domingo, 19 de agosto de 2018

A vitrine do futebol


"Somos o país do futebol, mas não somos os donos do futebol"
Daniel Alves entende o mecanismo do futebol, as suas variáveis, as transformações da bola, do jogo, do entretenimento. Já em final de carreira, recuperando-se de uma lesão, Daniel Alves percebeu que o tempo não para, nem o futebol é o mesmo de sempre, que não precisa de um evento para mudar.

Mauro Pandolfi

A Copa do Mundo é uma festa, mais do que uma competição. É quando 'os operários vão ao paraíso' (frase que 'plagiei' do grande Tim Vickery). Onde brilham os imigrantes, os sobreviventes de tragédias coletivas ou pessoais, os 'artistas', os milionários, os sonhadores. Ainda é grande vitrine do futebol. Onde é exposto o talento, a fantasia, a doce ilusão de desconhecidos que buscam o céu. Muitos sobrevivem a dor da derrota,  outros desistem, dias depois, de voltar a vestir a camisa de seu país. Mas, o fracasso não abala o mito. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo continuam imensos sem uma copa em seus cartéis. Desconfio, neste tempos tecnólogicos, que a referência ao modelo de jogo é quase nula. Aliás, sempre foi desde 30. Não provoca grandes mudanças. Não inventa sistemas e nem destrói o que está consolidado. O tempo faz isto. Chiko Kuneski escreveu um texto preciso ('A Copa do mal') neste blog. Lúcido, bem argumentado, que por instantes, me convenceu. Danado, este Chiko! Os poetas esgrimam muito bem com as palavras.  Certeiros! Passado um tempo, longe da influência do texto, discordo do 'mal' da Copa.
A primeira copa que assisti foi a de 70. A extraordinária seleção de Pelé. Li muito sobre ela, revi seus jogos algumas vezes e sei a revolução que propôs. Movimentação articulada, jogo no espaço vazio, posse de bola, precisão. Um time mitológico. Nenhum time brasileiro jogou como a seleção pós-copa. A seleção de 74 negou todo a transformação proposta. 'Imitou' os times brasileiros. Estilo previsível, burocrático, sem movimentação, centrado no conceito pré-70. Quem entendeu a revolução foi Rinus Michels. O carrossel holandes foi um rápido sonho que durou apenas aquela copa. A única inovação adotada no futebol brasileiro foi a linha de impedimento usada pelo Inter de Figueroa. Uma plêiade de comentaristas esportivos consideraram a Holanda um 'tico-tico, uma pelada mais organizada'. Igual ao Brasil, a Holanda de 78 desceu do carrossel e foi um vice insípdo. E assim tem sido. A copa como balizador do futebol é só um equívoco de avaliação.
Só o Flamengo lembrou o timaço de Telê Santana de 82. O 'cattenaccio' italiano da gang de Paolo Rossi sempre foi praticado por estas bandas. É só olhar os técnicos brasileiros deste período. Quase todos defensivos. No salto do tempo, vou até 2010. O jogo bailado, tocado, retocado, brincado, fantasioso da Espanha não vingou por aqui. Este jeito 'guardiola' de jogar se restringiu ao Grêmio de Roger Machado em 2015 e de Renato Portallupi nos anos seguintes. Mais algum jogou feito o Barcelona? Nenhum! Todos, inclusive as seleções brasileiras de 14 e 18, herdaram o futebol da equipe de Dunga de 2006, que era o que se jogava no país. Também, ninguém usou a Alemanha de 14 como referência no Brasil. A copa deste ano não mudou nada no futebol brasileiro. Continua tão ruim como o do primeiro semestre. A convocação do Tite, dia 17, sua entrevista coletiva é a reafirmação de seus conceitos, de seu pensar, apenas mudou o nomes dos jogadores. As ideias, a tática, o sistemsa de jogo parece o mesmo. Tão antenado, 'o moderno' Tite 'minimiza' - para ser gentil - o título da França. Não sei se é convicção ou arrogância. O 'mal da copa' é feito o 'mal dos poetas' do século 19. É romantismo. A realidade é, que pena!, pragmática. Jogamos como sempre.  A fantasia do extraordinário futebol brasileiro é só uma quimera. Bela mitologia que sempre sobreviverá.
Perdi a ilusão da arte no futebol com Paolo Rossi. Entendi que o futebol é um teatro de grama e paixão. Há tantos sentimentos envolvidos.  A vitória, bravura, desespero, fé, crença. Nunca abandonei o olhar da beleza do jogo. Gosto de dribles, de passes, de movimentos e espaços, de uma organização tão bem executado que parece improviso de pelada.  O desejo do futebol arte é imortal. Sobrevive nos sonhos de poetas, como Chiko Kuneski, que criam as fantasias, as expressões, como a bela 'asas da chuteira', um devaneio que deixa o jogo lindo. Esteticamente admirável quando contados pelo lirismo de quem a ama a arte. É este sopro, como da verve de Chiko Kuneski, que justifica um blog como este.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A Copa do mal



Chiko Kuneski

Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só.” Maquiavel

Essa máxima de  “ O Príncipe” cai como uma luva para o futebol. O Jogo bem jogado, tático para o ataque, inteligente, com jogadores criativos em esquemas criativos, desmoronou em uma só competição. A Copa do Mundo da Rússia trouxe de volta o futebol belicista. A arte do jogo sucumbiu à “guerra” do jogo. O combate. O corpo a corpo. Os jogos ficaram defensivos, protegendo a retaguarda, aumentando a guarda. 

O balé das chuteiras aladas parado por uma artilharia de grosso calibre sempre com uma cobertura da cobertura. O futebol ficou destrutivo. É mais fácil fazer desmoronar. Como ensina Maquiavel para os governantes, o mal se faz de uma só vez de forma mais rápida. O veloz é esquecido; o lento é absorvido. O futebol é isso. O bom jogo leva anos, décadas até ser entendido e apreciado. O mal jogo com resultados é festejado com os títulos, sempre imediatos. A Copa mostrou isso. Nada foi construído. Ao contrário.

A Copa da Rússia chegou ao Brasil. Pelo menos nas competições com jogos eliminatórias, como os da Copa do Mundo. O futebol do “teatro de grama”, como define Mauro Pandolfi, já foi substituído pelo RPG. Os jogos viraram combates de defesas. O ataque é mero acaso.

Até times técnicos como Flamengo e Grêmio, ao meu ver os que tinham o futebol mais bonito de ser ver no primeiro sementes, antes da competição mundial, sucumbiram ao mal da Copa. Nos dois jogos “mata-mata” pela Copa do Brasil, com jogos eliminatórios, o bom jogo foi deletado. O teatro virou um o RPG de defesa para vencer a guerra. O mal da Copa da Rússia já foi feito e mais rápido que se esperava.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

O acaso

 

“As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade.”
Carlos Drumonnd de Andrade mirava na vida ao fazer poesia. E, tudo indica, sabia decifrar o futebol.

Mauro Pandolfi

O futebol é a minha janela para o mundo. Desde os tempos de Copacabana, em Lages, que ao olhar pela janela via um pedação de chão onde a bola corria mágica. O primeiro olhar do dia. Ou, nos desenhos, como lembrou-me estes dias a mais importante professora, a minha querida Leda, 'tudo o que Maurinho desenhava tinha o futebol como motivo'. As redações, também. Tanto encanto transformou-me em jornalista. Esportivo, na maior parte do tempo de uma curta e inexpressiva carreira. A vida tem as suas escolhas, caminhos, atalhos e o futebol sobreviveu como paixão. Nunca consegui decifrar esta paixão. Que fascínio exerce sobre mim o futebol? Por que dedico tanto tempo para ele? O que me leva a escrever sobre futebol? Nunca consegui responder estas perguntas. Ou, nunca quis? Sigo questionando o jogo, o espetáculo formado por um teatro de grama e paixão, por uma 'história' contada em prosa de dribles e em versos de passes desenhados numa prancheta. Este 'nariz de cera' - jargão jornalista, que significa encher linguiça - é para explicar que o futebol é, para mim, indecifrável, inexplicável, misterioso, complexo. Deveria apenas, como diz o meu filho André, torcer, vibrar, 'sem ficar comentando o jogo'.
Planejamento. A palavra que explica um grande time. Leva tempo, demanda esforço, paciência, treinamento. Alemanha do 7 a 1 foi construída assim. 12 anos de um trabalho persisitente, duradouro. Exemplo para o futebol brasileiro, mundial. Escuto, e defendo, isto há muito tempo. Não há vitória, títulos sem 'um projeto' - não é a vigarice luxemburguiana -, mas,.algo sério, moderno, pensado.  Há vitórias construídas assim. Alemanha, Espanha, França, Corinthians, Grêmio, Leicester são arquétipos desta premissa. Leicester? O pequeno time inglês que surpreendeu os gigantes foi um lindo 'acidente'. Ou, será que o acaso não iguala ou supera o planejado? Estou desconfiado que sim. A genialidade pode desmontar qualquer sistema. A mitologia do futebol cita Garrincha, que dormia a sono solto nas preleções, como o 'exterminador'  do jogo pensado, elaborado. Acordado, Garrincha olhava para o treinador, após as explicações táticas de como vencer o jogo, e perguntava: 'o senhor já combinou com o adversário?'
Flamengo e Grêmio jogaram duas vezes em quatro dias. Dois ótimos jogos. O jogo trabalhado, elaborado do Grêmio durou 45 minutos na quarta-feira. O segundo tempo foi do Flamengo. Menos planejado, o time de Lucas Paquetá amassou, triturou e empatou no último lance. Faltou pouco, quase nada, para vencer. No sábado, com um time reserva, os gremistas - no caso, eu - esperavam uma goleada do Flamengo, quase titular. O Grêmio controlou, ditou o ritmo, venceu. A justificativa flamenguista foi o cansaço. No anterior, o time trintão do Grêmio não suportou a juventude. 'Futebol é para jovens', sempre falo - ou falava, não sei mais! - isto. Não é que os veteranos do Cruzeiro encaixotaram os garotos do Flamengo? Apenas dois jogadores com menos de trinta anos, um time cascudo engoliu o rubronegro. E, também, uma certeza minha. Vários fatores determinam uma vitória. O futebol, como a vida, é imprevisível. A magia está aí.
Há um texto de Armando Nogueira sobre um técnico que planejou uma estratégia para conter Pelé. Era mais ou menos assim: um marcador pela direita, outro pela esquerda. Um na sobra e outro no combate direto. Dois de sobreaviso caso Pelé ultrapasse um marcador. Começa o jogo. Bola para Pelé...gol do Santos! Pelé não vale. Mas, o gol fantástico de Rodrigão, do Avaí, contra a Ponte Preta? Ou, o passe de Rodrygo, que driblou três, entregou de bandeja para Gabriel marcar? Obras de acaso. Lances magistrais. O futebol é construídos por eles, por falhas, por frangos, por gols perdidos, por gols achados, pelo acaso. Afinal, como disse o pensador Theophile Gautier, "o acaso é talvez, o pseudônimo que Deus usa quando não quer assinar suas obras". Não sei se vale para a vida. Para o futebol ela é precisa. Os deuses do futebol detonam os espertalhões que dizem decifrar o jogo. Geralmente, são derrotados por gols chamados, sabiamente, de 'espíritas'. Impossíveis, loucos, inacreditáveis. É o acaso que vai proteger os segredos sagrados do jogo.