terça-feira, 27 de setembro de 2016

É mentira, Terta?



Mauro Pandolfi

"O futebol ainda mantém uma pureza. Mas, ao envolver-se em demasia, percebe-se como ele é  deprimente"..
Frase de Tim Wickery, o correspondente da BBC na América  do Sul, o jornalista que mais entende o futebol neste canto do mundo.

Qual é a função do treinador no futebol? Armar um time, descobrir jogadores, contratá-los, inventar um jogo? Todas! E, se levar uma comissão nos negócios é ético? Os ingleses estão discutindo isto. O técnico Sam Allardyce, do English Team, foi apanhado numa arapuca armada por jornalistas do Daily Telegraph que se passaram por empresários. Uma mentira para revelar a corrupção, o suborno, a verdade do futebol e  desmascarar um pulha. Quem foi mais canalha? O treinador ou os jornalistas? Tudo é válido por uma boa reportagem para desvendar um vigarista, uma fraude, que prejudique pessoas, entidades ou estados? Qual é o limite da ética? Este é  um texto com muitas dúvidas, incertezas e poucas - ou nenhuma - verdade.  Mas, o que é  verdade, mesmo?
Nenhum treinador da Seleção Brasileira passou por isto. É mais honesto ou é mais esperto? Esta é uma dúvida para todos os amantes do futebol daqui. No entanto, alguns deles tem dificuldade em explicar convocações. Alguém já esqueceu de Afonsão? Descoberta de Luxemburgo. Ou, Geferson, o menino lateral do Inter, inventado por Dunga? Ou, Jucilei, 'craque' do Corinthians chamado por Mano Menezes? Méritos observados pelos técnicos. Só por eles. Nenhum vingou, Há tantos exemplos na história. Dario é um deles. Não! Não! Aí foi uma convocação para agradar o tirano de plantão, Médici. Zagalo é inocente nesta. Porém, ele convocou César Prates. Inexplicável!
Forjar uma identidade. Na pele do Lobo. É uma situação do jornalista. É ético inventar um personagem ou levar alguém a confessar algo que não faria, a não ser iludido? É um dilema do jornalismo. É o vale tudo pela informação, pela história ou denúncia. Goulart de Andrade se transformava para fazer as suas matérias. A maioria inocente. Um trapezista, um garçom, um travesti. Tim Lopes é um personagem trágico. A identidade descoberta, a tortura, a morte. Vale a pena? Eu não gosto, nunca fiz, nunca iludi um entrevistado ou usei um artifício para uma reportagem. É só um pensar. O meu pensar sobre ética jornalística é igual a ética de qualquer cidadão.
A mentira é um sentimento que mexe com corações e mentes. Lenin considerava válida para conquistar os objetivos. Goebbels defendia a intensa repetição até torná-la verdade. O filósofo Kant a rejeitava sempre. Para ele, a verdade é o maior dever moral do indivíduo e sempre aniquila a mentira. Para salvar alguém ou a si próprio, Benjamin Constant admirava o mentiroso. Schopenhauer vê dilemas na mentira se causar uma injustiça. Senão, é só uma história.
O olhar poético  de Mário Quintana traz luz a discussão. Para ele, a mentira é só uma verdade que esqueceu de acontecer. Nunca antes na história deste país, um mentiroso, de lábia presa, perdeu o dom da mentira.  Porém, há os que se encantam com as suas lorotas. Bom, deixa prá lá...Tenho medo dos crentes! O olhar que me agrada é o de Pantaleão, o velho contador de história de Chico Anísio, que ao notar o ar incrédulo do ouvinte, perguntava a mulher: 'É  mentira, Terta?' Ela respondia certeira: 'Verdade!'

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Noite sem fim



Mauro Pandolfi

"Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer"
Os versos de Mário Quintana é um belo retrato de Marcelo Grohe, o goleiro que a torcida ama odiar. Ou, seria, que odeia amar?

Teatro de grama e paixão. É a definição que mais gosto sobre futebol. Explica este belo jogo de vida e 'morte' - simbólica, apenas simbólica! . A guerra simulada entre facções. Um jogo poético, épico, glorioso. Um jogo de homens, meninos e deuses. A classificação do Grêmio na Copa do Brasil foi exemplar. Toda a mística do jogo. A bravura, os enganos, as dores, as tensões, os conflitos, os medos. Uma partida sem o brilho dos craques, a estratégia dos técnicos. Apenas os esforços dos mortais. Mas, que teve o dedo dos deuses. A crueldade com Marcelo Grohe. Depois, a generosidade. Quando Wewerton tirou bola de Juninho e bateu o pênalti foi castigado. Errou! Os deuses só admitem a soberba dos humanos iguais a eles. Dos comuns, a punição severa.  O herói virou vilão. O Atlético perdeu e o Grêmio ganhou uma sobrevida. Talvez, a redenção.
O torcedor odeia o futebol. Ama o clube e a vitória. Venera os ídolos ... do passado. Adora os vencedores. Grita por eles. Exibem faixas, elaboram cantos, demonstrando um fanatismo assustador. Há 15 anos que o Grêmio não ganha um título importante. O gauchão não conta. Neste período, a fogueira permaneceu acesa. Já foram incinerados grandes nomes, jovens promessas, comuns, cabeças de bagre. Poucos, quase nenhum, foram poupados.
Ontem parecia a noite da fogueira de Marcelo Grohe. O goleiro forjado no clube, que de tempos em tempos, o salva, esteve a beira do sacrifício. Igual ao que foi submetido Victor, Thiago, Jonas, Bruno... Escapou na defesa fantástica, no chão, na garra, de vergonha.
Ele não é Danrlei. Ontem, pareceu..Não tem os títulos e nem a aura. Danrlei era um torcedor em campo. Louco e apaixonado. A idolatria o tornou deputado e um aspirante ao governo do estado. Marcelo é só um espetacular goleiro. Para um gremista, é pouco, quase nada. O futuro de Grohe deverá ser longe da Arena. Caberá ao menino Léo enfrentar o fantasma de Danrlei.
Desculpem-me os seis leitores do blog ao escrever, mais uma vez, sobre o Grêmio. Afinal, deles, só o Mário é gremista. Era impossível não comentar a noite de Marcelo Grohe.  Vou tentar fugir do clichê, do lugar comum para terminar.  Não lembrarei o vilão que vira herói. E foi! Da profecia de Renato. O primeiro milagre? Acho, cada vez mais, que a religião comanda a vida. A fé em acreditar no impossível ou a maneira como os fundamentalistas lidam com a política, com o futebol, com a existência. Creem, creem, creem. A realidade é só uma fantasia para um fanático. Não acabarei o texto assim. Vou buscar 'um gauchismo' perdido para salientar  Marcelo Grohe. Em posição  de sentido, a mão no coração, a voz, embargada, solto o canto: 'Sirva a sua façanha  de modelo, de modelo, para toda a Terra'....! Oigalê!, Grato, Grohe!

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O passado não é longe daqui



Mauro Pandolfi

O passado me persegue. Seja num sonho ou no olhar do espelho. Não reconheço a imagem que vejo. Sou um outro eu. De um tempo contrário. Do passado, que nunca termina! No dia a dia me reencontro com a imagem idealizada. Ora, na conversa com os velhos amigos.  Somos todos jovens. O que me causa estranheza são os cabelos brancos deles. No abraço generoso do Mário, igual a de uma comemoração de um gol de um título. No sorriso de algum menino, num carrinho de bebê, vejo o Pedro  e o André.  Agora, são jovens, bonitos, grandes, forjando a juventude. Mas, a imagem que tenho deles é o olhar feliz, os braços abertos em minha direção  ao chegar em casa e o pedido para brincar. Poxa! Faz tempo! O passado é tão mágico, ilude o tempo. Há domingos, ao entrar na casa de minha  mãe, ouço  a risada gostosa de meu pai. Porém, é  so um engano.  Um triste engano. Assim é o passado. Já foi. Terminou. Ficou numa foto, numa lembrança. Sobrevive como saudade   Só como saudade!Num átimo, o presente me encara. A vida me cobra. E, a volta para o futuro é só um belo filme. Ao contratar Renato Portalupi e Valdir Espinosa, o Grêmio  disse adeus ao presente, abandonou o futuro e tenta reencontrar uma gloriosa era de vitórias. Que só existe nos almanaques, nas memórias ou num pensamento mágico de um cartola.
Aquela madrugada de domingo de 1983 é a felicidade no futebol. O dia eterno. Nunca terminará. Queria viver o 'feitiço do tempo' do filme. Todo dia o mesmo dia. Aquele onze de dezembro reviveria sempre.  Se a felicidade é o momento que desejamos eterno, que nunca termine, isto explica o nome Renato no meu filho. A vitória seria sempre lembrada, vivida, reverenciada. É só uma fantasia, o meu feitiço no tempo. O meu engano.
 Renato retorna mais uma vez. A terceira! Infelizmente, não como jogador.  A saudade, o passado não é uma fonte da juventude. Que pena!  Volta como técnico sazonal. O homem que resolveu tirar férias trabalhando.  Sempre é buscado no desespero, no medo, na incerteza. Ele foi um treinador ousado na primeira. Descobriu um talento em Jonas e transformou André Lima em um mortal artilheiro. Um mágico! Na segunda, foi um José Mourinho dos trópicos. Armou um moderno time defensivo. Compactado atrás, envolvente na saída de bola, rápido no ataque de poucos gols. Foi vice-campeão.  Nas duas vezes foi dispensado sem respeito, sem homenagens, com ingratidão. Renato só regressa pelo gremismo. Um louco e desvairado amor pelo Grêmio...e um polpudo salário, também! Espero que Renato preserve o belo jogo de Roger.  Não desmonte a ideia. Aprimore! Transforme Luan em um atacante poderoso. Afinal, é melhor que Jonas e André Lima. 
O passado que nunca termina é um signo do Brasil. Todas as soluções são catadas no que já passou. Nos acertos e, principalmente, nos erros. Acompanhe a propaganda eleitoral. Até o 'novo' busca inspiração nos 'morangos mofados'. Muitos falam em voltar a um tempo que julgam glorioso.  Nada mais fantasioso que isto. O passado é sempre melhor. É depurado, filtrado, escolhido a dedo as lembranças. Quando volta, como engano, revela o lado escondido, negado,  perverso. O passado nos condena. O futuro, nos engana. E, o presente não dá para devolver.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Deu prá mim!


Mauro Pandolfi

Dormi pouco. Varei a madrugada com rádio ligado. Atônito, não acreditava na notícia. Esperava o desmentido. Não veio. De manhã, os sites confirmaram o meu pesadelo. Roger Machado não é mais o treinador do Grêmio. Pediu demissão. Meu mundo tricolor caiu. O belo jeito de jogar terminou. Aliás, um hiato na nossa história. A bola bem jogada, o jogo planejado, as soluções  individuais, o moderno foi uma ilusão. Uma bela ilusão. Um engano que acabou. Agora, veremos o verdadeiro Grêmio. Fechado, truncado, chutões, marcação. Suor, lágrimas, calções sujos. O Grêmio que a maior parte da torcida sonha, deseja,  suspira. O Grêmio perdido da década de 90. Ainda bem que Celso Roth está  empregado. Mas, não custa fazer uma proposta. Acho que o Inter libera.
Largava tudo para ver o Grêmio de Roger.  Me fazia bem. Ficava alegre, risonho, feliz. Nada ganhou. Perdeu tudo. Gaúcho, Primeira Liga, Brasileiro. Estou acostumado com derrotas. Adorava ver o time jogar. A bola bem trabalhada, os. passes medidos, as trocas de funções. A beleza do jogo moderno. Vibrei em muitas vitórias como há  tempo não fazia. O menino, apaixonado pela bola, se encontrou com o velho cético, sem esperança, utopia ou sonho de um título. Via os jogos com o amor de um torcedor. Ficava ansioso. Nada me distraia. Me tiraram isto. É verdade que o bom jogo tinha sumido, desaparecido, sequestrado. Sempre achei que voltaria. É a fase da vida. O mau momento passageiro. Ainda não entendi a desistência de Roger. Faltou apoio da direção? Ou, medo de enfrentar uma grande crise? Não teve culhão para encarar a conservadora imprensa gaúcha? Ou foi um ato de bravura ao reconhecer que não mais tinha a oferecer? Como todos sabem, o tempo dirá!
Sei que os deuses da bola gostam de brincar, de provocar desafios. Será  que os gremistas estão  convencidos do novo jogo? Pelos comentários, conversas, depois das derrotas, descobri que estávamos com saudades de outros tempos. Da imortalidade, do jogo sofrido, da vitória  heroica, da alma castelhana. Estarão de volta conforme o novo treinador. Novo? Aposto em velhos conhecidos de outros tempos.
Roger cometeu os mesmos erros dos técnicos brasileiros. Criou um grupinho de jogadores. Os confiáveis, os que estabilizam os vestiários, os líderes. Fixou-se neles. Roger se agarrou a Marcelo Oliveira, Maicon e Douglas. Não  entendeu uma lição  do livro de Guardiola: 'Há  momentos que os melhores devem jogar. Jovens pedem o espaço.Tem de esquecer a fama, o dinheiro e a liderança' Roger ignorou. Caiu abraçado com eles. Não quis ver a ruindade de Oliveira, a soberba de Maicon e a lerdeza de Douglas. Os jovens,  como Lincoln, Tontini foram esquecidos. Outros, como Eric e Balbino, nem foram lembrados
O Grêmio faz 113 anos neste 15 de setembro. Estou triste. Roger Machado deu um péssimo presente para torcedores, como eu.  Ele.era a minha certeza do novo, do ousado. Um reencontro com a grandeza, a história fascinante das três cores. Roger era o rompimento com o passado derrotado.  Ele era a negação da machonaria,  tão ao gosto dos torcedores. Nada de berros ao lado do campo.  Nunca escutei uma bravata. Só  pensares lúcidos. Roger vai brilhar muito. O Grêmio segue o projeto armado por Guerreiro, Obino, passando por Odone, Koff, e está soterrando Bolzan, de apequenamento do clube. Virar um Ypiranga com grife. Sem esquecer que o Grêmio não é da bucólica Erechim..

domingo, 11 de setembro de 2016

Olhos nos olhos



Mauro Pandolfi

A dor nos olhos levou-me ao oftalmologista. Míope e com degeneração macular, me assusto com qualquer problema. A visão já é pequena. Tenho dificuldades na leitura noturna. Prefiro o livro a tela. Porém, a luminosidade da tela gera mais conforto, nitidez, clareza. No terminal urbano, sentado, olhando o vazio, levo uma cutucada na perna. "Perdido, meu querido Mauro! O que procuras no horizonte? A luz que te escapa? Ou, o tempo que passa sem você querer?". Era o meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. Dei um abraço longo, como um desabafo, cheio de receio e contei a minha visita ao médico. 
'Preciso aprender a olhar sem os olhos. Entender como a alma vê melhor o mundo. Quero descobrir a cor do vento. Qual é a cor do vento, Rai?' Ele desarma a bengala. senta no banco e a gargalhada se espalha no terminal. "A memória está te enganando, Mauro? Já te perguntei isto. Acho que é azul. O vento esparrama tudo, varre tudo, não sobra nada.  Ele é livre. Descoberta a liberdade, vivida a liberdade, ninguém aprisiona mais. Vão os grilhões. Uma vez livre, sempre livre", me explica. Azul é a cor que adoro. Se tiver preto e branco junto é  paixão. Dolorida paixão.
Nunca entendi o olhar de Rai. Coração  e alma, disse-me uma vez. Tem dias que paro, fecho os olhos e encaro o nada. Procuro olhar como os olhos de Rai. Nada vejo. Só  um escuro que me incomoda. "Tu não  entendeste que os olhos são  como um televisor. Recebe a imagem. Ela não  produz a imagem. Comigo também  é  assim. A alma produz o que vejo. Vem das entranhas, da memória, dos sonhos. Não  tenho o televisor. Mas capto todas as imagens".  Escuto, penso, pergunto: 'então é tudo imaginação? Tu nada vé?' Ele ri, quase sussurrando, filosofa. "Nem toda a realidade é concreta. O real é  só  o lado sem graça,  duro do imaginário. Não é  uma invenção  e nem uma mentira. Houve um tempo que o real e o imaginário eram um só. Tudo era possível. Aí,  dividiram. Subjugaram o imaginário. Transformaram em fantasia e delírio.  Mistificaram. O real passou a ser só  certeza, o comprovado, o cientifico. Até as ideologias igualitárias  enganam todos com a baboseira da mudança  da realidade.  São farsescas ao não entender que a imaginação é que muda o real. Fracassam se totalizando, impedindo outros olhares, tornam-se ditaduras. A tecnologia esta reaproximando os 'mundos'. O Pedro não  caça  Pokemon? O encontro chama-se realidade aumentada. Bonito nome, não?", explica.
O ônibus estaciona. Pergunto se vai comigo. Disse que não. "Tenho problemas para resolver.  Para viver a realidade tenho que sair do meu imaginário. Vou trabalhar numa campanha para vereador", disse rindo. "O sujeito quer uma ajuda esóterica. Vou poder pagar as contas"., conta Raí. 'Então vais elegê-lo?', pergunto. "Eu não! Não voto aqui. Aliás, há anos que não voto. Sou um anarquista. O problema de quem é eleito, é de quem votou nele!" Rai é muito prático, concreto em muitas coisas. 
 O motorista abre a porta do ônibus. Antes de embarcar, Rai fala sobre a goleado do Coritiba. "Desabamos, outra vez! Sofreste muito, Mauro?" Na fila, quase entrando, respondo.'Não! Depois do terceiro gol, assisti sem paixão. Absorto, esperava mais e mais. Me vi outra vez diante da Alemanha. Nada mais me entristecia. O lombo, o coração, a alma se habituaram a dor, a derrota, ao infortúnio. Nem o procuro mais para desabafar. Entendi que é assim, será sempre assim, até que um dia tudo acabe'. Rai me abraça, nos despedimos. Rindo, contou-me: "Sete de setembro, independência. Cada gol, imaginava dom Pedro I, nas margens do Ipiranga, erguendo a espada e bradando: gol do coxa!", a bela gargalhada estremece o terminal. Na fila todos riram.  Ao passar na roleta, o cobrador se solidariza. "Tá feia a coisa, moço! Ainda bem que os vermelhos vão conhecer o inferno da segundona".  Não sei! Os deuses do futebol são cruéis, cínicos, impiedosos. E, para nosso azar, acho que são colorados.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Meio desligado



Mauro Pandolfi

Há dias que me sinto um mutante. Ando meio desligado. Não sinto os pés no chão. Estou aéreo. O mundo passa pelo tubo revelando imagens que formam um mosaico do nada. Atônito. Perdido. Confuso. Aplausos e vaias. Gritos e sussurros. Discursos desconexos, bizarros, tolos. Perplexo com armadilhas e artimanhas judiciais. Velhos e jovens histéricos nas ruas.  Parece um sono hipnótico, profundo. Dormi quanto tempo? Ou estive acordado neste pesadelo? É um país ou um ajuntamento? .A política é um hospício. Procuro a bola para fugir da minha lucidez que beirou a loucura. Encontrei a seleção de Tite. O time que renasceu em dois jogos. Euforia demasiada? Pode ser! Ou é o desespero de quem perdeu o imaginário que sempre venderam da camisa amarela?. Seria, também, muita saudade de um país que nunca foi, nunca será, preso num passado teimoso, que  vem embrulhado em fantasias vermelhas, coloridas ou furta cores?
Nem parecia o Brasil de algum tempo atrás. Livre e solto. Suave, sereno, lúdico. A 'pior geração de todos os tempos' brincou com a bola. Pareciam até 'craques'. Habilidade, técnica, confiança, talento. Enfrentou os fantasmas que os críticos avisavam, pediam cuidados, tremiam de medo: o pujante Equador, a altitude, a estreia de Tite. Estavam os 'bravos jornalistas', os profetas do acontecidos, acadelados. Queriam defesa, marcação, um empate é um bom resultado. Mas, havia Gabriel Jesus, Philippe Coutinho, Marcelo, Renato Augusto, Marquinhos, Casemiro e... a estrela da companhia: Neymar. Empate é para os fracos. Mais uma vez brilhou o craque do Playstation. Assumiu o jogo, controlou o ritmo, a bola, a emoção. Genial!
Veio a Colômbia. A nova rival de cor amarela. Um jogaço! Uma disputa em, cada palmo deste chão. Brigado, guerreado e muito bem jogado. Teve de tudo. Provocações, dribles, armadilhas táticas. O 'novo' time do Brasil se impôs, criou, buscou e inventou lances que levaram a vitória. Escutei comentaristas, que temiam a ausência na copa da Rússia, a proclamar que 'pintou um time para ganhar uma ou duas copas!' Exagero? A vitória permite. Afinal, há tempos que a derrota é a nossa companheira.
O que mudou na seleção? Os jogadores são os mesmos. Criou-se um sistema de jogo que não existia. Confiança e atitude. Mas, quem mudou foi Tite. Ele é um treinador. Dunga nunca foi. Era apenas uma relação de compadrio. Típica brasileira. Preste atenção em quantos 'companheiros' vão perder a boquinha. Farão falta? Nenhuma! Eram apenas encostos. A grande diferença é o lado humano. Tite é um agregador. Um homem simples e afável. Um líder que conversa em igualdade com os seus comandados. É só mais um! Não se comporta como o dono do pedaço. Tite é, detesto a expressão, 'gestor de pessoas!'. Um homem que parece com o cara que senta ao seu lado no ônibus.