terça-feira, 29 de novembro de 2016

Eterna

 

Mauro Pandolfi

Sou naturalmente melancólico. As tragédias me provocam, além da tristeza, um dolorida reflexão sobre a vida. O que é a vida? Somos donos do destino ou seguimos um roteiro já estabelecido? Há um Deus que nos acolhe ou o usamos a imagem invisível para nos proteger do medo, do perigo? Não sei se acredito em alguma coisa. Sou um cético que acha que o impossível não existe. Mas, gosto da idéia de Deus, de reencontros, de novas vidas que vão se repetindo eternamente. Me agrada a ideia de rever meu pai, meus avós, tios, primos, amigos, irmãos e a filha que não chegou a nascer. Insone, com o rádio no ouvido, escutei a notícia da tragédia da Chapecoense. Não foi justo. Foi cruel demais. No auge, no êxtase, o fim. A alegria de uma nação trocada pela dor. Triste. Muito triste. Trágico. Não quero fazer a pergunta que abala a minha mente. Prefiro rezar,  me compadecer com as perdas, transmitir energias, forças, serenidade, paz aos familiares. No entanto, a pergunta não me abandona.
Não há futebol. Não há jogo. O verde se tornou preto. A solidão da arquibancada é a dor do torcedor na derrota da vida. O minuto de silêncio tem a duração da eternidade. A Chapecoense transcendeu o futebol, virou do tamanho do mundo. A sua história será contada, recontada até o fim do futebol. A sua magia, seu jogo bonito, seus feitos, sua estruturação, seu modelo gerá uma questão irrelevante, menor, sem nexo, neste momento: aonde chegaria a Chapecoense? Seria um Leicester? Ou só um fenômeno passageiro? Foi encantadora, brilhante a sua trajetória. O que acontecerá? O fim ou recomeçará e será maior depois da tragédia? O tempo, a disposição, a superação da dor que irão dizer.
Deveria ter um desígnio que impedisse a morte de jovens. Começavam a vida, tinham sonhos, projetos e tudo terminou. Porquê? Alguns eram brilhantes, promissores. Outros, bravos guerreiros. Caio Júnior se reconstruia. Uma comissão técnica exemplar. Dirigentes que pareciam ser um sopro de novidade. De velhos cartolas que não mereciam este fim. Jornalistas que iniciavam as suas carreiras. Injusta morte para os consagrados, para os mais velhos que acompanhavam a delegação. Injusta com uma cidade, com um estado que tem poucas alegrias no esporte. Meu abraço fraterno, carinhoso, solidário a todos os familiares, amigos e fãs. Sentirei saudade do belo jogo, da entusiasmada narração de Fernando Doesse, de Deva Pascovich, das reportagens do André Podiacki, de Vitorino Chermont, dos comentários ácidos de Mário Sérgio,  a apurada análise técnica de Paulo Júlio Clemant e dos outros jornalistas que não conheço. Mas, lamento profundamente.
Gosto da Chapecoense por causa de meu primo Beto e de seu filho Franscisco. Dois amantes da bola. Lembro do entusiasmo do Beto com seu Verdão. Trocou o amor do Grêmio pela Chapecoense. Além disso, é próxima dos meus velhos times de infância. Chego a sonhar em ver o Ypiranga de Erechim e o Inter de Lages se tornarem novas Chapecoense. Mas, tudo acabou. O futebol perde o sentido. A alegria e a festa são substituídas pela dor, tristeza e um desespero que abrange a alma e o coração. Vou ser piegas na minha melancolia. Como está no blog Floripa mil graus,'a Chapecoense subiu, subiu, subiu e chegou ao céu'. Vou olhar as estrelas está noite. Acho que vou ver uma estrela verde piscando intensamente,

terça-feira, 22 de novembro de 2016

El Cid



Mauro Pandolfi

É o dono da bola. Ela procura seus pés.  Ele acaricia. Gira o jogo para um lado. Vira para o outro lado. Acelera. Cadencia. A figura é imponente. Se destaca na multidão do meio-campo. Quase não corre. Seus passos são lentos. Flutua nos espaços vazios. Procura um atalho. Ele conhece todos. A sua presença gera confiança. Aumenta a estima de seus companheiros. É a certeza de uma solução, onde não há mais saída. Só há esperança. Ela surge numa cobrança de falta. A bola viaja, lenta, rumo ao coração do gol.  Os torcedores confiam no seu talento, na dedicação amorosa, na bravura. Marquinhos Santos é o cérebro, coração e alma deste Avaí que desafiou a lógica da bola, a verdade dos comentaristas, as incertezas dos torcedores e o sobrenatural do teatro de grama e paixão. Ele é o El Cid avaiano. O herói que nunca abandona as batalhas. O guerreiro imortal feito o espanhol. Ressurge sempre. Basta a sua presença física para despertar  a chama da vitória. As loucas batalhas são vencidas. Nem o tempo abala a sua fúria.
Marquinhos Santos é um dos melhores jogadores daqui. Habilidoso. Preciso na cobrança de falta. A bola na entrada da área não é meio gol. É um gol inteiro. Dois, três passos. O olhar de quem calcula a distância, a força, a velocidade. A batida é certeira. Resta ao goleiro apenas acompanhar a trajetória. Foi assim contra o Náutico, É só mais uma qualidade. A principal! Gosto da maneira dele controlar o jogo. A postura e o posicionamento. Abre pelos lados. Sempre fugindo do marcador. Rege o jogo. As mãos de um maestro orienta o melhor lance. Marquinhos Santos é raro. Um meiocampista que se reinventou, descobriu os novos olhares do futebol. Pena que já tem 35 anos. Logo, logo, será saudades. A lembrança será um poster no quarto de algum 'avaixonado'.
"Êssi Avaí fásh côza!" A filosofia mané elúcida a ilogicidade da bola. O Avaí saiu de um tormento para glória. Desafiou a imprensa e seus profetas, os torcedores lúcidos, os fundamentalistas, os apavorados. Todos temiam a queda. Subiu! Que mágica foi esta? Aquele time terrível, de maus jogadores, com um arremedo tático se reinventou. Trabalho, acaso  ou era um engano de análise? Sempre achei o time melhor que os comentaristas diziam. Via qualidades individuais, técnicas, de estrutura de armação de jogo. Não sou um vidente como o meu amigo Rai Carlos. Alias, ele sempre falou que o ceu é azul e a festa de final ano, tambem seria azzura. "Este time vai dar coisa. Vai subir. É muit bom! Escreva um texto falando isto. Por que tu não escreve sobre o futebol daqui? Se perde em Messi, Neymar e nos delírios gremistas. Olhe o seu chão, Mauro!" Boa pergunta que não sei a resposta.
O Avai é consistente. Sereno, tranquilo, cirúrgico. Defesa sólida, variação tática, certeiro no ataque. Muda o sistema de jogo sem trocar jogadores. Alterna os movimentos, os passes com a lucidez das ótimas equipes. Não é vistoso. É preciso. Há jogadores preciosos e um técnico inventivo, perspicaz. E, como dizem, 'um ótimo gestor de pessoas'. Gestor é um termo que vai substituindo o 'velho motivador'. O goleiro Renan é espetacular. A solidez defensiva passa por Alemão e os zagueiros Fábio Sanches e Betão formam um paredão. Poucas equipes tem um lateral enérgico, agressivo, como Capa. O meio é equilibrado. Tem a segurança de Luan, as longas passadas de João Felipe e a multiplicidade de Renato. Um meia deste tempo. Movimentos, deslocamentos, passes, sempre  a procura de espaço vazio para facilitar a jogada. Jogadoraço!
Há ainda Diego Jardel. Antigo e moderno. Capaz de lances fantásticos com uma fuga inesperada do jogo. Este desequilíbrio impede ser um belo jogador. O garoto Rômulo vai brilhar muito pelos campos deste planeta. De Marquinhos, já escrevi. Uma equipe que mostra que o impossível não existe. Às vezes, o impossível é apenas a qualidade não observada
Manter a equipe ou reforçar? O dilema de 2017. Tomara que a direção não escute os profetas que diferenciam tanto Série A a de B. Fique com este time, acrescente alguns jovens, promessas de times menores e fuja dos medalhões. Será inevitável perder alguns jogadores. É a lógica do capital no futebol econômico. É a crueldade da grana que 'constrói e destrói coisas belas'. O futebol é feito de sonhos. Ainda somos um ioiô. Descemos e subimos com a mesma velocidade. Mas, um dia, quem sabe, a ilusão mude a história da bola. Porém, como todos sabem, as ilusões estão perdidas.

PS: Este texto é escrito por um torcedor do Figueirense que acredita que a rivalidade deve ser encarada com mais afeto. Nem todas, é verdade!


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Holofotes

Chiko Kuneski

Um ditado antigo, sou antigo confesso, diz: “tudo como d’antes no quartel de Abrantes”. Uso esse dito para explicar que “tudo está no seu lugar”. Lugar de cadeiras marcadas, de baralhos marcados, de jogos marcados. Assim é o futebol brasileiro. Uma constante de inconstâncias constantes.

Uma modelo loura invade o gramado da Arena do Grêmio. Invasão. STJD. Punição. Perda do mando de campo do jogo decisivo da Copa do Brasil. Mas a pessoa em questão é filha do técnico do Grêmio, Renato Portaluppi. Compulsão. Estardalhaço. Gritarias histéricas. Nervosismos. Desabafos nervosos. Paixão.

Mas... nesse país é o ditado do início do texto que vale. A tudo se recorre. Tudo tem um porém. Uma falha. Uma chicana jurídica, seja ela pelo certo; pelo errado. No quartel do futebol brasileiro, ainda com fortes resquícios generalísticos da ditadura, principalmente no STJD, acaba “tudo como d’antes”. Liminar garante a decisão na Arena do Grêmio. Nada mudou.


Somos o país dos holofotes. O importante é estar frente às câmeras, virar estrelas por segundos, virar o assunto da semana, do dia. Uns com suas calças jeans, outros com suas togas com cheiro de naftalina. Pessoalmente, ainda prefiro as jeans bem vestidas.

Castigo e crime



Mauro Pandolfi

"Só é dado o poder a quem ousa abaixar-se para apanhá-lo."
Os juízes do stjd são fiéis leitores de Dostoievski.

A palavra é:  injustiça, engano, absurdo, erro, exagero, infelicidade, equívoco, legalice, excesso de zelo, legalismo, bizarro, esdrúxulo, anacrônico, boçalidade, machismo, misoginia, cretinice, idiotice, malandragem, canalhice, estupidez, calhordice, sem vergonhice, imbelicidade. Eu prefiro estupidez para qualificar a decisão do stjd que tirou o mando de campo do Grêmio pela invasão da 'perigosa, empoderada', Carol Portaluppi. Estupidez, também, uso para entender a loucura do Brasil. Um bando de idiotas invade o congresso para pedir um golpe militar. Outra corja de imbecis queimam pneus nas ruas para atrapalhar a vida das pessoas para contestar o governo.  Então, lembro de um poema de Afonso Romano Santana que dizia: " Uma coisa é um país. Outra, é um ajuntamento". Que grande ajuntamento estão transformando este lugar.
Não há fundo do poço no futebol brasileiro. O buraco vai sendo cavado todos os dias. o 7 a 1 segue sendo eterno e comemorado. Tite só salvou a seleção. Transformou 'a pior geração de todos os tempos' em um time encantador. A dura poesia circular do cotidiano vai revelando que as estruturas do futebol brasileiro estão intactas. Tudo é quase ruína. A cbf continua presidida por um homem que vive como um ermitão. Com luxo e elegância. Mas, preso no seu conforto. Deve ser triste um cartola não aproveitar as 'delícias' do poder.
Os cartolas do stjd adoram um holofote. Restritos a sua insignificância o ano inteiro, resolveram entrar em campo. Nunca antes na história deste futebol produziram uma decisão tão cretina. A 'invasão' de Carol Portaluppi tirou o mando de campo da final. Agora é assim. Não invada para abraçar alguém ou comemorar uma vitória. Isto prejudica o seu time. Jogue bomba, brigue com a polícia, quebre o alambrado, jogue um sinalizador. Isto não tira o mando de campo.  Apenas, multa. É, neste 'ajuntamento' marcado de ódio, andar amado é perigoso demais,
Revolução. É a palavra para o futebol brasileiro. Romper com tudo. Cbf, stjd, federações. Criar uma liga. Porém, sem os cartolas atuais. Gente diferente, arejada, sem compromisso com as atuais direções dos clubes. A primeira liga é um exemplo que não se modifica, renova, reforma com quem detém o poder. Criticaram del nero e votaram nele na eleição da cbf. Não conseguiram criar um campeonato decente, enxuto, lucrativo. Claro, um cartola rejeita outro por serem rivais na cidade. Ah, outro acha que seu time é mais 'poderoso'. Uma pena! A primeira liga morreu antes de crescer.
O que fará o Grêmio? Acho que conseguirá o efeito suspensivo e fará a final na Arena. Se não conseguir, não escolha o campo. Busque o título em qualquer campo. No Rio Grande do Sul, Minas, na China ou Marte. Mas, leve a Carol Portaluppi junto. Tomara que invada o campo para abraçar o pai campeão. Aí, eu quero ver o stjd tirar o título por reincidência da bela Carol.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Crime e castigo


Mauro Pandolfi

"O erro é uma coisa boa que conduz à verdade".
O abraço amoroso de Renato Portaluppi em Carol, pai e filha, dentro do gramado, desrespeitou a regra da Copa do Brasil. Mas evidenciou o amor e a verdade em Dostoievski.

Cenas de uma quarta. O abraço de pai e o filho, com os rostos pintados, chorando e rindo, foi capa de jornal. Cenas de uma vitória. Um grupo de amigos, que pulam e cantam, declara na rádio sua paixão em gritos e sussuros. Cenas de um sonho. Renato Portaluppi chama a filha Carol para o gramado e abraça afetuosamente, comemorando a chegada à final de Copa do Brasil. Cenas de gremistas. As duas primeiras desapareceram no dia seguinte. Ficou apenas na memórias deles. A de Renato e Carol durará alguns dias. Os moralistas de plantão, os legalistas querem impedir que o Grêmio jogue a final na Arena. Afinal, Carol Portaluppi 'invadiu' o campo. Isto é ilegal, perigoso, imoral, só não engorda. Quantos riscos sofreu a arbitragem e o time do Cruzeiro com a 'ocupação' de Carol? Perigosa, poderosa e empoderada esta filha de Renato Portaluppi, hein?
O Grêmio já foi imortal. Venceu a 'mãe' de todas as batalhas de sua história: a dos Aflitos. Sete homens e um destino. A eternidade. O tempo voou. A imortalidade é só um engano, uma ilusão, uma quimera. Os títulos são sempre os mesmos. O que estão nas paredes das barbearias das cidades pequenas gaúchas, nos almanaques, na memória dos poetas fanáticos tricolores que declamam escalações feito poesia. Quinze anos sem títulos. Gauchão não conta mais. O desejo que sempre termina numa quarta, oitava ou semifinal de qualquer copa. Ou, acaba no início do returno do Brasileirão. Quarta foi diferente. Afinal, uma final. Os gremistas liberaram o canto, o choro, o grito escondido na garganta, preso na alma, sufocado no coração. Porém...
Estranho este país! Estudantes ocupam escolas contra reforma para mudar o ensino medíocre que atrasa , não estimula, não oferece perspectiva. Torcedores (sic) batem, brigam, surram policiais e editoriais, notas oficiais, comentaristas, reclamaram da agressividade da polícia. 'Os torcedores' foram soltos. Os clubes pegaram penas pecuniárias, diminuição de ingressos ou proibição das organizadas até o final do campeonato. A súmula do árbitro, de Grêmio e Cruzeiro, relatou o 'crime': a 'invasão' de Carol Portaluppi. Vai a julgamento. 'O castigo': perda do mando de campo. Legal, pode ser. Injustiça, certamente. Legítimo? Nem um pouco. Carol nada fez. Comemorou com pai, tirou fotos, registrou a alegria, a felicidade, a reinvenção do mito. Como os hipócritas deste país odeiam a tal felicidade.
Renato é o ícone maior do Grêmio. Seu rosto, seus feitos estão pintados nas paredes da Arena. Foi resgatado das areias de Copacabana para recuperar o Grêmio. Manteve o pensar e os conceitos de Roger. Acrescentou a 'malandragem' de campo, vestiários, anos de praia. O time se estabilizou, se aprumou e chegou na final. Renato explodiu no seu 'renascimento'. Chamou a filha para a festa. Pularam, dançaram, abraçaram, tiraram fotos. Um feito que qualquer pai gosta de dividir com os filhos. Renato foi só um torcedor gremista. Esqueceu o cargo e vibrou com a vitória do clube. Uma cena de amor. Mas, nestes tempo de ódio, que vive o Brasil, andar amado é perigoso. O amor de pai e filha insultou a 'lei'. Será punido. Resta aos gremistas, a receita de um velho corneta: Vou me embriagar de Bardhal B-12.