domingo, 28 de agosto de 2016

Alcindo, adeus!


Mauro Pandolfi

"Minha pátria  é minha infância: por isto vivo no exílio".
O verso de Cacaso me anistiou para chorar por Alcindo.

Domingo triste. O menino de Lages, que aprendeu amar o futebol no Vermelhão,  chorou com a morte do  centroavante que o transformou em gremista. O velho, que nunca perdeu o amor da bola, ficou emocionado. Melancólico todo o dia. As lágrimas  escaparam no minuto de silêncio na Arena. O empate contra o Galo não significou nada. Foi o dia de lembrar de Alcindo Martha de Freitas. O Bugre que demolia defesas, o maior goleador nos grenais e o último  parceiro de Pelé. Aos 71 anos, de diabetes, Alcindo deixou a vida. Agora, vive como lenda.
Foi lá  por 67. No Vermelhão que descobri o Grêmio.  Fui  ver o treino do time que enfrentaria o Guarani. Queria conhecer Alcindo. O goleador destemido, que jogou na Copa de 66. Como todos, fracassou. Mas, era ídolo em Lages. O Vermelhão  estava lotado. Olhares atento ao pequeno João  Severiano, no lageano Áureo  e em Alcindo. Atravessei a multidão, cheguei no alambrado e vi todos os jogadores de camisetas brancas. Batiam bola, faziam bobinho, trocavam passes. No entanto,  um jogador vestia uma c amisa diferente. Linda. Três cores em listras verticais. Azul, branca e negra. Uma combinação magnífica. Conhecia o Grêmio só de ouvir falar. Número  13 nas costas. Perguntei  quem era aquele. 'Alcindo!', me responderam.  Os meus olhos distraídos voltaram a olbar o campo. Foi o tempo de ver a matada no peito, a girada do corpo, o chute forte, seco, certeiro e o balançar  do travessão.  A pequena multidão  aplaudiu. Sorri ao ver o chute de Alcindo. A alma em excitação e o coração  que escolheu um time para sempre: Grêmio! Grato, Alcindo!
O tempo voou. Mudei, mudamos todos. A vida tem os seus caminhos  os segredos, os mistérios. O teatro de grama e paixão continuou mágico, envolvente, amoroso. Virei jornalista. Fui cobrir o Mundial de Seniors em 87. Vi Pelé, Rivelino e Babington. Deixei de ser jornalista, virei torcedor ao ver Alcindo. Fiz uma entrevista emocionada, ganhei um abraço, e, no meio de todos os jornalistas, pedi um autógrafo. Um troféu que está em algum canto da casa da mãe. 
No início de outubro de 98, a melhor notícia de toda a vida: Elaine estava grávida.  Se for menina uma dúvida entre Ana Lydia e Maria Carolina. Menino, pensei rápido. Tem que ter Renato, o maior de todos os gremistas. O outro nome, já que gosto de dupla, Alcindo. Nem conversei com a Elaine. A poesia entre Alcindo e Renato só rimava no campo. Alcindo era um nome de outro tempo. A sonoridade de Renato combinava com André. Queria um ataque com três. Elaine vetou Éder. Ficou André Renato.  Hoje, o meu ataque dos sonhos detesta futebol. Quem sabe um neto se torne Alcindo. Porém, é uma outra história, outro tempo. E, quem sabe, o futebol se torne só uma lembrança de um velho sem memória?

sábado, 27 de agosto de 2016

Tite



Mauro Pandolfi

Eu sou 'bachiano'. Gosto do pensar de Adenor Bachi. É culto, não dá tapa na mesa e nem berra desesperado ao lado do campo. Suas entrevistas são lúcidas. A verborragia foge do chavão dos treinadores. Não estabelece limite, censura, regra aos entrevistadores. Responde sobre tudo. Conceitos táticos, técnicos, análise de convocados ou não, de adversários. Tite é o melhor treinador do futebol brasileiro. O mais capaz, melhor formado e informado, perspicaz, moderno deste canto do planeta. Tite é o homem certo, no momento adequado, na hora do pesadelo. Mas, não gostei muito de sua convocação. Perfeita a opção pelos garotos dourados. Não entendi a ausência de Walace e Luan, que deram equilíbrio ao time olímpico. Tenho dúvidas da qualidade de Paulinho, Taison e de Giuliano. Só os jogos vão comprovar, ou não, as escolhas.
Tite repete o mesmo engano de todos nós. O passado, o vivido é a referência. Escolhemos o que deu certo e tentamos repetir. Sem tempo, ele optou pelos conhecidos, de sua confiança. Escolheu jogadores de vários anos atrás. De outras campanhas vitoriosas. Temeroso, Tite olhou para o futuro, os jogadores dourados, com certa desconfiança. Exatamente como todo mundo. O futuro é mais seguro com o olhar do passado te protegendo.
Será um time pragmático, como era o Corinthians. Consistente na defesa.  Zagueiros sóbrios, com  boa saída de jogo. Os laterias funcionam menos como marcadores, mais como meio-campistas. Sólido no meio.  Um volante e dois meias, um de cada lado. Um mais ofensivo, com chegada no lugar do centroavante. Outro, mais defensivo, iniciando a jogada com os laterais. Um ataque móvel. Neymar, obvio!, será o centro do time. Ele deverá 'flutuar' mais do que nos tempos de Felipão e Dunga. Os guris completarão o time com vivacidade, velocidade e intensidade. Três expressões 'bachianas'. O futebol é um jogo fascinante. Onde as certezas se evaporam diante de um gol, de um erro, de uma improvisação. É perfeito somente na análise pós-jogo, onde nós, os pretensos analistas, nunca perdemos.
Gosto de Tite e suas frases. Uma delas é que fala  do desejo dos jogadores.  "Ambição de ser titular todos tem. É normal que tenha. E todos vão buscar dessa forma. Eu falo para ele o que vale para todos. A bola fala e o campo fala. É lá dentro que se fala que se consegue a vaga. É no campo que se mostra. Todos querem ser titulares".  Tite é a esperança - a maldita esperança! - de uma transformação da seleção. Não do futebol brasileiro. Este, nem esperança tem.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ainda Neymar...

sábado, 20 de agosto de 2016

A inconsequência senil da puberdade

Chiko Kuneski

O time do Brasil ganhou a medalha de ouro no Maracanã sem brilhar nem para a prata. Jogou por uma bola, ou cinco, nos pênaltis, mas ficou na história. A História se escreve nas manchetes dos editores, não em uma frase no meio da matéria dos repórteres que a vivenciam. Prefiro o meio, o recheio do texto. Os títulos costumam ser extremos: destrutivos ou ufanistas. Principalmente porque vendem paixões e jornais.

Nas linhas do meio das entrevistas Luan, um garoto promissor, e Neymar, um “craque de Playstation”, cada vez mais, disseram a mesma frase: “agora vão ter que engolir”. Luan falando das críticas ao time, Neymar sobre ele mesmo. Sempre fala sobre ele mesmo.

Muitos vão, com já o fizeram, atribuir a crítica aos críticos devido a pouca idade. Adoram mimar jovens ousados. Atribuo ao desprezo à camisa. Ao desatino da euforia. A vida é feita de críticas e os que desejam apenas afagos não devem deixar os colos das mães e pais. Quem os deixa para a exposição pública deve aprender que foi-se o mimo.

Preocupo-me quando jovens promissores repetem a gagá frase de Zagalo, um quase centenário, como desabafo. Vencem sem saber vencer. Criticam a crítica que os fez crescer e vencer. Envelhecem na tenra idade por ranzinze.

Esse é o maior problema dos “badboys” da seleção brasileira. São velhos em plena juventude para aceitar críticas; ao mesmo tempo que são jovens imaturos para responder apropriadamente. Como Gabi Gol, que saiu de campo reclamando a falta de apoio da torcida quando perdia gols, mesmo tendo feito dois no jogo de Salvador.


Mas a “estrela” Neymar mostrou um bom momento de equipe no pódio exibindo a faixa na cabeça com os dizeres: “ 100% Jesus”. Talvez uma homenagem ao colega de equipe, o também atacante Gabriel.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Deuses humanos


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Bárbara, um adjetivo

Chiko Kuneski

Futebol. Um palco de grama e paixão, como define Mauro Pandolfi, é, acima de tudo um tablado de drama. O dramático faz dele enigmático. O futebol é uma caixa de Pandora das emoções. Abre-se a cada apito do início do jogo e não tem como se saber como se fechará. Libera a magia e segredos secretos da psique humana.

Depois do apito inicial e de aberta a caixa Pandora conta suas desgraças e trapaças. Mas dois as abrem. E ela precisa de um para contar para o outro. Em passes mágicos, inumanos, em toques sutis longe até da sutileza dos deuses, em dribles, que enganam até o próprio destino.

O pênalti é a mais cruel vingança dos deuses do futebol. São irresponsáveis até nisso. Apenas serve para divertir seu apetite do drama do tablado de grama e paixão. Os deuses se divertem castigando os humanos que idolatram semideuses. Não suportam a concorrência. No pênalti se vingam dos arvorados.


Assim fizeram com Marta. A semideusa do futebol feminino. Criaram o drama do erro. Erro fatal. Mas os deuses do futebol sempre gostam de reservar o pior castigo para o último momento. Um chute. Olhos verdes vivazes. Velocidade. Movimentos divinos. Bárbara. Um substantivo que se adjetivou contra a vontade desses insanos deuses brincalhões.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Alma



Mauro Pandolfi

Sou fã de Neymar. Gosto dos dribles de asas de chuteiras - bela imagem criada por Chiko Kuneski -, do arranque, do futebol fantástico de playstation - outra do Chiko -, do jeito abusado, irreverente, festeiro. Moleque! Luan, Gabigol e Gabriel Jesus formam um trio de jogadores magníficos. Uma geração 'dourada'. Criativos e audazes. Walace, Dourado, Renato Augusto, Rafinha completam um ótimo time. No papel! Qual é o problema, então? O técnico Rogério Micale tem se revelado um treinador igual aos demais.  Um pastiche do moderno. Uma explicação é o lugar comum do massacre alemão que nenhuma modificação gerou. A outra, é alma! Olimpíada é movida a bravura, coragem, gana, alma. Há muito tempo que o futebol brasileiro vendeu a alma. Em troca do que? Não sei!
A beleza do esporte é a contradição.  O paradoxo! Prega união, paz, harmonia. Mas, é movido a batalhas. A Olimpíada é um simulacro de guerra. Países, mulheres, homens em conflito.  Buscam a glória e a heroicidade. A vitória é uma medalha no peito. Só o choro comovido, desesperador ' salva' o derrotado. No entanto, a fogueira incinera os perdedores. Neymar é o grande candidato desta 'inquisição'.  Os outros jogadores sairão chamuscado. Nenhum será torrado como Neymar. A medalha de ouro que Gerson  Vavá, Jairzinho, Falcão, Dinamite, Júnior, Rivaldo, Ronaldo Fenômeno nunca  trouxeram é uma obrigação dele. Neymar é só um jovem. Com todos os adjetivos atribuídos aos jovens ricos: boçal, babaca, mimado. 'Defeitos' que serão ignorados se a medalha de ouro aparecer no seu peito no final dos jogos. Cena difícil. Porém, nunca subestime o talento.
A outra beleza do esporte é a ressurreição. A derrota não é permanente. A mágica Marta já foi taxada de jogadora de jogo fácil, de medrar nas decisões, de pipocar. O tempo, o futebol encantador, a alma a transformaram em um desejo do torcedor brasileiro. O bom time de Vadão joga em função dela. Isto permite Marta brilhar. Mas, se no final dos jogos, a medalha no peito não for dourada, a fogueira esta aí acesa! A fúria, a gana, a alma, fizeram Rafaela Silva derrotar os  ''inquisidores' de 2012. Brilha, agora, o sorriso da vida difícil, o ouro, a volta por cima. Ela é exemplo para todos os perdedores. O impossível não existe, mesmo!.
O sete a um não é só folclorização. É tatuagem no futebol brasileiro. Não sai mais. Eterno. Nada mudará. Nem a cbf será extinta. O fundo do poço não tem fundo. O Internacional massacrou mais um ídolo. Falcão foi defenestrado depois de cinco jogos. O Inter busca a sobrevivência, fugir do rebaixamento, não quer um título que não tem. Catou o pensamento mágico de Fernando Carvalho e Ibsen Pinheiro. Mas, os cartolas do  Inter não perceberam que o Paysandu já está na série B.  Para 'treinador' encontraram ... Celso Roth! Ufa! Este risco os gremistas não correm mais.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

No bico

Chiko Kuneski

Quantas vezes você já ouviu alguém dizer: “faço uns bicos, ou vivo de bico”? Bico de pintor, de encanador, bico de pedreiro. Nunca se ouve um árbitro (?) de futebol assumir. “Vivo de bico”.

Adoro as transmissões de rádio, especialmente as AM, quando os repórteres dizem a profissão do trio, hoje quinteto, já foi sexteto, de arbitragem. Apitar futebol profissional no Brasil é “bico”.

Sem trocadinho do apito soprado na boca do “todo poderoso”, é um bico e como todo extra, sujeito a falta de aprimoramento, de estudo, de dedicação. Bico é bico. E quem contrata sabe que é apenas um bico, não está pagando para um profissional.

Pior. O que vive do bico serve ao que paga melhor o bico. A gorjeta. A propina. Ao agrado. E, por ser bico, não é cobrado por falhas. Por erros grosseiros. Por falta de qualidade profissional. Foi contratado pra ser um bico.

O jeitinho brasileiro para desculpar tudo. Não se pode cobrar quem não é profissional de ofício. Quem não tem Conselhos Regulamentadores, sindicatos. Os árbitros brasileiros não querem a profissionalização. Regulamentos. Compromissos. Responsabilidades. Preferem viver de bico. Ludibriando a carreira que os sustenta e enganando os torcedores nos eternos bicos de arbitragem. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Bola! Substantivo feminino...

 

Mauro Pandolfi

Não assisto futebol feminino! Se este texto tivesse mais que os seis leitores habituais, seria massacrado. Não sei se os seis terão benevolência comigo. Estou pronto para  as pancadas. Podem bater à vontade. Menos na mão esquerda queimada.  Dói muito! Mas, voltando à bola. Há algo que não me agrada no futebol feminino. Machismo! Será? Misoginia? Nunca! É a cultura que torna o jogo másculo? Eu detesto a machonaria latina. Então, o que é? Não sei! Um pouco de tudo que escrevi? Se for, ficarei frustrado com um conservadorismo que acho que não tenho. Ou, a opção é sempre o Grêmio e os homens que brincam com a bola desde menino? Talvez, a Marta me esclareça.
Faz tempo. Muito tempo. Foi lá por 72. Verdes anos. De uma aurora juvenil cercada de chumbo. O professor de Educação Física, não lembro se foi o Belisca ou o Renatão, dividiu a turma. O professor das meninas estava doente. O nosso resolveu juntar as turmas. Os meninos foram para a arquibancada do ginásio. As meninas ficaram na quadra. Nada de vôlei ou basquete. Futebol de salão! Quantos risos, quanta alegria nos tropeções, nas quedas. Desajeitadas. Mal sabiam correr. A bola pesada chutada de qualquer jeito. Moviam-se desesperadamente sem rumo. Andavam em bloco. Conseguiram até marcar gols. Meia hora de comédia. Nunca mais o professor repetiu a tentativa. Nas outras aulas, optou pelo vôlei. Meu deus, que texto machista!
Deitado no meu divã, descubro a origem do bloqueio. É aí que barrei as mulheres no futebol! Vi o teipe de Brasil x China. Fiquei encantado com o jogo, a postura, a vontade, o desejo, o lúdico. Nada romântico ou saudosista do velho futebol brasileiro. Repete o mesmo imaginário. Um jogo menos apressado. Um jeito veloz, rápido. Muita habilidade, destreza. Vadão é um ótimo artesão de times. Inventou o carrossel caipira do Mogi Mirim de Rivaldo. Há quase a dinâmica tática. E, ainda há  Marta. Marta é o dez sonhado pelos fanáticos do futebol antigo. Hábil, inteligente, bom passe, chute preciso. Marta não é o antigo dez. É o moderno dez. Marta é o mais próximo de Messi no mundo da bola.
Triste. Muito triste. decepcionado. O time dos amigos de Neymar é o mesmo retrato do tempo de Dunga. Medroso, confuso, soberbo. Um desastre tático. Uma equipe que tem Gabigol, Gabriel Jesus, Luan, Neymar e cia não pode ser ruim? Deve ser um espetáculo! É uma geração iluminada. O que aconteceu? Estreia?  Paúra? Vamos ver o que vai ocorrer. Pelo primeiro jogo, a corrida do ouro será árdua. E, tem os portugueses, alemães e nigerianos na disputa.
O mundo binário está terminando. Os extremos não existem mais. São reflexos de mundo passadista, de uma outra época. Esquerda e direita são meras ficções políticas. Se entrelaçaram de tal forma, que não há mais como separá-las. No comportamento, a fronteira masculino e feminino diluiu. O mundo agora é líquido. Os gêneros provocam belas misturas. Cada um pode ser o que quiser.; É a vida! Então, penso: o futebol pode ser uma doce, encantada mistura? Eu quero a Marta no meu time! E têm mais, a Marta é melhor que o Douglas, muito melhor!!!

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Um zero a zero é chocho?

Chiko Kuneski

Parece interessante usar esse termo antigo para o futebol do século XXI. E título com pergunta é quase uma declaração do autor da falta de convicção. Mas não se pode ser convicto para sempre. Especialmente no futebol. O zero a zero pode ser vibrante.

O torcedor exige o gol. A euforia. O êxtase. Precisa quebrar o ritmo da vida com braços erguidos, punhos cerrados, gritos estridentes vindo da alma de torcedor. O gol é o aplauso triunfal da jogada bem feita. Perfeita. O gemido da bola na trave, da bola na mão do goleiro é baixo, gutural. O grito do gol é de alerta da alegria incontida.

Já o observador, que pensa e analisa o jogo, mesmo visto pelo tubo, torce calado. Reclama mentalmente. No máximo crispa os dedos da bola na trave, da bola na ponta da luva, da bola que não quis casar com o “véu de noiva”. Mas o futebol é mais importante que um lance. Que um momento eufórico. Que uma alegria de gol.

O prazer do teatro do gramado de grama e paixão, como define Mauro Pandolfi, não precisa do ápice do gol. É o jogo, o movimento, a estratégia, o deslocamento das peças de um xadrez imaginário que o torna fantástico e apaixonante. É a qualidade que faz a diferença dos zeros.


Um zero a zero pode ser vazio, seco, indeglutível. Um zero a zero também pode ser um vinho amadurecido que deixa um sabor inesquecível na garganta. 

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A soberba e o medo

 

Mauro Pandolfi


Desigual. De um lado, um time poderoso. Forte. Preciso. Líder. Dono do jogo. Tem o controle da partida. Acelera, cadencia, acelera. O ritmo é seu. Mortal no ataque. Goleadores pelos lado, pelo centro. Sempre trabalha os lances. Defesa intransponível. Marcação firme, segura, rápida. O adversário encurralado. Planejado. Arquitetado. Treinado. Soberano. De outro, uma equipe fraca. Confusa. Insegura. Medrosa. Sempre dominada. O gol é uma ilusão. Ocorre como um acidente. A defesa se esfarela no primeiro erro. Desmorona como um castelo de cartas. Lanterna. Perdedor. A vitória do primeiro é garantida? Não no teatro de grama e paixão. O impossível não existe com uma bola em campo. Davi e Golias explicam a derrota do poderoso? Ou é necessário buscar os mistério e os segredos do futebol? Soberba? O medo do fracasso é uma justificativa? Ou é só uma zebra? Este é um belo, fascinante dilema do futebol!
Niké ou Nice é a deusa da 'vitória' para os gregos. Representada por uma mulher alada. Para os romanos, era Victória. Nos confrontos decisivos, a deusa era glorificada. A derrota gerava um transtorno. Nos embates, os guerreiros passaram a temer a luta. Isto gerou o pavor de não vencer. O fracasso. É uma espécie de síndrome nos dias de hoje. Quanto mais perto da glória, mais próximo do revés.:'O medo de ser feliz', apavora, desequilibra, perturba.  O que era 'vitória' torna-se um drama, uma paixão que encanta o futebol.
A soberba. O mais perturbador pecado capital. A certeza. Ausência de dúvida. A cegueira que briga com o fato, a verdade, o inexplicável. O orgulho, a presunção, o menosprezo, a arrogância que derrota os melhores na luta. A falta de concentração (a moderna desculpa depois de um jogo perdido), a desatenção, a indolência são só justificativas.. O futebol tem os seus paradoxos. Cultua a soberba dos campeões, dos maiores, dos craques. Eleva a vaidade.  Transformam em  mitos e não toleram as perdas. Quantos times e jogadores são malditos, amaldiçoadas, sinônimos de derrotas. É a crueldade da bola.
Ligo para o meu amigo Rai Carlos, o vidente cego, para explicar-me as derrotas dos gigantes. "É bíblico. Davi e Golias não é um chavão. É uma metáfora, uma alegoria do homem contra o homem. Não é só a luta em si. É armadilha divina da superioridade. Não há nada maior e não há nada menor.  A vitória é do mais eficaz, persistente, lutador. O soberbo é um fraco. Sabe que será derrotado. Cria a imagem de superior para assustar o oponente. Só consegue quando o adversário entra amedrontado pela empáfia. O medo é o outro componente da derrota. Fica apavorada com a possibilidade de não vencer. Murcha, se esconde, até a primeira porrada. O futebol é assim, Mauro!", comenta. Antes de desligar, Raí dá a gargalhada e arremata:"Tudo amarelão, Mauro! Paúra, medo, se borram nas calças com a dificuldade. Tudo bunda mole!'. Rio e escuto;'Quando é contra o nosso time, é zebra! O imponderável é o melhor lado da bola. O mais inesquecível!", completa.