sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Dez anos!


Mauro Pandolfi

Impossível! O substantivo masculino do imponderável se transmutou em um outro extraordinário: Inacreditável! Há dez anos, um guri de 17 anos provocou esta mudança no léxico.  Anderson andou, flutuou, driblou zagueiros, entrou na área, deslocou o goleiro e transformou um simples gol numa façanha épica, eterna, contada como fantasia em todo mundo da bola. A Batalha dos Aflitos é o momento em que os gremistas descobriram que Cândido Dias inventou em 15 de setembro de 1903 foi a alma. O futebol é o elo que une as almas negras, azuis e brancas.
71 segundos tem o tempo da magia. Do pênalti defendido por Gallato ao gol de Anderson. Do medo, desespero, desconfiança, vergonha para a alegria, o prazer, a mistificação. Sete homens e um destino. A libertação da dor gremista. A fuga da 'humilhante' segunda divisão. É a grande vitória do Grêmio. Não é a maior. É a   mais impactante. O título é irrelevante, até desnecessário. A conquista é fantástica, mítica. É a nossa glória. A imortalidade cantada no hino é materializada.  Esta Batalha é o maior drama contado no teatro de grama e paixão.
Mas, é também a marca da nossa 'tragédia'. Somos reféns do feito. Esperamos sempre que se repita. Um lance, um pensamento mágico nos libertará, outra vez. O meu amigo Rai Carlos, o vidente cego, afirma que o Grêmio voltará a ganhar títulos quando deixar de ser imortal. "O novo só vem quando o velho vai embora. Para renascer, tem de morrer. O imortal é eterno. Vive dos feitos antigos. Só com fim do Olímpico e a Batalha dos Aflitos se tornar somente história, seremos campeões", afirma. Como um feito deste não ser eterno? Impossível! Inacreditável torná-lo algo mortal!.
Era sábado. Quente, muito quente, infernal. Fim do sufoco. Liberdade! A volta! O dia do casamento da Ellis e do Guido. Era o padrinho. O terno já estava separado. O jogo corria forte. Pedro e André, pequenos, saudades daqueles dias!, assistiam comigo. A Elaine estava se arrumando. Bisbilhotava sorrateira os lances. "Quanto tá?", perguntava. Veio a confusão. Parei. Um expulso. 'Meu Deus', exclamei. O pênalti. A segunda expulsão. 'Ferrou!', falei. A terceira expulsão. "Calma, pai!", diz o André. A quarta. 'PQP!', berrei. A Elaine veio até a sala. "O que foi?", quis saber. Contei. O pênalti vai ser batido. Silêncio. O jogador corre, bate, Gallato ... defende!!!. Vibramos! Nem deu tempo de gritar. Anderson está dentro da área....é golll! Pulamos, gritamos, saltamos, nos abraçamos. As lágrimas escapam. "Vou estragar a maquiagem", choramingava a Elaine. O bom senso dela não deixou eu ir ao casamento com a camisa do Grêmio. Lá, encontro o Márcio e o Mário. Abraçados, cantamos o hino. O dia de futebol mais emocionante de nossas vidas. Nada será maior.
Dez anos! O tempo passou. Vivemos tantas coisas. André e Pedro são adolescentes. Não gostam de futebol. A Elaine continua bonita. O Mário, o Márcio e eu ainda nos encantamos com o futebol, nem tanto com o Grêmio. A bola ainda me seduz. Vibro, suspiro pela bola bem tratada, bem jogada. Um belo jogo de futebol é uma das melhores aventuras da vida. No entanto, quando escuto o nome A Batalha dos Aflitos o coração dispara, aflige, machuca. Me sinto mais torcedor, amante tricolor, um imortal. Eu sou um highlander gremista. "Até a pé nós iremos......"!

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A grande dicotomia

Chiko Kuneski

Qual a diferença de comentar e analisar? O conhecimento. Por isso não existem analistas no futebol. São comentaristas. Tecem conceitos do jogo dentro do censo comum. Alguns parecem até meros participantes de mesa de bar: torcedores. Comentar é simples; analisar requer mais do que apenas o óbvio.

A dicotomia está nisso. No óbvio.

O analista vê e reconhece o óbvio, mas dele não fala. Não há necessidade de falar o que todos já sabem. O que todos já viram. A análise não tem espaço para torcer. Dizer o óbvio é expressar, sistematicamente, ou falta de conhecimento; ou soberba. O soberbo sempre fala de si mesmo e de seus pontos de vista.

Esse é o comentarista. Esses são os comentarias do futebol. Sem conhecimento para uma análise do tridimensional do jogo, se limitam ao plano. Usam, na maioria das vezes, apenas a prática para sobrepujar a teoria analítica. Dizem somente o que acham, sem mensurar se quer o conjunto. Jogam junto.


A limitação de comentar materializa-se na falta do abstrato. Tudo é plano. Tudo é um plano. Ardiloso para esconder o que não se sabe com a falsa ideia de que de tudo se entende. E ai o óbvio se sobrepõe à capacidade analítica. Pela necessidade do óbvio.  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A dor, a esperança, a vida


Mauro Pandolfi

O futebol é pouco mais que um gol. É encanto que seduz a alma. Envolve corações e mentes. Não é só espetáculo. É bem mais que teatro de grama e paixão. Também, não é apenas um jogo arriscado e fascinante. O vencedor nunca terá a eternidade, a glória definitiva. O derrotado nem sempre perde só a partida. Às vezes, o rumo, a ideia. A derrota pode ser momentânea e transformada em vitória instantes depois. Futebol é  pouco mais que nada. É o melhor olhar que tenho sobre a vida, como decifro a existência, a minha, é claro! Domingo, melancólico na frente da tevê, assistindo os gols, entendi a dor e a delícia da vitória, da derrota, da superação, da esperança, da irritação, do medo, da revolta.
A queda para a segunda divisão é uma dor avassaladora. Cortante, profunda, que deixa marcas na alma.  Sentimento que pede abandono. É a tristeza incurável.  Solidão doída. Rejeição a paixão de uma vida. Negação de identidade. Quem nunca sofreu a queda não entende o processo, o milagre da vida, do futebol. Só tempo ameniza o sofrimento. A desgraça vai se revelando não ser trágica.  A 'tragédia' no futebol  é uma farsa que lembra as gregas, de Nelson Rodrigues, de Shakespeare. São de dores na alma, não físicas. O tempo vem. Outros jogos, novos campeonato, vitórias, a vergonha superada, a glória reinventada e o grito libertador na garganta. Como é mágico o futebol!
No prédio onde moro há uma família de vascaínos. Gente alegre, festeira, bem humorada. No último encontro no elevador, estavam silenciosos, tristes. O pequeno vestia orgulhoso a camisa do Vasco. 'Difícil a situação de vocês, hein? falei. O pai, não vou revelar os nomes, pois não pedi autorização deles, me olhou quase chorando. "Outra vez, não! A gente sofre demais. Os parentes e os amigos não perdoam", reclamou. O filho maior concordou. "Vou torcer só para os times de fora se o Vasco cair". Hoje, ao sair para o trabalho, encontro eles. Há sorrisos. "Vamos escapar", repetem em coro. Esperança, desejo, medo, vergonha, dor, tristeza, superação. O futebol é pouco mais que nada. É só a vida!

sábado, 21 de novembro de 2015

Futebol é Shakespeariano

Chiko Kuneski

O futebol não é apenas entretenimento, como alegam alguns, nem uma guerra de nações, como apregoam outros. É um teatro com palco de grama, magnificamente definido pelo jornalista Mauro Pandolfi num de seus textos do blog Crônicas por Tubo. E, como todo teatro, começa na qualidade dos atores que materializam um script bem escrito, com ensaios exaustivos e, finalmente, atuações encantadoras, quando o individual rouba a cena.

Mas o futebol é um teatro participativo. A plateia não se limita a assistir, analisar, aplaudir ou vaiar. A plateia é coadjuvante. Às vezes vira “escada” para que os atores melhorem sua interpretação. O torcedor é a retumbância. O calor. A paixão.

Como no teatro, o futebol é apaixonado e apaixonante. Shakespeariano na essência. Tem romance. Tem drama. Tem comédia, mas, acima de tudo, é feito de tragédia. Do sofrimento. Da paixão desenfreada. Shakespeariano do começo ao fim.


O futebol reúne o teatro completo. Num bailado treinado no passe perfeito. No musical dos coros das torcidas. Na emoção do riso do gol; do choro do gol. Mas, acima de tudo, é o teatro mais completo no poema recitado no monólogo do drible. 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tonelada

Mauro Pandolfi

Noel Caminha percorreu todas as entranhas do futebol. Seus passos estão marcados nos vestiários, gramados e burocracia.  Foi um ícone no campo e na estrutura do esporte. Trabalhou no mundo e navegou no submundo da bola. Viu tudo. Craques, times espetaculares, subornos, títulos ganhos, perdidos. Noel Caminha é um sinônimo de futebol. É, também, um hábil contador de histórias.  Prefere a do 'mundo', a divertida, a épica.  Mas, há momentos em que revela o 'submundo'. São raros. Começa e para.  "Tenho família!", justifica'.  Na semana passada entrei no boteco do Ilgo em busca de uma coca de dois litros e o vi. Rodeado de amigos contava historias. Fiquei encostado no balcão, ouvindo. Sempre espero que Noel conte alguma falcatrua que viu, ouviu ou participou. Não era. Era do tempo de treinador de base.
"Eu tive dois grandes na minha mão. O Naldo era jogador de hoje. Espetacular! Jogava na defesa, na armação e concluía com precisão. Um craque. O outro foi o Celsinho. Muito habilidoso. Um domínio de bola, do lance e uma visão periférica que nunca vi na vida. Trocaram o Naldo pelo Walmor e o Alcebíades. Lembram disso? Pois, os bondes foram para o time de cima. Eu fiquei sem  o melhor jogador do meu time. Perdemos o primeiro turno. E o segundo turno estava no fim. Um ponto atrás e tinha o clássico. Não tive dúvida. Escalei o Celsinho.Tu é louco, Noel? Vai colocar o guri numa fria? me diziam.."
E, não era? perguntou um dos ouvintes.
"O futebol é assim, meu caro! Apareceu a chance, tem de aproveitar. O bom, jogador surge em jogos leves. O craque na pedreira, na podre, na dificuldade. O Celsinho tava pronto. Fomos para o jogo!"
Noel faz uma pausa. Pede mais um bolinho e bebe o copo de cerveja. Faz um suspense, um charme.. "Deixa de enrolar. Conta logo!", pedem os ouvintes.
Cara de brabo, Noel não gostou da pressão. Ele tem pouco mais de um metro e meio. Mas, é tinhoso, atrevido, brabo e não tem medo de nada. "Calma, porra!  O meu time era muito bom. Defesa firme, agressiva, que chegava junto. Do meio para frente, era um espetáculo. O melhor era o Celsinho. A equipe do Silva era rápida, veloz e não fugia do pau. E, jogava pelo empate. Quando vi que o juiz era o Cunha, entrei em desespero. Eu queria o Mangueira. Ele era dos nossos. O Cunha, sobrinho de um sargento da Marinha, era o xodó da federação, esperança e amigo do Silva. Pensei, tô fodido!....
A história é interrompida por um velho amigo de Noel. É Rui, antigo centroavante dos times dele. Se abraçam, trocaram gentileza até que que alguém reclama. "A história Noel, parou aí?" Noel dá um sorriso, um sinal com as mãos de calma e pede uma cerveja para o Rui. "Silva não conhecia o Celsinho. O guri começou barbarizando. Ocupava todo o campo, confundindo a marcação e já tinha metido uma bola na trave. Silva levantou do banco, chamou o Manuelzão, seu beque, e mandou baixar o sarrafo no Celsinho. Ele apanhou um monte. No chão, com pontapé, até admito. O Cunha só mandava seguir o jogo. Aí, o lateral dele apelou. Deu um soco na boca do Celsinho. O Cunha marcou falta de dois lances. Entrou médico, o jogou parou e chamei o Simão, meu centroavante, e disse: tu vai deixar o teu amigo apanhar assim? Dá também, porra! Pode deixar, chefe! falou ele. O jogo recomeçou. A bola foi para a área. Simão disputou com o Manuelzão. A cotovelada foi bonita, certeira, disparou sangue para todo o lado. Cercaram Simão e o Cunha já veio com o cartão vermelho na mão. Porém, não ergueu..."
Noel parou. Ele é assim. Vai contando em capítulos. Percebe a audiência, se todos estão interessados na história, continua com detalhes ou termina rapidamente se os ouvintes não dão muita bola. O bar estava todo ao seu redor. O Alemão, dono do boteco, é quem pediu. "Poxa, Noel! Termina a história!". Noel passou os dedos no bigodinho fino, estufou o peito e emendou: "...invadi o campo. Fui para cima do Cunha. Dedo em riste, na ponta do pé, o cavalo do Cunha tinha quase dois metros, fui falando: Tu é safado, ladrão, sem vergonha, tá na gaveta, ordinário, filho da puta, vou te encher de porrada! Dá arquibancada eu escutava: dá nele, seu Noel! Dá na cara que a gente ajuda! Levei ele de área a área, xingando e disse tu não vai expulsar o meu garoto, tá ouvindo? Se expulsar, eu te quebro! O Cunha tava assustado, com medo da minha reação e da torcida. O Cunha me empurrou e disse: vou dar amarelo para o jogo continuar. A próxima, expulso. O jogo retomou, e ficou calmo. Ele tava de olho no Simão, louco para expulsar. Então, chamei o Tonelada. Um galego de 1m88cm, mais de 115 kg. Um touro de forte. Gordo demais. Gente muito boa. Usava a camisa 15. Era a única que servia. Ele ficava espremido, ensacado, a barriga aparecia. Um bom atacante. Dei duas instruções. A primeira foi para ele avisar o Cunha. Se tivesse uma expulsão, apanharia lá fora. A segunda, vai com tudo".
A história fluía bem. Noel garantia a audiência. Mais uma cerveja, ele desatou a falar. "O jogo tava terminando. O Silva armou uma retranca para segurar o empate, que dava o título. Mas, a bola gosta do carinho. Caiu no pé do Celsinho na esquerda. Driblou o lateral e cruzou no meio da área. Tonelada entrou com tudo. De cotovelo no zagueiro, empurrou o goleiro com a mão e cabeceou para a rede. Os três se embolaram no chão. Mesmo caído, olhou para o Cunha apontando o centro. Golaço! Na saída, ele terminou o jogo. Aí, foi a vez do Silva complicar . Não gosto de gente que não sabe perder!"
'E, o seu time foi campeão, Noel?', perguntou alguém. Ele riu  feliz. "Claro! Aquela equipe ficou mais de cem jogos invicta. Ganhamos a final.." Eu interrompi: quem foi árbitro?  Noel respondeu: "O Mangueira, é claro!" Todos riram. E, já saindo do bar, perguntei: quanto custou o título? Noel riu mais ainda. "Porra, Mauro, tem parar com esta mania de achar que sempre subornei juiz. Ei, Alemão, uma rodada de cerveja para todos!".

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Crônica temporal

Chiko Kuneski

Os deuses do futebol certamente estavam irados. O acerto não deu certo. As apostas sucumbiram. Seria o jogo das Américas.  Mas faltava um semideus. Do alto. Do campo de botão celeste resolveram fazer uma mesa redonda. O retângulo é para os mortais.

- Usted tiene la espalda de uno; pero tenemos una falta de outra!

- Não é nossa culpa. Se está, está; se não está; não está! Tenho habeas corpus para estar não estando ou não estar estando. Entendeu?

- No entiendo esa afirmación!

- Entende... Você apenas quer “melar” o jogo!

- Y quiere lavarse las manos!

- Se assim você prefere, por fazer de uma ausência uma milonga americana, lave você!

- Así que, si quieren, llueve.


- Por isso gosto desse jogo. Ainda somos os deuses do futebol americano. 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A bola gosta da pele

Chiko Kuneski

A bola não rola; quica. Mas o pé descalço entende o movimento. Dela, do quique, do momento. Pé do chão. Pé do chão. A bola não importa. É importada. Não é sua. É uma bola do outro, do dono da bola. Do dono  de um jogo. Do ditador das regras.

Quatro pés. Uma bola. Um só domínio. Dois meninos. De um lado o sentido da terra, barrenta, molhada e escorregadia. Do outro, da firmeza das travas. Da chuteira. Quatro pés. Duas ideias. Dois ideais.

Logo a bola mostra que não tem dono. Matreira, quica. Aproveita a lama e fica escorregadia. Sempre acha o espaço para escapar de quem pensa que é sua. Gosta de carinho. Do envolver. Da suavidade. Do movimento. Prefere o toque íntimo. O desejo por ela; não pelo mero couro grifado.

Por mais que a negociem. Vendam. Comprem. Tentem se apoderar, sua circunferência escapa dos que se acham donos. Dos que acham que mandam. Dos que pensam tê-la para ter o comando. A bola é traiçoeira demais para o subjugo, o falso agrado. A bola prefere o carinho do trato. A bola prefere pele. 

O candidato


Mauro Pandolfi

Pelé  é único? O mundo futebol não admite outro. Sempre tem um argumento para derrubar quem ameaça o trono. Garrincha era só um driblador. Jogava pelo lado, para torcida, era só a alegria do povo, afirmam. Maradona tinha talento transpirando por todo corpo. Cabeça, pés e mão.  Só tem um mundial, dizem. Messi é autor de lances impossíveis, extraordinários, mágicos. Não conseguiu uma Copa, declaram. Há tantos, de tantas vozes, cores e ilusões. Não tinham a técnica, a condição atlética, a habilidade, o talento. Agora há Neymar. Tem a mesma origem. O mesmo sorriso. E, faz gols que Pele assinaria. Será que Neymar é um candidato a Rei? As suas fotos já decorram quartos de jovens que gostam de futebol, de estrelas, e celebridades.
O drible é um fascínio para muitos que amam o futebol. Eu prefiro o passe. Chiko Kuneski trata o drible como arte. Criou uma expressão precisa do driblador: asas na chuteiras. Neymar é um atacante alado. O futebol é um jogo de olhares. No inicio do lance, Suarez e Neymar jogam com os olhos. Suarez lança no vazio. Encontra Neymar. O espaço é exíguo.  A bola vem rápida.  O pensar é mais acelerado. O toque é surpreendente. A bola sobe girando sobre seu eixo. Um parafuso. Neymar gira o corpo. A bola no alto. Um chapéu ao contrário.  Driblou e foi driblado. Um lance pensado, instintivo,  criativo. A bola desce rumo ao seu pé. Um sem pulo certeiro que termina no fundo da rede.  Um gol fantástico.  Um gol de gênio.  Um gol de Pelé, Maradona, Messi e todos os grandes. Um gol de vinheta. Um gol deste tempo líquido que será eternizado.
O mundo é dos jovens. O tempo é juveniilista. O amadurecimento é quase uma fantasia. O corpo tratado, malhado, obcecado pela eterna juventude. Como os nossos heróis são cada vez mais jovens, o comportamento do mundo  acompanha. Somos todos adolescentes. Mimados, inseguros, revoltados. Neymar  é, ou já foi, um deles. Brigou com técnicos, com companheiros, xingou e agrediu adversários. Festeiro e milionário. O Barcelona sem Messi ficou com medo. Quem assumiria o comando? Neymar se apresentou. Mudou o cabelo, treinou mais, assumiu a tarefa. Tem carregado o time. O gol é o amadurecimento de um craque. De alguém que sabe o talento que têm, o tempo da jogada, a certeza do lance. Neymar foi preciso e mágico. Neymar é o melhor jogador surgido no Brasil após o tri de 70. O mais genial. Quem diria que o 'filé de borboleta', como  chamava o obscuro Luxemburgo para não escalá-lo, tornou-se um raro exemplar de lepidóptero com belas asas azuis e grenás nas chuteiras.

domingo, 8 de novembro de 2015

Os milhões e as migalhas

Chiko Kuneski

Escrevi pela primeira vez uma crônica pelo título. Acho que estou deixando de ser jornalista para viver de economia. Ou de economias.

O locutor foi categórico: “o segundo lugar no brasileirão vale R$ 6 milhões”. E continuou... “o terceiro lugar R$ 4 milhões”. Não falou do campeão (prêmio de R$ 10 milhões).

Meus meros reais suados no dia-a-dia para comprar um ingresso e ir a campo, ou adquirir o direito de ver e ouvir tudo isso “por tubo”, são insignificantes. O torcedor nada mais importa. O jogador é para ser expor, se exportar, se importar ou se deportar. O torcedor para pagar.

Somos brasileiros, torcedores , cada um com suas cores, com suas alegrias, alegorias e suas dores, os milhões que viraram milhões.  O futebol virou negócio. Negociável. Não é mais a conquista. A medalha. A marca no peito. O qualitativo é quantitativo.


A glória da conquista está no banco. Nos bancos fora de campo. A firula é contábil. O drible jurídico. O passe pagável. Já falta “pão e circo” nas modernas arenas. Nada mais é de graça. A desgraça chegou ao seu limite: do orgulho desfeito. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A queda


"A mentira é a verdade que esqueceu de acontecer"
Uma delicadeza de Mário Quintana.

Mauro Pandolfi

A mentira não é uma farsa. É uma história bem urdida, pensada, planejada, contada.  Tão bem recitada que é uma verdade. O mentiroso acredita nela. Mentiu antes da eleição. Criou uma situação irreal para justificar o real. O grande, o maravilhoso Brasil tem um destino: a glória suprema. Mentiu ao tomar posse. Negou verdades, justificou atitudes e tergiversou a crise. Mentiu sempre!
Mentiu quando viajou. Contou bravatas fora do país. Mentiu ao negar fatos. Sonegou informações sobre o seu mentor e o antecessor. Dividiu fortunas com eles. Quebrou a ilusão da grandeza. O grande evento foi uma imensa derrota. Mentiu naquele momento!
Mente hoje. Foge com medo. Isola-se. Teme o vice. Tão ardiloso como ele. Tão repugnante. Tão devasso. O mentor é um canalha. Os filhos não o renegam. Enriqueceram de forma vil. Mas, ainda mantém, nem tão distante, uma relação com ele. São parceiros nos negócios, nas falcatruas, nas mentiras.
Nunca defendi claramente  o impeachment. Agora, defendo. Não falo em basta ou chega! Lembrou-me dos jornais em 1964. Não sou golpista e nem de direita. Defendo a lei. Defendo a justiça. Digo não para a  impunidade. Não mais favorecimento. Quero transparência, respeito a todos nós que vivemos a paixão. Não há mais lugar para você. Tenha o mínimo de respeito e dignidade. Vá embora! Deu! Não aguento mais olhar o seu rosto pútrido, de sacana, de safado.
Concordo com Alex, o craque de tantos times. Chegou a hora de tomar de assalto a cbf. É necessário resgatar a bandeira do futebol. De reinventá-lo. Desejo novas eleições na entidade. Defendo a queda de Marco Polo del Nero, este 'fugitivo' da justiça americana e protegido pela brasileira.  Que a lei alcance Ricardo Teixeira, Joana Havelange e João Havelange. Lamento que José Maria Marin fique em prisão domiciliar em Nova Iorque. Aliás, a fiança não é uma propina legalizada? Que os patrocinadores da CBF imitem os da Fifa. Saiam e tirem este abutre do lugar. E, que seja substituído por  Alex ou algum outro sonhador. Ou, quem sabe, exterminem a cbf e criem uma liga.
Este texto é uma ilusão de ótica? Pode ser! O poder, e os donos do poder, de toda as instâncias, de todos os cargos deste país, são miméticos, gêmeos no clientelismo, nos conchavos, no patrimonialismo, nas mentiras contadas como verdades.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um tango para Diego

 Mauro Pandolfi

"Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao
No ves que va la luna rodando por callao
Que un corso de astronautas y niños, con un vals
Me baila alrededor. Baila! Veni! Volá!"
"A balada de um louco" de Astor Piazzolla pode ser um tango para Diego.

Maradona e a bola. O futebol sempre foi e será uma fantasia. Ele dá uma media volta e segue a bailar. O canto da torcida lembra uma orquestra executando um tango. Desliza no gramado para o longo caminito. Mano a mano enquadra um rival. A bola é la cumparsita. A esquadra inglesa é envolvida pelos movimentos rápidos e elegantes. Os muchachos acompanham a dança. Vê o zagueiro e arma o gancho. O ultimo movimento é um corte no goleiro.  A bola na rede é o derradeiro verso do tango, berrado em plenos pulmões no estádio Azteca.  Diego Armando Maradona é o tango jogando. Lírico, encantador, dramático.  Aquele gol é arte. Sublime arte. Arte eternizada pelo narrador uruguaio Victor Morales. Ele cantou assim:"....Quero chorar! Deus Santo! Viva o futebol! Golaço...Diegool! ....Maradona é para chorar. Maradona numa corrida memorável. A maior jogada de todos os tempos!....Graças Deus! Pelo futebol! Por Maradona! Por estas lágrimas!..."
Futebol e guerra. O simulacro perfeito. Cores, símbolos, países. O campo e a batalha. O imaginário foi tão real na copa do México em 1986. A Inglaterra humilhara a Argentina nas Malvinas.  O conflito suicida armado por um ditador louco e desesperado. Dor, sangue, lágrimas, jovens mortos. O futebol como revanche. Diego Maradona como o comandante supremo. Liderou a batalha, venceu com fúria. Um gol estupendo e uma falcatrua típica latina.
'La mano de Dios' é a sua obra mais famosa. O lance que faz o transitar em sagrado e o profano. Entre deus e o diabo.  Entre a glória e a desgraça.  Entre a vida e a morte. Maradona é o mais trágico personagem do futebol. Também, o mais genial.
Diego Armando Maradona é a ponta mais aguda do tridente nascido em outubro. Há algo de Pelé, muito de Garrincha. Diego é prosa e poesia. Diego é o futebol. Foi um gênio precoce. Um adolescente atrevido. Um adulto problemático. Um velho a beira loucura. Maradona é um homem complexo. Viveu a lucidez, a glória, a fama, o fundo do poço.  Foi excluído como um pária.  Reintegrado como um Deus. Desafiou a ordem, rebelde que transitou a margem no futebol. Flertou com a máfia, com ditadores, com drogas e com a morte. Maradona é o melhor representante do fim do século xx. O ídolo da minha geração.  Um mito. Uma lenda. Um homem. Tão humano, tão frágil, tão estúpido, tão divino.