionamento' foi salvo a dribles, passes e gols. Como é bonito o futebol jogado com poesia.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

O acaso vai nos proteger

 

Mauro Pandolfi

Sou um herege. Vou contestar um ídolo. Da bola e das letras. O genial Tostão, em sua coluna da Folha há duas semanas, afirmou que 'os treinadores ignoram o acaso'. Ledo ivo engano (saudades do Planeta Diário), Tostão!. Os técnicos, no Brasil, apostam no acidental, no imprevisível, na sorte. Traçam planos. Arquitetam sistemas. Treinam movimentos. Tudo planejado nos mínimos detalhes. Sempre para defender. Tirar o espaço do adversário. Anular o jogo. E, para vencer, o que fazem? O acaso nos protege. Um erro do zagueiro. Uma bola rifada que torna-se um lançamento que Gérson assinaria. Um drible. Um frango. Uma ajuda amiga da arbitragem. Uma falta bem cobrada. Jogadas ofensivas, planejadas, treinados, bem executadas? São raras. Nesta primeira rodada do Campeonato Brasileiro não vi nenhuma. Agora, as linhas defensivas, os quinze metros dentro do seu campo, a zaga enterrada, o atacante longe,   em quase todos os jogos. Sem falar nas 'retrancas' dos últimos minutos.Balão para dentro da área. A busca de uma cabeça. Dá-lhe sufoco! Para quem defende. Para quem assiste.
14 gols em dez jogos. Duas goleadas de quatro. Cinco 1 a 0. Três 0 a 0. Poxa! A 'tragédia' da Copa de 14 não passa. Não há evolução. A busca do novo revela-se um pastiche. Os técnicos estrangeiros no país adoram um futebol mais anacrônico que os brasileiros. Defender sempre. Atacar, quando der. São Paulo e Atlético, pela Libertadores, fizeram um dos piores jogos da temporada. Muricy Ramalho viajou para entender, aprender, observar o futebol europeu. Esteve em Barcelona. Conversou, ouviu, assistiu. Como um doutorado. Seu Flamengo é um arremedo. Desorganizado, defende mal. Confuso, não ataca. Muricy não conseguiu implantar o 'novo'. E, o pior, esqueceu do 'velho'. Em nada lembra o treinador do São Paulo. Lá defendia bem e tinha uma rápida saída de bola e velocidade para o ataque. Sem esquecer as cobranças de faltas que acabavam em gols. Uso, Muricy, como referencia. Os técnicos tentam repetir os grandes times da Europa. Assistem os jogos, estudam os sistemas. Mas, não entendem a alma, a mente e o coração. Não é repetindo os esquemas que há transformação. Tem que descobrir o motivo de jogar assim. Decifrar a mentalidade. Senão, vira paródia.
O moderno é muito longe daqui. Estou careca em dizer que o passado nunca passa. Vivemos preso num imaginário de futebol. Uma visão idealizada, lírica, idílica. O futebol como fantasia. Só fantasia. A fuga deste imaginário tem revelado uma realidade triste, cínica e caótica. O 'novo' é desconhecido. Guardiola, Luís Henrique, Jurgen Klopp, Sampaoli são mais do que nomes. São ideias, que talvez, por instantes apareçam nos campos brasileiros. Quem será o modelo dos treinadores é Diego Simeone. O mais tosco deles, Argel Fucks, deixou bem claro contra a Chapecoense isto. Truncado, pegado, fechado, uma bola rifada, o acaso. E, o jogo fica chato, monótono, sem graça, o estádio vazio, a vaia e eu troco de canal em busca de um filme, de um show, de qualquer outra coisa. Como o diz o meu irmão Mário: 'o melhor que a tevê faria para o futebol brasileiro, é não transmiti-lo'. Será?

terça-feira, 10 de maio de 2016

Ufa!


sábado, 7 de maio de 2016

O Telê do século XXI

Chiko Kuneski

O Bayern de Munique garantiu um inédito tetra campeonato alemão, os últimos três com Pepe Guardiola. Mais uma vez o técnico catalão demostra que é possível jogar bom futebol, tático, técnico, inteligente, e ser campeão.

No meio da semana esse futebol “arte” de Guardiola foi questionado pela retranca do jogo não jogado, do jogo marcado, do jogo de roleta. Simeone apostou em linhas bélicas (logo contra um time alemão) no embate da Champions League. Perdeu. Em tudo que se refere a quem admira o futebol bem jogado. Venceu no resultado. Mas manchetes ficam para a história; as lembranças somente para quem a viu parte da história.

Todos os números, analisados friamente, dariam um sucesso estrondoso de Guardiola contra Simeone. Mas o futebol não é numérico. Não é basquete. Não é vôlei. Futebol é futebol. A torcida quer somente conquistas. O apaixonado gosta do espetáculo. Do criativo. Do movimento.  Da poesia das chuteiras aladas. Ou do teatro de grama, como magnificamente define Mauro Pandolfi a encenação do futebol.

Depois de Telê, o estrategista, nunca mais tivemos um técnico que gosta de ver e mostrar bom futebol no Brasil. Sua seleção perdeu e com essa derrota criamos uma escola de treinadores que apenas se preocupam com o como vencer. Dizem que somente os gênios compreendem gênios. Acredito.


Gruardiola quer vencer, claro, mas não ao custe o que custar. Apresenta movimentação, passes e usa o drible do craque no espaço reservado ao craque. Sabe que o drible sempre muda um jogo, entende isso. Mas para ter o drible é preciso ter a bola. Esse é Guardiola. Meu Telê Santana do século XXI.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

A cor do vento

 

Mauro Pandolfi

Quinta, quase onze, saio para abafar a amargura. Na frente do boteco do Ilgo, escuto a gargalhada que vem do fundo do pequeno bar. É o meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. "Quem disse que a derrota não é boa? Olha aí  o meu amigo Mauro. Alemão, traga um gim para este homem triste?"  O abraço é apertado e consolador. 'Estou cansado de perder, Rai! Não vamos sair desta inhaca?' Quando? Algum dia?' Bebo o gim em um só gole.
Rai recosta na cadeira. Bebe o gim e pede outro. Ajeita os braços na mesa. É a hora da reflexão. Vai falar bastante. Ouvirei em silêncio, sem interromper. "O sol tem brilho, Mauro.  Até na minha escuridão, já que pensam que um cego vive no escuro, tem cor. Uma luminosidade que me encanta. A lua cheia produz uma luz com uma intensidade única, que machuca meus olhos, diria .. que me cega!.  Isto ajuda a distinguir as fases. Mas, e o vento, Mauro? Qual é a cor do vento? É a percepção mais nítida que tenho. Preciso os meus cuidados com ele. Afeta os meus sentidos quando estou na rua. Me atrapalha os movimentos. Sei que o vento é o parceiro do tempo. O que provoca medo e mudança.  Assim é a derrota. Mais do que a frustração, desperta o temor. Tudo parece errado, sem possibilidade de um acerto. Nos destrói, aniquila, até provocar a transformação.  É a derrota, como o vento, que inventa a vida, que gera revoluções. A derrota é eterna, assim como uma grande ventania. Será a lembrança que criou a vitória ou a que nos derrubou de vez? Depende da escolha. A vitória é fácil. Alegra e esconde. Tudo é perfeito....por instantes, não mais que instantes. É momentânea, fugaz e ilusória.  Mas, é gostosa, mágica, feliz. A minha vida é uma sucessão de derrotas. Quando tenho uma vitória, saio de órbita. Curto a boa sensação.  Porém, dura pouco.  Logo em seguida, a vida lembra das minhas derrotas. Aí, eu cresço, aprendo e vou vivendo, curtido de soledad!"
Adoro ouvi-lo. É um ilusionista das palavras. Busca metáforas, casos, pensares. Gosto da provocação. 'Vivo perdendo e ainda não sei lidar com as derrotas. Queria vencer...' Sou interrompido. "Teu ceticismo impede de aproveitar a derrota. Tu só vê o negativo, se perde ali, não entende a transformação". Agora, sou eu quem interrompe. 'Eu e o Grêmio, tanto que perdemos que deveríamos ser mais sábios que Confúncio! Não é?'... A gargalhada explode em uma alegria geral."'Gosto de teu humor. Ainda bem que tu brinca com a derrota. Não vou falar mais. Descubra e aprenda o valor delas. Só você vai entender os teus dilemas e os do Grêmio!"
Engulo mais uma dose de gim. O boteco do Ilgo é o lugar dos derrotados. Desempregados, frustrados, pobres, miseráveis, mendigos, poetas, aposentados que buscam o prazer da conversa pela conversa. Ninguém quer convencer ninguém.  Só rir, beber, passar a vida perdida em um momento de paz. Política, futebol, vida, discutidas entre galhofas e piadas. Pago a conta e me despeço de Rai. "Ainda é cedo, Mauro! No entanto, vá tranquilo. O vento e o tempo estão em mudanças.  Tudo vai passar. O nosso drama, a inhaca, o inferno astral está no fim. Vão manter o Roger e os guris, o Grêmio será campeão ..." Não o deixo terminar. Indago, meio irritado, meio angustiado: 'Está escrito nas estrelas ou no fundo deste copo de gim?' , pergunto. Rai não se altera. Encara-me e dispara."Homem de nenhuma fé, incrédulo, não importa onde está escrito. O que interessa é o crer. Aí, depende de você!". Não tenho sonhos, acho a utopia uma tolice e esperança é só uma amiga da infância. É hora de ir. Dou um abraço em Rai e vou.  Antes de sair, ele me chama. "Preste atenção no som do silêncio ao ir para casa. A nossa história está lá, a fé também. Acredite no futuro que o vento trará". Ao sair, escuto a voz grave de Rai cantando Simon and Garfunkel: The sound of silence. Entendi o que falou. Fui em paz, triste, assobiando o belo hino de Lupi, pensando.... As derrotas não são tão dramáticas. Afinal, só assim encontro Rai. Só assim me encontro. Só assim entendo o jeito gremista de ser. Então, eu vou, como diz o Rai, curtido de soledad!

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Que jogo é este?