segunda-feira, 23 de abril de 2018

Adeus, Alberto!



"Adios muchachos, compañeros de mi vida, barra querida de aquellos tiempos. Me toca a mi hoy emprender la retirada..."
Um tango para homenagear meu amigo Alberto que pegou o trem antes do combinado e partiu no sábado sem avisar. Fique em paz.

Mauro Pandolfi

'Hola?' A típica saudação argentina (Alberto era portenho, salientava!) era o sinal da chegada na farmácia. O sorriso, a garrafa de Coca (às vezes, com chá!), a mochila, a regata azul, bermuda, sandália, a piteira sem cigarro, o abraço fraterno, o beijo carinhoso, a boa conversa. Alberto desfilava o seu conhecimento de homem do mundo. Falava de futebol, política (antiperonista convicto. Mas, não falesse mal de Evita perto dele!), meio socialista, quase vidente, contador de histórias deliciosas, donos de gestos teatrais. Escorado no balcão, o personagem de um tango era incorporado. Olhava para o Mário e lamentava-se: 'Estoy mui mal, Mário. Quase morri!' A bendita paciência do Mário amenizava as 'suas dores', nem sempre tão reais. Alberto saia feliz. Agora é uma cena que será vista somente em nossas memórias. Alberto morreu no sábado, em Buenos Aires, aos 74 anos. Era uma da pessoas que eu mais gostava. Uma lágrima escapou no teclado. Já é saudade.
Aprendi muito com Alberto. Descobri que o futebol é um jogo de olhares. Há mais incertezas do que verdades. Mais acasos do que acertos. Ele amava o River (dizia que o 'River só perdia quando jogava mal ou era roubado'), o futebol bem jogado (necessariamente nesta ordem!). Amigo de Carrizo e Nestor Rossi (dois mitos do River), foi juvenil,  fez curso de técnico, e viu, em campo, alguns dos melhores jogadores da bola. Uma história que me encantava era a de Pelé contra o Boca, em La Bombonera.  Alberto abusava do gestual, representava os lances, contava os detalhes, a maestria, a genialidade de Pelé e de Coutinho na grande vitória do Santos. Mas, Alberto preferia Sivori ('o maior de todos', afirmava), Di Stefano. Nunca Maradona. 'Este foi ao inferior ao Beto Alonso", dizia. Abel, outro amigo de Alberto, ria. 'Maradona nunca foi do River. Se fosse do Boca, seria o maior da história!', contava ele. Alberto fazia de conta que não ouvia. Boas discussões que ficarão para sempre.
Uma vez me trouxe um livro contando a história das Copas do Mundos pelo olhar argentino. Uma visão diferente da contada aqui. Descobri que fomos defensivos nas conquistas (58, 62,70). A única vez que jogou no ataque (em 82), o Brasil perdeu. Para o André trouxe uma camisa do River, que usou até ficar pequena. Para mim, uma do Almagro (André dizia que deveria ser 'Algordo!' Coisa de filho que ama o pai!), que tem as cores do Grêmio. Um dia destes, eu e o Mário, perguntamos o que "Alberto pensa deste Grêmio?" A resposta só teremos quando nos encontrarmos na eternidade. Tomara que demore..
Alberto contava as histórias deliciosas de suas viagens. Conheceu o Brasil, o mundo, desvendou o passado, o presente e o futuro das pessoas interessadas em astrologia. Até o meu mapa astral ele fez. Um quase vidente que acertou muito. Há tempo não aparecia por aqui. Voltou para Buenos Aires para cuidar da mãe (bela figura, meio felliniana) quase centenária. Alberto partiu antes dela. Estranhos desígnios da vida.

terça-feira, 17 de abril de 2018

O craque

 

"Quando achamos  a matemática e a física teórica muito difíceis, voltamo-nos para o misticismo"
Tento Stephen Hawking para entender a magia do craque. Mas, às vezes, prefiro acreditar num 'dom', um presente magnífico de Deus.

Mauro Pandolfi

O futebol tem um mistério que não consigo desvendar. O que chamamos de craque. Aquele que mantém com a bola uma relação extra-humana, poética ou libidinosa demais. A bola aninha nos seus pés, submissa, devassa.  Obedece os 'comandos', de um cérebo com pé ou de um pé com cérebro, numa magia que foge da realidade, do possível, do comum. Da janela do quarto do Pedro passei uma manhã tentando entender o 'nascimento' de um craque. Presto atenção nos meninos. Nos gestos, nos olhares, no domínio da bola. Parecem tão iguais nos gestos, nos olhares, no domínio.  Há lances maravilhosos, gols espetaculares, passes certeiros.  Jogam partidas que não tem fim. Já conversei com eles e nenhum deseja ser jogador de futebol. Um dos melhores que vi, Léo, abandonou a bola pela engenharia. Régua e compasso sempre fizeram parte do seu dia. O forte de Léo era o passe. Tão medido e preciso. Mas usará a régua e o compasso para inventar casas. Que pena!
Uso Stephen Hawking para decifrar o craque. É fundamental entender o espaço e o tempo. O bom jogador, às vezes, se perde na relação. Ou, não entende o tempo. Segura demais a bola ou livrá-se dela com muita rapidez. Ou, o espaço é um labirinto difícil de encontrar a saída. Perdido, não acha o caminho correto. Aí, sempre há um adversário atento e fica com a bola. Arthur, do Grêmio, é quem melhor equaciona tempo e espaço. Tem o tempo perfeito do lance. Não gasta um segundo a mais. Preciso, conciso, medido, categórico. Com a bola no pé deslumbra o espaço. Usa atalhos, inventa caminhos, sempre certeiro, sintético. Arthur é o grande craque do futebol brasileiro. Talvez, o melhor em sua função no mundo.  Percebo os 'risinhos' irônicos salientando o meu gremismo. No Barcelona confirmará o que eu digo.  Sairá da periferia para o centro. É uma mistura de Xavi e Iniesta. No entanto, verá a Copa sentado no sofá. Tite prefere os corretos, os obedientes, os que seguem os caminhos detalhados em sua prancheta. Tite ainda define os seus 'preferidos' por posição. Se não entende os movimentos, não convoca. Assim é, também, com Luan. Tite deveria ler 'A Teoria de Tudo', de Stephen Hawking, para descobrir que o futebol navega entre o movimento, o espaço, o tempo, a força, a energia. Ou seja, a física, a matemática, a vida.
Nem a chuva impede o 'balé' dos meninos. Estão todos lá. Há os que são força.  A maioria. Muita vontade, disposição, volúpia. Às vezes, são até brutos. Conhecem o seu espaço e tentam impedir o ingresso do rival. Não há tempo para eles. Livram-se da bola imediatamente. Quase raro, não há outro Léo por aqui, há quem gosta do passe, do movimento, da ocupação do espaço e usa o tempo com maestria. Geralmente, é deixado de lado. O driblador é o 'poeta' que ignora a física. Dribla na sua área, no meio e na área adversária. Ele e a bola. Detesta o tempo, o passe. Ama o espaço.  Tudo é infinito, todo campo é um latifúndio, que é só dele. É o primeiro a ser escolhido. O que é chamado de craque pelos outros meninos. O ensino brasileiro é um fracasso em matemática e ciências. Difícil entender e aplicar no dia a dia.  Isto explica o pouco caso com o 'passador' e amor ao driblador. Ele sempre acha um gol, a vitória, a esperança. Somos assim. Suspiramos por um salvador, alguém com o 'dom' para nos redimir.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Caixinha de surpresa



"O futebol é muito complexo. Os que acham que sabem tudo, ou os que não sabem nada, são que tentam simpificá-lo."
O genial Tostão sempre soube que o futebol, como a vida, é uma caixinha de surpresa, o que o torna fascinante. Ninguém ganha antecipadamente. Nem Messi e nem Guardiola.

Mauro Pandolfi

Fracassei como vidente. Previ uma vitória confirmadora, retumbante e uma virada histórica. Meus olhos com degeneração macular confundiram as imagens da bola de cristal. Esperava um gol espetacular de Messi para escrever um texto. Queria ver a genialidade de Pep Guardiola ao inventar uma vitória impossível para exaltar a modernidade do futebol.  Barcelona e Manchester City era a final que desejava. O talento individual  versus  a estrutura tática ousada. Meus ídolos deste tempo frente a frente. Mas, o fracasso não é só para gente comum, como eu. Os mitos não estão livres do erro, da derrota, do engano. Perdem o jogo, a glória e, às vezes, a 'cabeça'. Esta é a beleza da vida, do futebol. Nem a vitória é eterna. Nem a derrota é permanente. 2019 é logo ali, depois da esquina. Há ainda 2020, 2021...
A partida, nem sempre, começa quando o árbitro apita. Às vezes, a tensão, o desejo, a pressão, inicia o jogo muito antes. Dias antes. Outras, o tempo passa e só pelos trinta minutos percebe-se que a bola rola. Assim foi Roma e Barcelona. Os italianos começaram o jogo após a goleada da outra semana. Juntaram os cacos, baixaram a cabeça, treinaram, buscaram um milagre. Ele começou logo aos três minutos com Dzeko. A soberba, a fúria, a certeza do Barcelona foi afetada. Já perdia ao perceber que a partida já tinha começado. Não achou o jogo. Messi foi pálido. Não lembrou o gênio. Inesta não apareceu. Sem eles, não existe Suárez.  A garra, a intensidade, a volúpia da Roma engoliu o jogo bonito. Encaixotou, enrolou, encurralou e massacrou um assustado Barcelona. Foi  histórico, único, exuberante. Épico!
Acredito em milagres. Principalmente, quando o 'santo' é Pep Guardiola. Tinha certeza que inventaria uma vitória emblemática, daquelas de exaltar o talento de estrategista. Ao ver na tela, o 1 a 0 para o City, disse para os meus botões: é só o começo. Tenho impressão de ter ouvido um 'risinho' irônico de um deles. O tempo passava e o segundo gol não era informado. O trabalho me chamou e larguei o futebol. Quando voltei, estava na tela: 2 a 1 Liverpool. Jurgen Klopp não acredita na mística de Guardiola. Todos recusam o ataque. Tem medo da posse de bola, dos passes, da surpresa, da rapidez de seus times.  Klopp armou o Liverpool ofensivo no primeiro jogo. Atacou, atacou, marcou em cima, jogou no espaço, no tempo, na precisão. Garantiu a vaga ali. Sabia que o genial Salah desequilíbria o outro jogo.  E foi isto. Salah matou o City. E, quem diria, Roberto Firmino, aquele que alguns que são pagos para opinião por aqui  e muitos torcidores do Figueira, não queriam no time, definiu a epopéia. Estavam certos. Firmino tem o tamanho do mundo. Hábil, rápido, preciso é um goleador para a história, para um título europeu e um mundial. Vi após o jogo, a imagem de Guardiola na arquibancada. Descobri que foi expulso.  Guardiola esbarrou no comum do futebol. Perdido, perplexo, achou um 'culpado' pelo fracasso: a arbitragem. Igual aos treinadores deste canto do mundo. Parecia sem encanto, sem magia, derrotado.
Ninguém perdoa os derrotados. 'Encurralado!' é a manchete do Daily Express. Não.importa, profissional ou amador, craque ou bonde, precisa de 'um pai', de um mestre, de um orientador. Os jornais ingleses reclamaram de Guardiola. O nervosismo, a perda da 'cabeça', a expulsão deixou fragilizado o City. 'A queda do império' foi o enfoque da imprensa espanhola. Messi naufragou junto. Sem forças, sem inspiração, abatido, nem parecia o melhor do mundo, título que Cristiano Ronaldo deve ganhar mais uma vez. É a magia do futebol. É a poesia circular da vida. Perder ou ganhar, sucesso ou fracasso, futebol ou vida, tudo é uma caixinha de surpresa.

terça-feira, 3 de abril de 2018

O mais lindo dos gols

  
"Eu quero um gol de meia-bicicleta de Reinaldo para tatuar na pele da lua e tomar o lugar de São Jorge com seu cavalo, para que os namorados e os ex-namorados, os amantes e os ex-amantes, de todas as idades, digam uns aos outros, apontando para a lua:
- Olhe só o que pode um homem, mesmo quando está caído."
Não sei se Roberto Drumonnd tatuou o gol de Reinaldo. O de bicicleta, o corpo mais leve que o ar, de Cristiano Ronaldo está marcado, tatuado na minha alma amante da bola.

Mauro Pandolfi

Me rendo! Não discuto mais. Não há mais conversa. Se faltava poesia em seu jogo, o gol é um poema em linha reta, intenso, mágico. Cristiano Ronaldo é o maior. O mais fantástico goleador deste tempo. Arrasador! Terminal. Um atacante completo. Primoroso. Use o adjetivo que você quiser. Cabe em qualquer um. Talvez, seja pouco. Necessário um novo. Uma definição, como dita pelo velho homem da bola, Joel Passos, meses atrás: 'Vi Pelé! Igual ao Pelé! Mesma magia. A fúria pelo gol, pela vitória. Obcecado em vencer. Fatal, definidor, atlético, físico em estado puro, craque absoluto. Só os poetas preferem Messi!", afirmou. Não sou poeta. Apenas um 'messianico' apaixonado. Mas, depois do gol de bicicleta,.Cristiano Ronaldo revela que tem algo de Pelé. Tem a majestade, a frieza, a mitologia é só uma questão de tempo. A minha rendição vai até o próximo gol genial de Messi. Até lá, rendo-me a beleza, a poesia, o encanto do gol.
Qual é o gol mais bonito do futebol? O driblado ou o chute oblíquo? O voleio certeiro ou a cabeçada demolidora? A falta esmerada ou o olímpico perfeito? Eu gosto do gol de bicicleta. Foi um gol de bicicleta de André Catimba, contra o Esportivo, que virou nome de meu filho. A minha maneira de tornar eterno aquele gol mágico. Olho para o André e lembro do gol. O gol mais bonito que vi. Tenho gravado no celular este gol. Em momentos de tristeza, assisto. Equivale a um livro de autoajuda.
A bola rápida, ligeira, disforme. Solta ao vento. Um rebote a esmo. Procura o craque solitário na área. Um lance sem perigo. Afinal, Buffon fez a defesa fantástica segundos atrás.. Mas, a bola voou. Encontrou um corpo. Solto. Mais leve que o ar. Ângulo reto. Noventa graus formam parte do corpo estirado e as pernas ao vento. Parece parado. Um beija-flor, um helicóptero, um Dadá Maravilha. O corpo em movimento. Retilíneo uniforme. Física e matemática são explicadas em versos no futebol. O pé inventa um movimento inesperado, único, sublime. O chute é esplêndido. Gol tão exuberante que a torcida adversária abandona a rivalidade e se entrega ao lance transcendente. Para ver Pelé, Cristiano Ronaldo já olha para o lado.
Vi pouco do jogo. Tive a sorte de ver o gol de Cristiano Ronaldo. Ao meu lado, Mário dizia, em tom de blagué: 'Vamos nos encontrar de novo no fim do ano'. Eu, apenas, ria. A minha simpatia era para a 'Velha Senhora'. Douglas Costa e Dybala jogam lá. Aos poucos, a diferença aparece. É grande, imensa! Ficou maior com a expulsão de Dybala. Um lance semelhante a da expulsão de Éder Sciola, do Brasil de Pelotas, contra o Grêmio. Os comentaristas de arbitragem acharam 'um exagero', 'buscou a bola', 'foi de cartão, mas o árbitro poderia ter contornado'. A violência não deve ser tolerada ou 'administrada'. A lei, que é para todos, deve ser cumprida. Isto um europeu entende. Já, alguns brasileiros, não. Perto do final, lá pelos 43 minutos do segundo tempo, encaro o Mário. Ele repete a frase, perdida entre o otimismo e o pessimismo gremista: 'É! Vamos nos encontrar de novo lá no fim do ano!'