quarta-feira, 28 de agosto de 2019


O divino embate terreno

Chiko Kuneski

Os deuses do futebol são brincalhões e gostam de se deleitar com o terreno do campo de futebol. Não interferem o tempo todo, mas o suficiente para surpreender sempre os apaixonados por futebol. Agem sorrateiros. Inesperados. Rápidos como pontas velocistas ou dribles de chuteiras aladas. Os deuses dão asas à magia do futebol.

Gostam de brincar com as emoções. Reservam resultados impossíveis em jogos banais. Tudo para ver a perplexidade estampada na cara dos humanos torcedores. Por isso são deuses. Acima do previsto, criam o imponderável. Isso alimenta a magia do futebol. O torna tão apaixonante, emocionante, fantástico.

Na principal disputa do continente não poderia ser diferente. Os deuses do futebol mexeram suas cordas das marionetes dos clubes para possibilitar uma disputa única. Um jogo divino em campo terreno. Abriram a caixa de pandora dos seus sonhos parar materializar a contenda mística.

Uma semifinal de Libertadores da América num embate entre Jesus e deus. Um Jesus eternizado como premonição do hino na disputa com tricolor. Um deus venerado no Olímpico. Os deuses do futebol teceram um cataclismo de gigantes para a terra tremer.

Nesse jogo os justos deuses não devem interferir. 

sábado, 24 de agosto de 2019

O início, o fim e o meio

 

"A Lei do forte. Essa é a nossa lei. E a alegria do mundo.
Viva! Viva! Viva A Sociedade Alternativa. (Viva! Viva! Viva!)..."
Eu que sonhava com a sociedade alternativa, igual ao Raul Seixas, estou perplexo com a sociedade paralela, distópica, de uma bolha, em que enfiaram o Brasil. E, não sei como escapar dela.

Mauro Pandolfi

Agosto já é uma saudade e não escrevi nenhum texto para este blog. Não foi a ausência do tempo. Muito menos a falta de assunto. Nem preguiça. Quem sabe, um conformismo que me incomodou, esta normalização de tudo. Aceitamos tudo, desde a escatologia presidencial até a destruição física do país. Não reagimos. Ou, vou para de falar no plural, vou no singular: não reajo. Não é medo. Resta-me pouco para ter cagaço nesta altura da vida. Talvez, a melancolia, o desencanto, uma tristeza que me acompanha nestes tempos bollssonarianos. Quem sabe é descrença num sonho, numa esperança ou numa utopia. E, nem o futebol, o meu 'culto', a paixão, a auto-ajuda, despertou o tesão, esta falta de libido, que sempre me leva a escrever. Não vi mais a poesia em um drible, ou num passe, que desapareceu nestes jogos, onde ganhar é o que importa. Brincar, ficar com a bola, despertar encantamento é só uma bobagem de quem está perdido no tempo.'Tudo isto é inevitável', diria Thanos para mim. E, por dias, vários dias, pensei em desistir deste espaço. O que seria uma alegria para os poucos que perdem o seu tempo lendo-me. Mas, resisti! Vamos lá...
Felipão nunca entendeu o 7 a 1. Acha que foi um acidente, um desvio da curva, um apagão. Nunca a derrota, o desastre de um jeito de jogar. Ele é o mesmo desde os anos 90. Fechado, quebrador de jogo, retrancado, um chute à esmo, um gol encontrado por acaso, num chutão de longe, num erro do adversário. Felipão é incapaz de formular, prestem atenção em suas entrevistas, uma frase completa, límpida, clara, objetiva. Vai sempre aos pedaços, desconexos, feito o seu jogo. 'O futebol sovina', como diz o Mário. Tem jogadores acima da média, hábeis, criativos, inteligentes e o futebol é pouco mais que medíocre. O comentarista Carlos Eduardo Lino foi preciso e perfeito na análise do Palmeiras: 'tem uma orquestra e toca um pagodinho'. O jeito Felipão ainda funciona por aqui. Afinal, o futebol resgatou Luxemburgo, e por incrível que pareça, Osvaldo de Oliveira. O Fluminense trocou a 'poesia' de Fernando Diniz, que tinha um belo jogo sem resultado, pela expectativa de resultado sem jogo. Como dizem: cada um faz as suas escolhas.
Liguei o rádio, na CBN, escutei Raul Seixas. Era o dia de 30 anos de sua morte. Raul cantava Gita, a mais bela e inspirada de suas canções. Entre uma xícara de café e um sanduíche, a música levou-me ao Grêmio, o que sobrou do melhor Grêmio que vi na vida. Aquele que amava o jogo como os meninos amam a bola. De lá para cá, feito um bolero perfeito para dançar com a namorada. Estamos no fim. Resta muito pouco daquele jogo. Renato, feito um alquimista, tenta, inventa, procura soluções. Ainda não se convenceu que a saída são os jovens. Foi com eles, o início. Arthur, Luan, Pedro Rocha, Evérton foi o meio encontrado para as conquistas, os títulos, a poesia que embalava o meu sonho. Quem sabe, o fim seja próximo do início e do meio. Afinal, o Grêmio é, para mim a luz das estrelas, a cor do luar, as coisas da vida e a alegria de amar.
É preciso falar da bravura dos jogadores do Figueirense. Alguém que saiu da bolha do medo, de que aceita tudo e se conforma com a normalidade desonesta das coisas, do país, do poder. Enfrentaram a estrutura reacionário do futebol, o conservadorismo da imprensa esportiva, os jornalistas que alugam bocas e penas, a desconfiança e a incompreensão dos torcedores e partiram para o confronto. Já são vitoriosos mesmo que não consigam alguma coisa. A reação será a de sempre, desde a greve de 1917, jogadores serão demitidos, afastados, 'queimados'. Mas, venceram a batalha. Às vezes é preciso ficar na beira do abismo e buscar o tudo ou ficar com nada. Eles mostraram que é preferível ter 'os olhos dos cegos do que a cegueira da visão'.