quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Universo em desencanto. O adeus?

 

"O homem é um vago bicho sem destino que nasceu em cima desta terra, sem saber porquê e nem para quê".
Foi com Tim Maia que me iludi com o Racionalismo. E, foi o mesmo Tim quem abriu os meus olhos sobre o Racionalismo e o desencanto do universo. Mas, há pensares deste Universo que levam à reflexão, à tentativa de entender os movimentos das pessoas durante este tempo sombrio, seus atos, sua estupidez. É a vida por um fio? Breve, não haverá ninguém? Ou é só um delírio de um velho com medo de enlouquecer? Ou, pior, descobrir a lucidez?

Mauro Antônio Pandolfi

Há tempos que não penso no futuro. Nada planejo. Nem cogito. Apenas, espero. Até o passado virou um enigma. Aconteceu mesmo ou é ficção, um desejo, um sonho que o tempo ou a imaginação criou? Entendi que o passado não é definitivo, nem para sempre. Ele muda, altera, inventa, vive. Cria ilusões, revela decepções ou apenas mitiga a saudade, a utopía perdida. Vivo o presente. Que presente? O agora, o já! O hoje que é igual ao ontem e muito semelhante com o amanhã? Todo dia tem o mesmo caminho. Até as nuvens não se modificam. Sei que muda quando vejo a lua. Outro dia é quando o sol me acorda. O meio do caminho é quase sempre o mesmo. É um buraco de minhoca onde o espaço permanece igual. Sei onde estou e com quem estou. Mas, qual tempo? O que já aconteceu? O que virá? O da criação da vida ou da destruição? A biopolítica que propõe a eternidade ou a necropolítica de rudimentares fundamentalistas que usam a Bíblia como um vulgar manual de autoajuda? 2020 bagunçou as minhas, parcas, ideias. As incertezas ruiram. Nada ficou de minhas dúvidas. Como se fossem sólidas, desmancharam-se no ar. Agora, busco as certezas que já tive. Muitas no passado de um adolescente sonhador. De um jovem que flertou com utopias. Loucura ou lucidez? Em 2021 espero ter algumas respostas.
Elas começam no futebol. A paixão vai se reconstruindo aos poucos. Encontro no Maurinho o desejo, a poesia que o Vermelhão despertava. A ansiedade que durava uma semana. Às vezes, mais. Uma doce angústia. Domingo, sempre gostei dos domingos, vestia a camiseta branca, com o símbolo vermelho, atravessava a rua, já me conheciam nas entradas do estádio, descia rumo à portão de acesso ao campo, ficava perto do Ricardo e entrava feliz com time. Nenhuma foto tenho! Gostava de ouvir os fogos, os gritos da torcida. Aqueles minutos de felicidade sempre foram eternos. Muitas vezes, ficava como gândula. Outras, ia para a arquibancada ou, como dizia meu pai, 'para casa se o Inter estivesse perdendo'. Foi ali, lá por 1966, que descobri como a bola é apaixonante. Durou pouco. O Inter foi jogar no Municipal, lá no Coral. Distante demais para um garoto de seis anos. O rádio, a tevê, a descoberta da leitura, as figurinhas, os jogos na rua, no Boldo, ampliaram o universo desta paixão. Agora, este rude tempo, de canalhas no poder, de genocidas, de verme e vírus, quase provocaram o desencanto da paixão. 'Sobreviver, neste tempo, é um ato subversivo', como diz o Mário. Manter o desejo, o tesão do que te encanta, também, é resistir a destruição programada. É um ato revolucionário! E, escrever, o que é?
Muitas vezes é um peso. Ainda tenho dificuldades de me expôr. Me revelar os segredos que a alma esconde. Afinal, uso muito este crônicas como terapia. Em vários momento, sinto alívio com que escrevi, contei ou analisei. Em outros, bate uma melancolia, especialmente, quando falo do passado, do que vivi, com quem vive, com quem sonhei. Por instantes, a tristeza e saudade formam uma dupla que afeta o coração e a mente. Mas, também, é prazeroso. Encontrar um 'achado', uma frase bem feita, redonda como uma poesia de Chiko Kuneski, um pensar lúcido, faz bem para a alma. E, principalmente, se alguém lê, curte e comenta. Aí, é uma vaidade gostosa.
É a hora do adeus. De fechar um ciclo. De agradecer os leitores, os que passam, curtem, ignoram, compartilham. Não penso no futuro. Este crônicas pode chegar ao fim ou até virar um livro. Vou deixar o tempo levar. Agradeço todos. Desejo um Feliz Natal e um 2021 resistente, lúcido, saudável.
Como um regalo, uns versos de Ferreira Gullar:

"Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.
E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.
Começa com a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bichjo
estelar
que sonha
(e luta).