quarta-feira, 30 de março de 2016

O espelho

 
Mauro Pandolfi

Na escuridão do quarto vejo o futebol do Brasil. Futebol? A Elaine entra, vê o placar e dispara: "Já está perdendo!" Comento que é triste ver a seleção. Rápida, visceral, ela devolve com uma precisão ausente no time brasileiro: "Não pode ser diferente do país. É um espelho!". Fala, sai do quarto e volta ao seu tricô acompanhado de uma bela trilha sonora. O espelho é uma boa imagem que reflete o momento. Futebol e política de mãos dadas. Gêmeos nas denúncias de corrupção, perdidos num imaginário sem nexo, saudosos de utopia que só foi utopia. Dunga e Dilma são passageiros de uma agonia. Dois tecnocratas, sem habilidade no diálogo, que estão sendo tragados pela soberba e incompetência técnica. Não tem mais nada a 'oferecer' ao país. Só não tem a virtude de ir embora, de dizer adeus, até um dia na história ou, me esqueçam!
Fantasia é o melhor adjetivo do futebol brasileiro. Invenção dos anos 40, glorificada nos 50, deificada nos 60 e 70, anulada nos 80 e 90 e sobrevivente no século 21. Um imaginário lúdico. O Brasil gigante pela própria natureza. Por instante, foi real. Tempos de Pelé, Garrincha, Didi, Tostão. Esperamos a reencarnação dos mitos em cada geração. Vivemos a ilusão que o talento é suficiente. Não há nada a aprender. Só ensinamos. O 7 a 1 é visto como um engano, um acidente. Nada foi feito. Acho que nem uma análise crítica.  A seleção é o retrato do futebol jogado no Brasil. Anacrônico, previsível, chato. Uma boa 'safra' sendo esmagada, destroçada pela decadência sem nenhuma elegância. Qual é a sensação de Douglas Costa ao trocar o treinamento de Guardiola por Dunga? Um túnel do tempo? O futuro e o arcaico? Ele é só um exemplo. Talvez, o goleiro Alisson não sinta diferença entre Argel e Dunga. São da mesma escola, mesma origem, mesmo clube. Práticos dos chutões, da machonaria, do tapa na mesa. E, tem jornalista esportivo que ainda defende isto. Alguns, querem até um 'bandido' no time. É o Brasil de hoje, de ontem, de amanhã, de sempre.
Defendo a extinção da cbf. Não tem mais utilidade. Nem da seleção sabe cuidar. Nada foi feito após o 7 a 1. Nem estudos para mudança da maneira de jogar, de gestão, de conceitos. O que Dunga fez entre 2010 e 2014? Fracassou no Inter e ... mais nada! Fez algum curso, viajou, morou no exterior, estudou, conversou? Não sei! A cbf está envolvida em corrupção, um presidente preso, outros escondidos, um eleito apressadamente. Nada foi feito para limpar a entidade, a imagem. Aliás, a escolha do hotel da seleção em Porto Alegre é duvidosa. O auxiliar momentâneo de Dunga, o ex-zagueiro Lúcio - outro legítimo representante desta escola - é um dos sócios do hotel. Parece que a 'boquinha', o troquinho' se tornou cultural.
A política não difere do futebol. Acuada, a presidente Dilma Roussef armou um imenso fim de feira após a saída dos ratos do pmdb. É o resultado da promiscuidade, da coalizão, da governabilidade. Para ter 'o sonho utópico' valeu a pena? O país está destruído. Tragédias diárias na saúde - que falta faz um Osvaldo Cruz! -, na educação - escolas decadentes, ensino de má qualidade -, da destruição ambiental - que será de ti, Mariana? - , da quebradeira das empresas - mais de 4 mil fábricas fechadas - , do desemprego maciço - mais de 10 milhões -, dos rombos - disse rombos! - da Petrobras são retratos do Brasil real. E a utopia do Brasil gigante, como todas as utopias, foi só  uma farsa, uma arapuca, uma maracutaia. Não sou eu que decido o destino. Só me me resta rezar para que tudo isto não acabe em uma ditadura. A tentação totalitária, neste país, à esquerda (o que é isto?) ou à direita (o que é isto?), é atávica.
 Qual o motivo de manter Dilma? A eleição é uma legalidade. A legitimidade.  pode ser perdida com o tempo, com a má gestão, com a ineficiência, com a incompetência, ou com problemas criminais. O discurso da 'utopia' é cínico. Não defendo o impeachment. Seria um corte dramático e drástico para o país. Há um monte de Neros, Napoleões fora do hospício, soltos nas ruas e no congresso.  Mas, não considero golpe. Está na mesma lei que a elegeu. Não é um artigo novo. O pt é vítima de suas palavras, de seus atos, de suas bravatas, de seus canalhas. Não tenho sonhos, utopias ou esperanças. Tenho dois filhos que vão viver o mesmo Brasil de meu avô,  do meu pai, meus irmãos e meu. É triste! O passado preso no presente, não como lembrança, como eternidade. Queria a renúncia - vale também para Temer. Afinal, não se elegeram juntos? Porém, não sei se Dilma tem a virtude de pensar o país. A saída que desejo é uma uma assembleia constituinte e eleições diretas para todos os níveis já. Não descobri se sou um idiota ou sonhador, perdido na realidade? Depende de quem ler, sei a resposta. É indiferente! Acho que são sinônimos.
Dunga é um esbirro de treinador. Um vencedor amargurado. Um ótimo volante. Mas, um equívoco como técnico. Nunca pensei na possibilidade de ver o Brasil fora da copa. É a primeira! Dunga, pega o boné e vai para casa, comentar na tevê, brincar com os netos.  Hoje, no feicebuque, um 'amigo', com a foto do 'não vai ter golpe', postou a mensagem: "fora Dunga!". No dos outros é mesmo refresco. O que faz alguém se apegar tanto a um cargo? Vaidade, poder, dinheiro? Não sei! Nunca fui chefe, não tenho dinheiro e a vaidade se resume a um elogio por um texto ou pelas minha massas.

terça-feira, 29 de março de 2016

Eles não saem

Chiko Kuneski

- Sai! Sai!
- Quem? Eu?
- É! Sai, porra!
- Mas a bola tá em jogo...
- Então espera!

O estádio silencia. A rede balança no embalo da bola do artilheiro. O técnico vibra. O jogador olha para o banco de reservas e soca o ar.
A placa sobe. Ricardo Oliveira soca o vazio. Soca a desilusão. Soca a cara imaginária do técnico que milhões de brasileiros socam juntos no imaginário. Mas, como bom escudeiro dos insensatos sem sonhos, resigna. Respira fundo e caminha para a linha lateral.

- Pronto, sai! Mas a bola entrou.

Provavelmente Ricardo Oliveira nunca teve a coragem de dizer isso para Dunga. E se disse ninguém saberá. Seria nos vestiários. Nos secretos dos desabafos. Nos olhares fulminantes. Na raiva do soco no ar. No chute que deve ter dado no banco, que a televisão não mostrou, de despontamento.

A imagem da substituição do atacante que acabou de fazer um gol na, até então, uma derrota de dois a zero de uma seleção sem esquema, sem conceito, sem inteligência fora de campo, jogando uma pelada de “casados contra solteiros”, sem comando dentro de campo, é o retrato do Brasil.

Acertou...sai!

Nos transformamos, em todos os setores, num país estranhamente estranho. O que acerta na luta da vida sai. O que manda, errado, fica. Quem ousa discutir esse conceito é um golpista que não entende as diretrizes que devem reger o grupo. O conceito de quem “utopisa” que dirige.

Não adiante vibrar com um gol. Podemos até empatar um jogo parecendo perdido. A essência do agir reinante é continuar perdendo.

domingo, 27 de março de 2016

Quase ganhou. Quase perdeu.



Mauro Pandolfi

O tempo foi exíguo. Pouco mais de 10 minutos. Suficiente para entender a essência da insistência, do futebol, da vida. Sexta-feira, final da tarde, ao chegar em casa, liguei tevê. Equador perdia de 2 a 1 para o Paraguai.  Eram 36 minutos do segundo tempo. Vi um Equador que pressionava, lutava, sem muita lucidez. Bolas longas e aéreas. Nada de organização tática. Desespero! Paraguai, acuado, defendia com chutões. Um jogo feio, tosco, intenso. Aos 47, já no final, uma bola invade a área paraguaia. O cabeceio firme. O gol! Na saída de bola, o Equador recupera, parte para o último ataque. Um lance duvidoso. O atacante é derrubado na área. O árbitro nada marca e termina o jogo. O Equador quase ganhou. Quase perdeu. Empatou! Assim é o futebol. Igual a vida
O futebol é a minha fuga. Escapo do dia-a-dia pela bola. Um programa de rádio, de tevê, ou de preferência, uma partida. Esqueço os meus problemas, as minhas dores, os meus desencantos. Recupero a alegria com um bom jogo. Suspiro pela beleza de um passe, pela magia de um drible que vira gol. Me encanto pela organização do time. Vibro com as linhas se movimentando feito um balé, com suas marcações. Imagino triângulos, retângulos, quadrados, círculos como desenhados por Johan Cruyff. Eu, péssimo em matemática, vejo um jogo trigonométrico! 
O futebol é a minha viagem do tempo. Passado e futuro pertence ao presente. Sou um ancião, que deseja ver quem vem depois de Messi. Um menino que suspira por Pelé e Garrincha, visto por instante, por leituras, por youtube. Ou,por Zizinho, Fritz Walter, craques do período que eu era só uma ficção. Sou um catador de jogos antigos, perdidos. Vejo minutos, partidas inteiras e fico, cada vez, mais alucinado pelo futebol. 
O futebol é a minha loucura. Neste Grenal, que se transformou o país, me escondo numa arquibancada, num sofá, num boteco querendo bola (o jogo! Não a propina!). Me frustrei com os meus sonhos políticos. Meus desejos de uma vida melhor, de um país decente, de uma igualdade, de mais justiça social, foram só enganos trágicos meus. Alguns dos meu heróis morreram de overdose. Outros, podem perecer na cadeia. No ensaio sobre a cegueira, que são as redes sociais, procuro, com a minha visão de míope com degeneração macular, enxergar com os olhos de meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. Segundo ele, 'a aventura da vida deve louca. Mas, o aventureiro não pode perder a lucidez'. O futebol é a minha lucidez.
O futebol é a minha paixão. Domingo a bola rola cedo em tantos idiomas, sotaques, tantas cores, amores. Meus 'times' estão em campo. Os ocasionais, os recentes, os momentâneos, o eterno. Vibro com lances, gols, com jogadas, com ilusionistas que transformam tudo em arte. Fico feliz ao ver como Messi descobre atalhos pelo campo. Me impressiono com a visão estratégica de Guardiola. Tantos outros me encantam. No entanto, nada mais me seduz do que um gol do Grêmio. Mas, ele não é o só o meu time. É o meu culto, a minha religião, a minha fé. E, ando tão herege nos últimos tempos. Vou parar por aqui. Há um videotape do Barcelona iluminando a tela. Está, também, começando documentários, telejornais, filmes, programas religiosos. Tantas maneiras de sobreviver a realidade. Escolhi o futebol.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Os anacrônicos Ds

Chiko Kuneski

Dunga monta um time do século XXI, na Europa, e tenta fazer que joguem o futebol de 1994 na seleção, na América. O capitão da nau “canarinho” não foge à lógica da comandante (e não comandanta) do país. Dunga e Dilma dirigem os times de Zagalo de 1974.

Zagalo foi engolido, verbo que ele mesmo gosta de proferir, por conceitos futebolísticos futuristas. Michels e Cruyff, para ficar nos expoentes, e Lato, um polonês desconhecido. Dunga por falta de conceitos futebolísticos. O técnico da Seleção Brasileira é o passado exaltando o passado.

Dilma mostra-se pior. É o passado presente. Governa com os conceitos econômicos ditatoriais. Quer reeditar o “milagre econômico” da ditadura como uma nova revolução de esquerda. Como nos “anos de chumbo”, Dilma mente, engana, escamoteia e salva aliados do cadafalso.

Mas o que isso tem a ver com Dunga? O modo de ação da entidade máxima que os sustenta. Dunga, escolhido pela atual direção da CBF, é um representante do retrógrado. Do ultrapassado. Do anacrônico. Tudo mantido pela ditadura da corrupção. Do desvio. Do engano. Do logro. Dilma mantém e defende esse sistema.

Como Dilma, Dunga míngua a esperança. Apaga a chama, até então sempre viva, de torcer pela Seleção. A “redentora” faz água como a ditadura, começa a naufragar quando o futuro se impõem ao passado.


Hoje, corremos um risco atordoante. Dos conceitos do passado sobrepujarem qualquer perspectiva de futuro.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Eterna paixão

Chiko Kuneski

Paixão a primeira vista. Tem quem acredite . Tem quem duvide. Tem quem desdenhe. Eu acredito. Especialmente quando é sobre futebol. Apaixonei-me “encontradamente” (perdidamente dá a ideia de não se saber o que se está fazendo) pela Copa do Mundo em 1974. Minha primeira entendendo o mínimo da magia do futebol, uma poção que bebi e nunca saiu da corrente sanguínea.

Vi a de 1970 nos ombros do meu pai, Dionísio, que fez jus ao nome na festa nacional pelo tri. Mas tinha apenas sete anos e mal começava a jogar botão. Futebol pra mim era apenas festa. Como não ficar feliz se todos a sua volta estão eufóricos. Impossível explicar isso para uma criança.

Minha iniciação credito a Copa de 1974. Não poderia ter pedido um espetáculo mais cativante. Matava aula, com a anuência da minha mãe, dona Maria Alice, para ver uma laranja em preto e branco. Talvez por ter a alcunha de “mecânica”.

Uma máquina de engrenagens móveis, que contrariava todo o padrão das peças estáticas. Moía os esquemas. Flutuava, ora encaixada; ora solta. Seus dentes, corpos atléticos dos jogadores, eram o objeto do jogo. A bola apenas os seguia, dócil, procurando o aconchego do carinho dos pés dos craques.

A Seleção Holandesa de 1974, inventada pela concepção cubista da bola na genialidade do técnico Rinus Michels, chegou a ser apelidada de “carrossel”. Alcunha proferida por desavisados comentaristas. O carrossel roda sempre para o mesmo lado. A genialidade daquela seleção rodava em tantas direções que mareava os marcadores. Flutuava. Jogava no século XX e melhor do futebol do século XXI.


Flutuava como hoje flutua a lembrança de um menino de 11 anos, que se apaixonou pela magia do futebol levado pelos pés de um craque incomparável de nome estranho: “Croifi” (Johann Cruyff) naqueles ouvidos. As primeiras chuteiras aladas do tubo da televisão (ainda em preto e branco). Morreu o homem; ficou o seu significado.      

O craque circular



Mauro Pandolfi


Alguém que faz graça com a bola no ar durante um jogo, dando tempo para os quatro defensores adversários voltarem, é o jogador que as pessoas pensam ser ótimo. Eu digo que ele deve ir para o circo.
                     Além do jogo articulado, Johan Cruyff foi um pensador inspirado

A bola era preciosa para Cruyff.  Não desperdiçava o lance. Segurava a bola. Ia de um lado ao outro. Cabeça erguida que não distinguia o verde do campo. Nunca olhava para o chão. O passe não era o lance preferido. Ele gostava do movimento, do espaço vazio, do pensar, de brincar de carrossel.  'A estatística mostra que cada jogador toca na bola três minutos. Nos outros 87 minutos que se descobre o bom jogador", filosofou quando técnico do Barcelona. Johan Cruyff foi o mais completo futebolista da história. Revolucionou o jogo como craque, expandido o campo. Como treinador inventou o Barcelona com táticas e estéticas insuperáveis.
Além de um teatro de grama e paixão, o futebol é um jogo matemático e físico. Garrincha justificava o retângulo do campo. Usava todos os espaços permitidos. O mínimo era um latifúndio. A loucura e a poesia no drible. Pelé sempre soube que a menor distância entre o gol e a felicidade era uma linha reta. Um aríete insuperável. Messi descobriu os atalhos. Nunca se perde nos seus labirintos. O futebol é, mesmo, a melhor invenção do homem.
Ninguém foi tão matemático como Cruyff.Criou o campo redondo. Oi, girando! Oi, girando! Solto, sem amarras. Livre para pensar a busca da vitória. Parecia estar sempre em movimento. Contínuo e uniforme. Cruyff entendeu a dinâmica do jogo. Tinha a intensidade do operário, a luta de um peão, a inspiração de um gênio. Criava nas articulações um universo paralelo ao jogo, tão belo e fatal, que o adversário não conseguia decifrar. Cruyff foi um pensador, como da frase acima, um arquiteto ou um cineasta. Único e eterno.
O rei da brincadeira foi Pelé. O rei da 'confusão' foi Diego. Quem driblou o João foi Mané. A trave era pequena para Yashin. O gol é poético para Messi. A bravura tem a marca de Beckembauer. Mas, quem deixou a brincadeira mais divertida, quem globalizou a magia, foi Johan Cruyff. O magnífico camisa 14 laranja que virou saudade.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Morrer de paixão

 

Mauro Pandolfi

Aflição ou glória. Desespero ou esperança.  A vitória mágica ou a derrota dramática. O futebol é vida ou morte em metáfora. Também, real. A vida como ela é.  Alegre, feliz, trágica.  Um torcedor do Borussia Dortmund não resistiu ao encantamento do jogo, o talento de Marco Reus e de seus amigos. Um infarto fulminante. O coração traiu o amor. A despedida com sabor de uma vitória no recinto de grandes festas. A paixão e a morte, como num teatro. Afinal, futebol é um teatro de grama, paixão e dor. A dor do adeus. 'You'll never walk alone' cantado em lágrimas por uma torcida. E, num delírio espiritual, o homem de 81 anos, descobriu que na sua finitude,  nunca estará sozinho.
Encontro Rai Carlos, o vidente cego, e falamos sobre a morte e a paixão. "São gêmeas na vida. Cada suspiro, cada lamento, é um pouco da morte nos avisando que ela está de olho. A paixão supera a vida. É eterna. A morte só a glorifica. O torcedor do Borussia nunca abandonará o estádio. Ficará lá, em alma e espírito. Assim é!", disse ele.
Cético, perplexo, fico em silêncio. "Meu caro Mauro, teu materialismo, tuas dúvidas, impedem o entendimento entre o céu e terra. Lembre-se de Shakespeare. Suas tragédias explicam a ligação. Leia com os olhos de um cego, que vê a vida com um olhar além do que sugere a palavra. Procura a origem, a essência, o significado.Tu encontraras as tuas respostas sobre a paixão e o enorme fascínio que desperta entre a a vida e a morte. A paixão é eterna. Nem a eternidade a separa da alma". O belo jogo de palavras de Rai me seduz. E no meu encantamento, fico calado.
A bola navega no amor, na paixão e no ódio. E, a política neste tempo agitado, histérico, louco? "A política acabou, meu caro Mauro. Era feita com o simbolismo da palavra, com o que sugeria, com que realizava, com uma ilusão que chamávamos esperança.  Hoje é o jogo sujo do poder e as suas negociatas. O discurso e o sonho foram comprados por uma boa propina", disse Rai. Mas, e os  crentes? "Nem todos são inocentes úteis. Há os canalhas, que não querem abandonar as vantagens. Destes, não falo. São a escória da humanidade. Os outros não enxergam, apenas olham a realidade, não querem entender que sempre estiveram iludidos. Então brigam em nome da ilusão. Tem os que gritam, berram, brigam, xingam, agridem. Coléricos! Estes são os idiotas. Muitos tem canudo de doutor. No entanto, não enxergam a vida e nem quem os controlam". Rai fica sério. Dá uma pequena caminhada, para, encara o horizonte e fala algo que me surpreende: "Sabe, meu amigo Mauro, ando pensando sobre isto, o que estamos vivendo, as dores do mundo e estou chegando a uma triste conclusão. As pessoas vieram para sofrer, pagar algo de outras existências. Aqui, com estes demônios soltos, é o inferno!"
Rai ajeita o chapéu, disfarça as lágrimas, se despede. Ainda pergunto sobre a morte por paixão de um torcedor de futebol e de um militante político. "A paixão do torcedor não termina com a morte. Continua para sempre. A alma inventou o amor, paixão. O militante não tem alma. Ele não vive uma paixão. Vive preso numa arapuca chamada idealismo. Topa tudo para não perder os conceitos. Ali, entrega a alma. Ele não percebe que morre em vida, todos os dias, todos os instantes, até se apagar. E, aí, sem paixão, vagará para sempre, a procura de um idealismo que era apenas uma arapuca". Nos abraçamos e Rai vai embora. Sempre assobiando os belos blues.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Domingo democrático


Mauro Pandolfi

Domingo dividido num tubo. De um lado, a multidão. De outro, a ausência. Um mundo, quase, sem ninguém. De um lado, a rua é do povo que protesta com a alegria de um carnaval. De outro, um jogo sem torcida, sem festa, com muitos gols. De um lado, gritos para a depuração do país. De outro, silêncio com um futebol que se submete ao mesmo. De lado, falsos protagonistas vaiados, expulsos. De outro, jovens, perdidos, que procuram um sonho através da bola. De um lado, na Beira-mar, a multidão brada o pedido do impeachment de Dilma Roussef. De outro, o técnico do Avaí, Raul Cabral, tenta se manter no cargo após a goleada de 4 para o Metropolitano. Domingo, vivi a metáfora e a realidade. O futebol é um teatro de grama e paixão onde tudo é contado. A vida é uma paixão que tenta superar o drama de um país à beira do caos.
O futebol perdeu o domingo para a rua.  A bola passeou despercebida, quase não foi vista. Em muitos caos, dividiu a tela com os protestos.  Estranho! A jogada pelo lado esquerdo. O corte da tela, escondia a bola, o jogador, a jogada.  Às vezes, atento a partida, procurava a bola na multidão que cantava. Também, perdi o boneco da cobra que parecia escapar para o campo. Domingo democrático. Vi camisas de clubes de futebol. Nenhuma superou a da Seleção Brasileira. Vista como na festa dos títulos mundiais. Desagradou  muitos, que questionavam a corrupção da cbf. Um exemplo de uma entidade que exerce os seus podres poderes há tempos.
"Ir num protesto contra a corrupção com a camisa da cbf é piada!", disse-me um não manifestante irritado. A observação é exagero. Uma tergiversação, uma desculpa, uma manipulação rasteira. A Seleção Brasileira é uma referência cultural do país. Não tem dono. É como fosse um símbolo. Ninguém grita cbf nos estádios. Ninguém vibra com um cartola. Se isto incomoda, gera constrangimento, é a hora de resgatar a Seleção Brasileira da cbf. É o momento de devolução ao povo brasileiro. Se a ela não serve para  cuidar da Seleção, não tem utilidade nenhuma. Que tal no próximo protesto, além da cabeça dos políticos safados, pedirmos o fim da cbf?

segunda-feira, 7 de março de 2016

O fantasma do futebol



Mauro Pandolfi

"Pobre do povo que precisa de herói" 
                                        Bertolt Brecht

"Não temos mais craques. Só Neymar!". É o lamento que ecoa nos programas esportivos após a convocação ou jogo da seleção. Se o Brasil perdeu, vira uma tragédia, uma comoção, um desespero. Ignora-se os talentos em desfile pela Europa. Nenhum deles ganha o jogo sozinho. Estão agrupados em times organizados, sólidos e bem treinados. Fazem parte de uma estrutura tática que permite atuações eficientes. Mas, sem os brilharecos tão desejados por aqui. O futebol brasileiro foi moldado na individualidade. Uma junção de extraclasses amontoados no campo superou grandes equipes na base do 'talento'. Um lance, um drible, um gol de falta. E, títulos foram ganhos. Graças ao craque!
O que é um craque? Não gosto do termo. Raramente uso. É abstrato, vazio, indefinido. Craque é um fantasma de algo que existiu num imaginário belíssimo, reluzente, perfeito. Mas, só imaginário! Craque é o herói suspirado, desejado, saudado como salvador. Pode ser só uma farsa. Craque é o ser mítico tornado rei. O mago que inventa soluções. Craque é um simulacro dele mesmo. Um duplo que é homem e super homem. Ele nos redime, nos liberta. Craque é o Pelé! Uma imitação, um clone, um suspiro. Todos os craques são miméticos de Pelé. É o que 'todos' que lidam com o futebol suspiram. Um outro Pelé. Procuram em todos. Acham semelhança em alguns. Nunca um que supere Pelé. É identificado como craque. Jamais um Pelé.
Somos incapazes de analisar um time pelo coletivo, pelo seu jogo, atuações, estrutura. Sempre a partir de um indivíduo. O craque! Se o time não possui um jogador deste patamar, não é uma boa equipe. "Falta aquele que faz a diferença", diz qualquer comentarista de futebol no Brasil. 'É o conjunto", explicam quando encontram um ótimo time sem um craque. Alemanha, na Copa de 2014, é um exemplo. "Não tem nenhum jogador que pode se chamado de craque". Você pode escolher na imprensa um jornalista esportiva para ser o autor da frase. Imagina se tivesse! O placar seria um múltiplo de sete.  Somos um país que precisa de craque e de heróis. Eu concordo com Brecht! Triste país este nosso sítio! Opa!
Numa destas madrugadas insone, escutando rádio, escutei um velho jornalista palestrino bradando com exclamação: 'Não temos mais cobras!'. Sexta-feira da semana passada, eu vi uma jararaca. Reclamou que bateram no rabo ao invés da cabeça. Bom, isto não é comigo. É caso para o Ibama ou à Lava Jato.
                                

sexta-feira, 4 de março de 2016

O peito de aço