sábado, 15 de dezembro de 2018

Fim!


"O show já terminou. Vamos voltar à realidade. Não precisamos usar aquela maquiagem...Não há mais nada. O nosso show já terminou".
Roberto Carlos é quem melhor embala os finais de ciclos que percorrem a vida.

Mauro Pandolfi

A vida é feita de ciclos. De começos e fins. Nem sempre permite retornos. Não sei como começa e porque começa. Só percebo o fim algum tempo depois de acontecer. Estou vivendo um fim de ciclo. Não estou falando do blog. Ainda não decidi - estou pensando nisto, para alegria geral de quem passa por aqui - se paro de escrever ou não. Preciso, também, ouvir Chiko Kuneski. O fim do ciclo, que me refiro, é o do encantamento do jogo. O que me dava prazer. O que trocava por tudo. Deixei de sair muitas vezes para ver, me emocionar, rir, sonhar, viver. O melhor Grêmio que vi jogar já é saudade. Imensa saudade. Aquele Grêmio que amava a bola, que tinha um relacionamento amoroso com ela, que brilhava naquela linda camisa tricolor não existe mais. Ficou na história. É lembrança, memória. Gravei alguns jogos que verei de tempos em tempos para reverenciar a paixão. Este Grêmio é eterno. Tenho ele tatuado na alma, armazenado na mente e chorando no coração. É a vida. Outro Grêmio virá. Afinal como canta o Rei, o show deve continuar. 
Não lembro bem como descobri o melhor Grêmio que vi jogar. Sei que foi com Roger Machado. Não foi em seu primeiro jogo, nem no segundo...no meio da temporada desconfiei que algo diferente surgia diante de meus olhos gremistas desacostumados com a poesia dos passes desenhados em planilhas. Contra o Atlético Mineiro entendi a magia. Aquele gol que começa com Galhardo e termina em Douglas. A bola passando de pé em pé, poética, suave, serena, bonita. Quase um minuto de posse. Numa dança, num bailado, no futebol estado puro, original, idêntico das histórias que os antigos contam. Aquele da beleza dos meninos  nas ruas, nos campinhos. O da luxúria, que importa não é a vitória, é o prazer de brincar. Começo de um paixão pelo jogo, pela ideia, pela alegria, pela festa.
Arthur foi uma amor à primeira vista. Lá por 2016, numa partida da Copa São Paulo. Surgiu, sumiu, não aparecia, esqueci. Assim como tantos guris promissores desaparecem. Renato o encontrou, treinou, burilou e deixou jogar. Entrava aos poucos, nos reservas, até ser titular, ídolo, virar referência. Iniesta, Xavi, Tadeu Ricci - prefiro Paulo César Carpegiani - foram revisitados. Arthur parece um físico. Entende de espaço e tempo. Não desperdiça nada. Tudo é exato. Os movimentos são retilíneos, quase, uniformes. Preciso, soberbo, soberano no campo. Todos os lugares, todo tempo. A partir de Arthur o Grêmio constrói um time inesquecível. Luan torna-se um meia atacante admirável, insinuante, inteligente, um craque. Maicon revelou ser o maestro da orquestra. Geromel, Kanemann, Cortez, Léo Moura, Jaílson,Marcelo Grhoe mostraram ser músicos refinados. Ramiro era a força motriz e Pedro Rocha (depois, Éverton) ariete fatal. O melhor Grêmio que vi jogar. Redescobri sonhos, tive esperança e, até, achei possível a utopia de ser campeão da Libertadores e do Mundial. Quase. Faltou pouco, quase nada, do outro lado havia Modric e Cristiano Ronaldo.
O Grêmio foi se desmontando aos poucos. Saiu Pedro Rocha, depois Arthur, foi Jaílson e agora, Ramiro. Neste ano ainda vi resquícios daquele Grêmio. Por momentos, por instantes, por poesia parecia que não terminaria nunca. Contra o River, não pela desclassificação, revelou que faria um outro jogo. Pragmático, prático, típico do jogado por aqui, espero que não o do 'Texas' (como o corneta do RW refere-se ao tosco futebol gaúcho). Renato Portaluppi renovou, esqueceu por uns tempos o Flamengo, e tem a chance de mostrar, enfim, ser um grande treinador. Terá que remontar o time. Reinventar conceitos, ideias e mostrar que o melhor Grêmio que vi jogar ainda não chegou. Mas, eu duvido!
2018 é quase passado. Um difícil e rigoroso passado. O Natal e suas boas histórias já batem na porta. Que traga bons presentes e alegria. Estou com receio de 2019. Tenho dúvida se o novo tempo chegará ou será somente um velho tempo, nem tão distante, reciclado. Desejo para todos que passaram por aqui, leram, curtiram, comentaram, compartilharam, ignoraram, um Feliz Natal e um Ano Novo suave, sereno e, conforme for, de resistência. Adeus a todos

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A melancolia do exílio



"Devo tudo ao futebol. Joguei por 30 anos, nunca tive uma contusão. Deus só mandou a conta agora!"
O lamento do Deus Único, Pelé, em ter que conviver com as dores e a mortalidade de Édson Arantes do Nascimento.

Mauro Pandolfi

 O 'exílio' tem as suas vantagens. O silêncio, as reflexões, as leituras, os filmes, as músicas, as lembranças, a melancolia. Numa noite de insônia, vagando pela televisão, achei a entrega da Bola de Prata. Um fascínio que vem dos tempos de guri, leitor ávido de Placar, sonhador, amante da bola. Na Bola de Prata vivenciei  nomes que povoaram a minha infância. Onde estarão Aranha, Carlindo, Louro, Beto Bacamarte, Alberi e Osni? Ganhadores do troféu, figurinhas nos meus times de botão, que desapareceram sem deixar vestígios. O homenageado da Bola de Prata deste ano foi Pelé. Tudo girou em torno de Pelé. Histórias, entrevistas, imagens, feitos, fatos, magia do único Rei que a bola - e os homens do futebol - reconhece. Ele não pode aparecer ao vivo. Ao comentar o seu drama de saúde, Pelé não parecia Pelé.  Era o  Édson. Frágil, mortal, comum. Pelé não tem medo da morte. Édson, sim! Sabe que um dia vai embora. Ainda bem que Pelé é eterno!
Na manha seguinte a notícia que me deixou triste durante toda a semana. A morte de Tarciso. Ele era rápido. Muito rápido. O 'Flecha Negra', majestoso apelido dado pela voz do gol: Milton Ferreti Young. Tarciso foi o melhor homem a jogar com a sete do Grêmio. Renato não conta. Ele é uma espécie de Deus, um Zeus supremo na mitologia tricolor. José Tarciso de Souza foi o mais gremista de todos os jogadores que desfilaram com a linda camiseta tricolor. Sobreviveu aos anos vermelhos, do imenso time que teve Falcão e Carpegiani. Figueroa o parava com o cotovelo. Ele resistiu as críticas de uma torcida sufocada pelas derrotas. Gigante, Tarciso foi o emblemático craque de 1977 - perdeu pênalti no Grenal decisivo -, destruiu a defesa colorada e viu André alçar o voo da liberdade, orientou Baltazar e os meninos em 1981 e no sagrado ano de 1983 conduziu o Gêmio de Montevidéu até Tóquio. Tarciso era muito rápido no campo. Infelizmente, também, na vida.
Não vi a entrega da Bola de Ouro. Troféu justo para Luca Modric. O maestro de um novo jeito de brincar com bola. Sabe como poucos alternar o ritmo do jogo. Não vi Lionel entre os primeiros. Ficou em quinto. Pensei com os meus botões, chegou ao fim o tempo de Messi? Passei dois dias pensando em Messi. Escutei até alguns tangos para alimentar a melancolia e a tristeza da finitude de Messi. Mas, domingo de manha, no teipe da ESPN, vi Messi. De rosa, tão genial, tão inspirado, tão poético, tão prático, ele continua espetacular. Preciso, soberbo, soberano, genial. O mais Pelé depois de Pelé. Entendi a mortalidade de nós, os homens comuns, e imortalidade que gregos e romanos falavam de seus deuses. Sempre haverá um vídeo, uma história, uma lembrança, sobre Pelé e Messi. São para sempre.
O 'exílio' tem as suas desvantagens. A solidão, as ausências, a saudade, a melancolia, as lembranças.