sexta-feira, 27 de julho de 2018

Jogo da velha

 
"Jogar bonito é para amistoso ou jogo beneficente. O importante é ganhar".
Luís Felipe Scolari foi campeão do mundo jogando feio em 2002 e foi humilhado em 2014 num baile alemão. Ele voltou! A modernidade é só uma fantasia, uma noite de verão, um acaso, no futebol brasileiro.

Mauro Pandolfi

O Brasil está enredado numa espiral de tempo. O país e o futebol. Tudo vai, tudo volta. Nâo dá para definir onde é passado, onde é presente, quando se encontram, onde se separam. O futuro foi só um delírio de Stefan Zweig. Uma fantasia, um engano, um sofisma. Afinal, até na gramática conjuga-se um verbo no pretérito do futuro. O futebol também está nesta volta da espiral. A Copa do Mundo mostrou o caminho para um novo olhar do futebol. 'O xadrez', como exemplificou Roger Machado, tão bem usado pela Bélgica contra o Brasil, derrotou qualquer ideia de moderno no futebol brasileiro. O Palmeiras trocou Roger, seus métodos de treinamentos, suas expressões, sua sutileza, pelo pensamento mágico, pela rudeza, pela 'famiglia' - conceito perfeito para um clube de sotaque italiano -, de Luís Felipe Scolari. O mais mitológico dos treinadores brasileiros. O homem que viajou do céu ao inferno mais rápido do que nas piadas. É, o último que jogou 'xadrez' por aqui foi Mequinho. Alguém lembra?
Roger Machado surgiu no Grêmio como um inovador. Alguém capaz de entender os mistérios, a complexidade do futebol moderno,  o 'xadrez', como explicou numa entrevista. Ele  parecia ser capaz de romper com mitos, com o passado, as lendas, o 'jogo de damas', da mesma entrevista. Seu Grêmio era encantador. Posse de bola, movimentação, o jogo planificado, tão bem treinado que lembrava um time de 'pelada' jogando por música. Saiu antes dos títulos. Renato Portaluppi acrescentou competividade, mais fúria que não tirou o refinamento e uma obsessão por vitórias. Quatro títulos em dois anos e um time para guardar na memória.
Roger Machado ainda está em formação. Mas, o futebol tem pressa. 'Fracassou' no Atlético e no Palmeiras. 'Fracasso' é uma palavra complexa de explicar no futebol brasileiro. Foi campeão mineiro em 17, perdeu o estadual paulista nos pênaltis em 18 e foi o que ganhou mais pontos nas fases de grupos das  Libertadores de 17 e 18. Mais de 60% de aproveitamento. O 'fracasso' de Roger está no seu trabalho, na maneira de conduzir o time, de lidar com os jogadores, de entender o vestiário. Roger não é o 'paizão', nem psicólogo, nem sargento, nem babá. Os jogadores sentem falta deste afeto, do afago, do abraço, do perdão, do elogio. Ele é adepto de três palavras 'banidas' do dicionário deste país: meritocracia, independência e autonomia. Os jornalistas esportivos de São Paulo dizem que Roger caiu por ser 'independente demais, de dar autonomia aos auxiliares, por não se preocupar com os problemas dos jogadores, por não dividir a mesa no café, no almoço, no jantar, não estimular reuniões no vestiário, nenhuma gestão de pessoas. Ele era apenas um treinador'. Um deles arrematou: 'Felipão vem restaurar a família, unir o grupo, pacificar a diretoria'.  Assim tropeça o futebol brasileiro.
Tudo é eterno no futebol. O passado nunca passa. Está num poster de campeão, na declamação ao escalar o time histórico, nas lendas, nos mitos. O passado pode se ausentar por algum tempo. Ficar no exílio. Mas, volta. Nunca como farsa. Volta como fé, esperança, crendice. Não sei se algum dia jogaremos xadrez. Estou em dúvida se já trocamos as damas pelo jogo da velha. Felipão voltou. No Santos querem Luxemburgo. Dorival Jr e Abelão estão desempregados. 13 clubes já trocaram de técnicos na série A em somente 15 rodadas. Outras virão. Perplexo, surpreso, estou com uma dúvida: quem vai contratar Joel Santana?

terça-feira, 24 de julho de 2018

Damas e xadrez



"O mundo inteiro jogava damas. Éramos os melhores jogadores de damas. Aí, perceberam que não nos alcançariam nas damas e só superariam nossa qualidade jogando xadrez. Já estamos jogando damas com peça de xadrez, mas caminhamos para jogar xadrez. Se jogarmos xadrez com nossa qualidade individual, nunca mais vão nos pegar de novo. Nunca mais".
Bela metáfora de Roger Machado que tem se revelado um bom treinador de...damas.

Mauro Pandolfi

A partida estava perto do fim. Olhar enviesado na tevê, tricô nas mãos, Elaine suspira: 'Que saudades da Copa! Você não tem, Mauro?' O Grêmio perdendo, jogando mal,  nem irritação eu tinha com a mediocridade  gremista, concordei e devolvi a pergunta: 'Qual o motivo da saudade? O péssimo jogo ou a derrota?' Sem desviar do tricô, ela me encara, ri, responde: 'a inteligência! Não há estratégia, lucidez, uma jogada inteligente. É um jogo burro!' Desconcertante! Gosto de observar, conversar com quem não tem o hábito do futebol, de quem foge dos lugares comuns, dos chavões, das certezas. Duas rodadas pós Copa e entendo o 'fracasso' - já estou discutindo se era possível ir mais longe ou fomos no nosso limite? - do Brasil. Como disse Roger Machado, estamos jogando damas. Tite, Renato Portaluppi, Roger, todos os outros, são treinadores de damas num universo de xadrez. Cavalo, torre, bispo, rainha, rei, nada se difere. Nos times brasileiros, só há lugar para o peão. Afinal, é o que tem o posicionamento e o movimento mais parecido com as damas.
Xadrez é um jogo mais difícil que damas. As regras são mais complexas e as jogadas infinitas. Damas tem poucos lances,  muito simples de entender, é um jogo mais popular que o xadrez. Nas praças é mais comum jogarem damas. Nas contradições da vida, damas é um jogo mais difícil de vencer. Todo jogo é aberto, exposto, só há um tipo de peças, mesmos movimentos. Não há grandes estratégias. O lance seguinte vem. Mas, o depois, não. O xadrez tem uma variedade de peças. Requer estudo, profundo conhecimento, planejar não só o lance seguinte, mas os do futuro. Inicia com um pensar, estabelece a tática, atrai o adversário, surpreende e vence. Esta é a diferença básica do futebol europeu dos grandes clubes, de seleções do praticado no Brasil pela seleção e os clubes. O  ultimo encontro entre o xadrez e as damas foi Brasil e Bélgica. Roberto Martinez foi um Bobby Fischer contra Tite, que lembrava um jogador de pracinha. Abriu uma jogada de ataque ousada, não usual. Tite tentou marcar com uma defesa de damas. Quando percebeu que era xadrez, a Bélgica deu o xeque mate.
Futebol é o meu culto, a minha paixão. Vejo uma bola rolando e paro na frente do 'tubo'. Vejo quase tudo, todas as séries, todos os campeonatos. Nunca os noventa minutos. Alguns jogos, assisto mais, pela qualidade ou pela ruindade excessiva. Gosto de 'trash'. A melhor análise sobre a diferença rntre Europa e Brasil é de Roger Machado. Aqui ainda se pensa um futebol de posição, compartimentado, estanque e previsível. O zagueiro defende, o dez passeia em campo e cria um lance por jogo - é reverenciado -  e o centroavante - ah, coitado! se não fizer o gol - finaliza. Cada um no seu quadrado. Movimentação, troca de função, sobreposição de linhas é chamado de 'pelada'.  Tudo igual desde Charles Miller.
 O sistema é o mesmo. Treinam exaustivamente para defender. Cobrem todos os espaços, cuidam da 'segunda bola', tem sempre um rebatedor e o volante que suja o calção. A defesa é um trabalho coletivo. O ataque é uma solução individual. O velocista e o 'rompedor' que se danem. A bola é sempre longa ou cruzada. Raros os times que fogem disto. Um gol no início e o 'ônibus' é estacionado na frente da área. Na busca do empate a bola viaja alta para área. 10, 15, 20, até 50 vezes para encontrar uma cabeça salvadora. É o jogo de damas, que é sempre o mesmo. Estratégia? Uma jogada planejada, cruzando as linhas, jogando com o tempo e o espaço? Raras. Quando ocorre transforma-se em vinheta de programas.
As duas rodadas da série A, os jogos de Avaí e Figueirense na B, mostram o futebol perdido no tempo. Bons jogadores desperdiçados. Há 'torres, cavalos, bispos, rainha, - rei? não há' -, jogando como peões, subutilizados. Ás vezes, suspeito que sou crítico demais, que deveria apenas aproveitar a paixão. Noutras, acho que não é nem damas o que é jogado por aqui. Sim, jogo da velha. Todos entendem de futebol neste país. Qualquer um sabe jogar 'velha'. Dificilmente há vencedores. É um jogo simples e difícil. O empate é o resultado previsível. Exatamente como o futebol brasileiro.

terça-feira, 17 de julho de 2018

A Copa é azul!


'A Terra é azul...'
Yuri Gagarin viajou ao espaço e, quem sabe,  no tempo, feito um vidente ao perceber o azul do planeta. Tenho a esperança que Gagarin também tenha visto uma réstia de branco e preto nesta bola.

Mauro Pandolfi

A minha segunda-feira foi idêntica as segundas de Garfield. Sem vida, distraída, alheia, perdida.  O dia passou e não entendia aquele vazio. Li a crônica de Chiko Kuneski e descobri toda a minha ausência. Ressaca, abstinência, desespero. A festa orgástica chegou ao fim. Como sobreviver sem este orgasmo, este desejo que me alimentava todos os dias? Tão intensa, frenética, que temia terminar aquela festa. Mas, terminou. Assim como todas as paixões passageiras, temporárias, meio vadias, como se fosse traição  com a paixão eterna. Como viver sem elas? Sobreviverei sem 'os negros maravilhosos', os bravos croatas, a alegria dos amigos de Baloy, o desespero de Messi, o 'show' de Neymar, a elegância belga, a Espanha toureada? Reencontrar o Grêmio feito um amante cheio de saudades, pedindo perdão pelos amores ocasionais, é a minha saída. A única! No entanto, a Copa, a festa orgástica deixou uma tatuagem na alma. Não sai mais.
A Copa ainda baliza o futebol. Defini rumos, cria conceitos, estabelece comportamentos, anula movimentos anteriores, estabelece os novos. A posse de bola virou ilusão. O jeito Guardiola de jogar sobreviverá como engano. Como era belo este engano! Objetividade é a nova ordem mundial.  A compactação foi  mais reduzida. Joga-se em 20 metros. Porém, no próprio campo. Um jogo aparentemente mais defensivo. Pode ser só um engano. Nunca se jogou tão bem o futebol como o de agora, como o da Copa. Todas as valências em campo. A mais importante é a inteligência.  Vence quem saber ler, entender, interpretar e e 'escrever' bem o jogo. O futebol ficou mais complexo e misterioso. Tão misterioso que pode ser resolvido no fortuito, no acaso,  que nega tudo o que está escrito acima.
Há uma ilusão de ótica do fim do craque, do solista, do que acha a solução em milionésimos de segundo. Modric, Hazard, Pogba, Mbappé, De Bruyne são a confirmação de que o craque tem outro conceito, mais amplo, mais participativo. Não é mais o eremita, o que vive à margem, o que tem a chave da vitória, da salvação. É o 'operário' extremamente qualificado. Também, o 'arquiteto' da obra. O tempo dirá se esta impressão é real ou só um devaneio meu.
Os últimos pitacos de uma festa inesquecível. Minha seleção: Pickford; Mário Fernades, Mina, Varane e Hernandez; Pogba, Modric, Rakitic e De Bruyne; Hazard e Mbappé. O craque é Modric. Mbappé é mais do que a revelação. É o símbolo de um nova era. O treinador é Roberto Martinez. Ele percebeu a mudança do jogo e, por detalhes, não ganhou o título. A Copa é também o 'fracasso' dos grandes. Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar, Iniesta, Kroos foram pouco menos do que comuns. Assim é o futebol, assim é a vida. A saudade, o passado, o presente, o futuro. É a espiral do tempo que deixa tudo ser eterno.

domingo, 15 de julho de 2018

O VAR humano


“Nada que a tecnológica e fria lente captura não foi visto antes pelo olhar do Homem”.

Chiko Kuneski

Acabou...acabou a catarse. A Copa é catártica. É a fantasia máxima. A verdadeira personificação do bem e do mal. Do céu e inferno. Que elege divindades terrenas, feito os deuses do Olimpo a escolher seus favoritos. Somente na Copa do Mundo somos milhões de deuses. É a magia que faz torcer até pelo desconhecido. Mas, como toda catarse, tem prazo de validade.

Especialmente para os que já a frequentaram por décadas. Jogadores, técnicos e torcedores. A Copa é como uma cópula. Orgástica. Um conjunto de corpos suando. Vem num crescente. Começa no exagero e afunila para o mágico. Mas acaba num súbito inexplicável. Bons para uns; satisfatório para outros. Mas é uma cópula universal.

A Copa da Rússia foi a primeira realmente do século XXI. Tecnológica. Sobre humana. O frio olhar angulado das câmeras decidiu jogos, resultados, carreiras e vidas. P       ela primeira vez nós, os apitadores de televisão, nos sentimos juízes do jogo. Não decidimos, até porque seria impossível uma decisão unânime de milhões. Mas vimos o mesmo que o árbitro viu. Julgamos. Absolvemos e condenamos.

Três letras. VAR (Video Assistant Referee), em inglês, ou árbitro de vídeo, em bom português, determinou destinos na Copa. Uns detestaram. Outros aprovaram. Como qualquer árbitro foi aplaudido quando a favor e criticado quanto contra. É do torcedor. Contestar até o incontestável. A paixão é cega e, com diz Mauro Pandolfi, “futebol é um jogo de olhares”.

Difícil, ou quase impossível, ter olhares em catarse. Só há paixão. O VAR, tão temido por muitos, muitos aos quais me incluía, por poder destruir a grande magia da ludicidade da dúvida do futebol. Criou uma nova tendência. A do erro da imagem. O futebol é tão mágico que nem o frio olhar das lentes arrefece a paixão.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

O anjo caído

 

'O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente'..
Desconfio que Neymar é um leitor voraz de Fernando Pessoa.

Mauro Pandolfi

Ainda Neymar. Gosto de gente que desafina o coro dos contentes. Respeito os perdedores que provocam irritação dos bem pensantes, que despertam amor e ódio, que são 'culpados' pelas derrotas, pelos fracassos. Gente que nunca chegará onde pretende, que serão pouco mais do que o comum. Neymar é um deles. Ele é o mais instigante personagem do futebol mundial. É a encarnação do 'mal', do pérfido, do boçal. O craque que rompeu com a ética do jogo limpo, com simulações de faltas, de dores, com reclamações sem nexo, com rebeldia sem causa. Um ator de segunda linha. A chacota nas redes sociais. Crianças, adultos, comediantes, aspirantes a comediantes riram, brincaram com as 'roladas' pelo chão após as faltas. Neymar virou piada! Não ligo para isto. Não tenho nenhum sentimento sobre isto. Não me preocupo com sua carreira, com o aspecto psicológico, com sua riqueza, com seus gastos, suas atitudes. Ele tem um bom aparato de profissionais que pensam a sua vida e carreira.  Preocupo-me é com meus filhos. Tenho que estar atento as suas vidas, as escolhas e os caminhos. As decisões serão sempre deles. Com Neymar quero apenas o futebol.
Continuo achando genial e genioso. Não há misericórdia com o seu fracasso na Copa. Fracasso? Não chega a tanto. Na disputa com Messi e Cristiano Ronaldo, Neymar foi melhor. Jogou mais, chegou mais longe e perdeu como eles. Cristiano Ronaldo é o bom moço deste tempo (já foi 'Neymar' em outros tempos) e Messi é o 'infeliz' que escolheu ser argentino ao invés de espanhol. Ambos estão perdoados. Afinal, seus times eram ruins. Eram 'exércitos' de um homem só. Perdão é uma palavra que não cabe em Neymar. A derrota pode provocar transformações ou destruir completamente um homem. Neymar vai escolher o seu caminho.
Neymar é o 'anjo caído' do universo religioso que o Brasil se enredou. O craque que expulsou o país do paraíso da vitória. O profeta que não levou à terra prometida. O heroi sem caráter, o Macunaíma, o Sassá Mutema mentiroso, o vilão preferido dos jornalistas e agregados, dos fanáticos das redes sociais, dos fundamentalistas que aparecem de quatro em quatro anos.  Faltou pouco, quase nada, para virar um Barbosa. Ainda bem que vivemos um outro período, mais civilizatório, mais humano, que torna vergonhoso uma campanha como a que Barbosa sofreu. Neymar foi só mais um que perdeu num time compartimentado, previsível, com uma frágil estratégia, sem inteligência no jogo, organização trivial, um reflexo de espelho do futebol jogado por aqui. Uma seleção que repete eternamente o mesmo futebol desde 1974, com exceção de 1982, com derrotas e vitórias (1994 e 2002), sem a 'magia, a fantasia' de sua lenda, sem renovação, obsoleto e a sempre presente relação de compadrio tão ao gosto do Brasil.
Mbappé atropelou todos os candidatos a melhor do mundo. Hábil, forte, demolidor, o atacante francês de 19 anos é o novo símbolo do futebol. Neymar terá que mudar para alcançar Mbappé. Falo do futebol, da postura, do entendimento do jogo. Tem que ser protagonista, deixar de ser coadjuvante. Desde o Santos, ele é o centro do time. Porém, o pensar não passa por ele. Foi Ganso, foi Iniesta, Luan na seleção olímpica e não rendeu no PSG o que esperava, nem na seleção foi o diferencial. Falta poder mental a Neymar. A convicção de que é grande. A certeza que Romário e Ronaldo tinham que eram geniais. O olhar de vencedor, de fúria, de querer ser gigante, imenso. Também, mudar o jeito de jogar. Fugir do canto, de esperar a bola. Migrar, flutuar, ocupar espaços, se movimentar, começar e terminar a jogada. Se fizer isto, será um duro adversário de Mbappé. Caso contrário, será um outro Robinho. Com mais grife, é verdade!

sábado, 7 de julho de 2018

A Copa, a vida, ainda não terminou!


'Misturo poesia com cachaça e acabo discutindo futebol...'
Vinicius de Moraes entendia da vida, de amores, de paixão. Ou seja, de futebol. O jogo que ganha vigor numa mesa de bar ou num debate esportivo na tv.

Mauro Pandolfi

A vida passa, vou envelhecendo, o tempo fica mais exíguo e continuo me enredando em enganos. Na vida e no futebol. Desconfiado do time de Tite, me encantei com o segundo tempo contra o México. Insinuante jogo! Rápido, envolvente, moderno. Quase suspirei de paixão. Acostumado com Tite e com meus equívocos, fiquei em silêncio, em dúvida com que vi, reticente. Ainda bem que não me empolguei. Aquele segundo tempo foi um acidente, como dizem, um ponto fora da curva. Repetia as eliminatórias. Mas, a seleção na Copa é o que foi contra a Bélgica: a frágil organização desmontada por um time móvel, arisco, rápido, a ausência de armadores, de um inexistente jogo coletivo de ataque, de saída de bola, de inteligência e que sobreviveu de individualidades. Uma seleção, um jeito de jogar, que se repete há várias copas. Tite se perdeu 'na coerência', nas 'convicçõ, na demora para entender a mudança do 'ciclo' do futebol e na falta de opções. Sem lucidez 'organizacional', o time mostrou somente um lance pensado, desenhado na prancheta: a bola de Philippe Coutinho para um meia entrar por entre as linhas. Deu certo duas vezes, com Paulinho e com Renato Augusto. Muito pouco, quase nada, para quem sonhava com o título.
O fim de um ciclo de futebol dentro da Copa. O belo jogo entre Espanha e Portugal foi o espetáculo derradeiro de um jeito Guardiola de jogar. A segunda rodada expôs a nova maneira tática do futebol. O desprezo pela posse de bola, a objetividade para o gol, as defesas sólidas depois do resultado alcançado. Quem entendeu as mudanças foi Roberto Martinez, da Bélgica. A partida contra o Japão foi fundamental na observação. Mudou a Bélgica. Contra o Brasil modificou a ação de seus três principais jogadores. Inverteu jogadas, transformou Fellaini num marcador implacável. Quando Tite percebeu, já estava 2 a 0. No segundo tempo, Martinez consolidou a nova maneira de jogar. Atrás da linha da bola, seguro, saídas, cada vez mais raras, de contra-ataque, deu a bola ao Brasil e confiou em Courtois. Deu certo! Bélgica e França será o jogo que definirá os novos rumos do futebol. Força, rapidez, objetividade, movimentação e muita defesa. O jogo de Pep Guardiola já virou saudade. Que pena!
É hora da análise ou das 'caça às bruxas'. do Brasil. De encontrar vilões, os responsáveis por mais um fracasso. O nome preferido não é do treinador. Que parece será um 'sobrevivente'. É um bom sinal? Demonstra maturidade ou falta de opção? Tanto faz. Porém, Tite tem que entender os seus equívocos, Nem sempre os 'amigos' são as melhores opções para buscar a vitória. Tem de buscar o novo ou insistirá com os 'velhos'? É mais um dilema brasileiro. O que adiantou levar Cássio, Geromel e Taison? Nunca foram opções. Não teria sido melhor levar jovens, com Arthur, Vinícius Jr, Rodrygo, Éverton, Paquetá ou Luan? Teriam a experiência de viver uma grande competição, a pressão imensa da Copa. Renovar com Tite é preservar ideias, conceitos, atitudes. Ou, a troca é necessária para mudar tudo outra vez, na velha solução de clubes brasileiros? A decisão é da cbf, a entidade que deveria ser extinta. Isto é uma outra conversa.
Quem será 'caçado'? Os jogadores. Alguns deram adeus à seleção, pela idade ou pelo 'fracasso'. Fernandinho é um candidato a vilão ao lado de Gabriel Jesus ('como pode um centroavante que não faz gol?', berram os especialistas) e Alyson, o goleiro que não resistiu ao nervosismo e a pressão. Mas, nenhum terá a cobrança como Neymar. Não será devorado inteiro. Será em partes, mínimas partes, para doer mais, machucar mais, tripudiar mais. Ele sabe como são tratados os que perdem neste país. Neymar já conhece esta 'fogueira'. Já foi incinerado outras vezes. Neymar terá uma história parecida com a de Messi - um gênio sem títulos mundias -.ou a reverterá como Pelé, que de acabado em 1966 foi genial em 1970? O tempo, as copas, a vida dirá.
Estranho fenômeno é Neymar. Genial e genioso. Mais odiado do que amado. Virou a 'Geni' mundial. Há lucidez nas críticas, há inveja, rancor, também. Ator, simulador, piscineiro, imaturo, boçal, mimado, playboy, arrogante, soberbo, ostentador, festeiro, sem responsabilidade, sem comprometimento, individualista. Foram algumas das definições que li, ouvi, sobre Neymar. Quase todas injustas e cruéis. Estou impressionado, não sei se a idade que me faz observar melhor, com a imensa pressão de uma Copa do Mundo. Nem Tite resistiu. Neymar também sucumbiu. Não sei se suas atitudes são de imaturidade ou tentativa de suportar a pressão? Não sou psicólogo, como a maioria dos jornalistas esportivos e congêneres, comentaristas de rede sociais, para esta avaliação. Não lembro de um jogador tão odiado como Neymar. Raro leitor de auto ajuda - o futebol é a minha auto ajuda -, arrisco uma frase óbvia, táo óbvia, que pode ser dito por picareta qualquer, inclusive eu: o ódio, também, pode ser uma forma de amor. Um amor envergonhado, dissimulado, medroso, cheio de preconceito, um amor vadio..

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Os duelistas, final?


"Não viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida"
Assim como sinto saudades de Bob Marley, logo, logo, sentirei de Messi, Cristiano Ronaldo, Iniesta...


Mauro Pandolfi

Terminou? O mais fascinante duelo do moderno futebol chegou ao fim. Sem vencedores. Todos nós perdemos. Os que amam o futebol, os que necessitam de futebol, os que respiram futebol. A ultima imagem de Cristiano Ronaldo é o desespero da derrota. A pressão, o xingamento, a fúria contra o árbitro. O rosto triscado, marcado pela angústia de ver o fim se aproximando. A última imagem de Lionel Messi é o olhar vazio, perdido, de quem não entende o fracasso. Parado, inerte, era abraçado pelos amigos e pelos franceses sem reação. Os segundos mais intensos e longos de sua vida. Cristiano Ronaldo e Messi nunca se enfrentaram em uma Copa. Nunca trocaram um cumprimento ou participaram de um sorteio. O futebol é a melhor alegoria da vida. Nada é definitivo. Nem a morte! O duelo nunca terminará. Será disputado até o fim dos tempos ou até a memória lembrar. Sempre terá um vencedor. Cada amante do jogo da bola escolhe o seu.
Cristiano Ronaldo não conseguiu voar. Ficou retido em uma marcação segura, eficiente, concreta, enjaulado. Seus 'voos' foram curtos, sem profundidade. Não levou perigo nenhuma vez. Os dribles não apareceram e nem a cobrança de falta foi perfeita. O futebol de acertos de Cristiano Ronaldo esbarrou nos erros da equipe, no adversário - o perigoso Uruguai -, no tempo e na derrota. Lionel Messi já entrou perdido. As asas pesadas não levantaram voo. O olhar desnorteado, desolado, a apatia nos movimentos, o isolamento no campo. Lionel foi um pálido Messi. Ainda assim deu duas assistências de gols. Dois 'equívocos' da Argentina e que evitou uma humilhante derrota. Tristes adeus!
Sábado, 30 de junho, 2018. Vai entrar para a história. A última Copa da dupla que tornou imenso o futebol. Dois símbolos da modernidade, de um jogo globalizado, mágico. Messi e Cristiano Ronaldo serão imortais assim como uma outra dupla, de um outro tempo, tornou o futebol poesia feita com os pés: Pelé e Garrincha. Ainda há os que lembram deste duelo localizado aqui, que o mundo sabia somente depois, sem a instantaneidade tecnológica de hoje. Pelé ainda é lembrado, reverenciado, citado como o 'Primeiro e Único' Rei do futebol. De tempos em tempos, sua imagem aparece. Mané Garrincha é somente um nome que vive na memória dos grandes amantes do futebol. Esquecido, à margem como sempre viveu nos campos e na vida, foi ele que inventou as 'asas na chuteiras' - bela expressão de Chiko Kuneski -, imortalizou o drible como se declamasse um poema. O duelo se perdeu na eternidade.
O futebol tem o seu tempo assim como a vida. É o fim de um ciclo. Cristiano Ronaldo, Messi, Iniesta vão dizer adeus. Termina também o jeito Pep Guardiola de jogar. Começa um outro. Os treinadores aprenderam a neutralizar, barrar o rápido jogo alemão e o tocado espanhol. O que oferecem de novo? Até agora na Copa não apareceu.. O destaque entre Uruguai e França foi Cavani. Quem brilhou no jogo da Argentina e França foi Mbappé. Neymar foi o determinante na vitória do Brasil contra o México. Cavani, Mbappé e Neymar jogam no PSG. Será que o novo futebol surgirá na França? E, Neymar estava tão errado ao buscar o PSG? O tempo dirá! O futebol continuará lúdico, poético, vivo, mágico, a grande invenção do homem.