domingo, 30 de abril de 2017

Paralelas

Chiko Kuneski

“Estava mais angustiado que um goleiro na hora do Gol”
                                                                                      Belchior

Pode existir um sentimento que traduza melhor o futebol, como diz Mauro Pandolfi “um teatro de grama e paixão”, que angústia? Faz parte de qualquer jogo. O futebol é a grande “divina comédia humana”. É desejo. É emoção. É sofrimento. É vibração. É angústia e efusão.
São as paralelas do espetáculo, no palco e na plateia. No campo e na arquibancada. Torcer por um time é como escolher o amor de toda uma vida. Acontecem as desavenças, os destemperos, o “nunca mais quero te ver”, que dura até a próxima partida. Ou até o replay gravado, afogado num copo.

Futebol é amor alimentando pela paixão revigorada em cada jogo. Em cada nova expectativa de gritar: “amo esse time”. É a fossa mais curtida. A dor mais sentida. O motivo. Desconfie do torcedor que reclama do time a cada derrota. Não é um apaixonado. É um enganador que apenas deseja saborear o gozo. Como o falso amante.
São essas paralelas, angústia e vibração, que tornam o futebol único e  o time escolhido, normalmente na infância, o amor perfeito de toda uma vida. Uma paixão que nunca será esquecida nem substituída. Para o verdadeiro torcedor, como um beijo na boca com um sabor que nenhum outro beijo repete.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Os convertidos

Chiko Kuneski

A dúvida é autora das insônias mais cruéis.”

                                                                      Nelson Rodrigues

Uma dúvida não me tira o sono. Não acredito nos convertidos. Quando vêm sob a égide divina desacredito ainda mais. Não importa o deus, o credo, a crença. A fé converte a imagem não a essência. Tudo vira apenas um vômito de chavões para enganar os crédulos. O futebol é, com perdão do trocadilho, campo fértil para isso.

Como disse o pensador Públio Siro: “quem decide praticar o mal, encontra sempre um pretexto”. No futebol o mau caráter pratica a máxima à exaustão.  A culpa é sempre de outro que o leva a reação selvagem. Heis está a palavra mágica. Selvagem. Que deriva para a selvageria, saindo do indivíduo para o coletivo da turba. Normalmente, o mau caráter vira herói de grupos de torcedores que  buscam uma razão para extravasar sua má índole.

A festa realizada por uma parcela de torcedores do Palmeiras na volta do time depois do MMA quadrangular de Montevidéu deixou explícito a adoração pelos “corajosos” arruaceiros. Exaltaram o convertido Felipe Melo, que clama o nome de Jesus a cada final de partida, mas que não poupou provocações aos uruguaios antes do jogo. Sua verborragia, nem mesmo controlada pela conversão, propalou que, se preciso fosse, daria tapa na cara dos adversários. Do verbo à carne. Bateu e se transmutou no “herói da raça palmeirense.”

Os convertidos sabem que funciona assim. Falam manso para  se mostrar em puros, agem como mau caráter para serem adorados por torcedores que procuram um espelho dentro das quatro linhas para justificar sua violência nos estádios. São meros alimentadores medíocres do mal. Usam a verborragia para disseminar a violência em nome de uma fé.

“Santos” que sabem que ocupam uma necessidade de torcedores frustrados em busca de sublimar a frustração social do cotidiano no extravasar pela violência e pelo prazer de fazer o mal. Nos convertidos, encontram o perfeito pretexto. Como eles, agridem sem piedade e fazem o sinal da cruz.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Uruguai, Libertadores, pauleira, treinadores. Uma quarta de futebol

 

Mauro Pandolfi

Estranho país, o Uruguai! Parece 'civilizado'. Tem um povo educado, saudável, culto. Já foi chamado de Suiça da banda oriental. Também, é verdade, mais pelo paraíso fiscal do que pela democracia. É um dos melhores roteiros para férias. Diversão, lazer, cultura. Mas, quando um uruguaio veste uma camiseta de futebol, vê a bola rolar, os 'monstros da alma' rompem qualquer cordialidade. É agressivo, violento, como qualquer outro 'vivente' dos ajuntamentos deste canto do mundo. Penharol e Palmeiras foram exemplo de machonaria. Pauleira pura! Felipe Melo foi algoz e vítima da pancadaria. A frase - 'se for preciso dou um tapa num uruguaio' - foi lembrada por todos no estádio. Correu, foi cercado, bateu, apanhou. Tenho vontade de dizer:  bem feito! Mas, não vou dizer. Não gosto de covardia. Até o 'sereno' - pero no mucho! - Fernando Prass levou umas 'lambadas'. Triste. Muito triste. Lamentável! Se a Conmebol fosse séria eliminava os dois clubes do torneio por um bom tempo. E uma punição severa aos jogadores da batalha no 'Campeon del Siglo'. Nada vai acontecer. Quem sabe, multas. A entidade está precisando de umas 'platas' para cobrir os rombos da corrupção. Falta uma Lava Jato no futebol..
Estou deixando de lado a tal Libertadores. Incomoda-me o tal jeito de 'jogar a Libertadores'. Raramente vejo até o final uma partida. Gosto da volúpia, da agressividade, do ataque no futebol. Gosto do jogo bem jogado, armado, arquitetado, planejado. Gosto da habilidade, do drible, do passe. Na Libertadores, não existe nada disto. Há mais 'guerra' do que estratégia; mais vontade do que técnica; mais gritos do que tática, mais sufoco do que inteligência. Me espanta os elogios da imprensa esportiva. 'Libertadores se ganha assim' é um mantra, um dogma, um mandamento  que se repete em cada jogo como uma verdade absoluta.
A comparação com a Champions League é devastadora. Na qualidade do jogo, no talento dos 'artistas', no palco do teatro de grama e paixão. Até no comportamento da plateia há uma grande diferença. A esportividade é uma quimera por estes lados. É vencer ou vencer! Não importa como. Na pressão, na intimidação, no medo, no mérito. Perder é para os fracos! A derrota tornou-se uma vergonha, uma afronta, um 'vexame' ou, dependendo do resultado, uma 'tragédia'. Isto me assusta, me afasta, me faz desistir do futebol daqui. Ou, quase isto. Resisto pela paixão descoberta no Vermelhão de Copacabana, pelo amor ao Grêmio, no prazer de um menino que, às vezes, aparece feliz nos meus sonhos.
O treinador é a alma de uma equipe. Molda, planeja, prepara. É o coração. O que estimula o jogo. Porém, está deixando de ser o cérebro. As pressões pelos resultados imediatos atrapalha o pensar. Evita um jogo mais sofisticado pelo medo do resultado adverso. Prefere o trivial, o comum, o bem decifrado por jornalistas e torcedores. Os dois times campeões brasileiros - campeonato e copa do Brasil - de 2016 estão com treinadores questionados pelo fracasso nos estaduais. Desesperados, temerosos, estressados, explodiram contra jornalistas. Renato Portalupi contra Wianey Carlet; Eduardo Baptista contra o Juca Kfoury. Mentiroso foi um adjetivo ameno usado pelos treinadores. Há uma esquizofrenia na imprensa esportiva. Os comentaristas são impiedosos nas derrotas, laudatórios nas vitórias. A análise crítica é uma miragem na imprensa esportiva brasileira, que tem uma visão anacrônica, ultrapassada, obsoleta do jogo. A crítica é substituída pela 'opinião'  - 'sou pago para dar opinião', dizem eles - reflete no desespero do torcedor que transforma a derrota do futebol na mesma derrota do dia a dia. Um dia entenderão que mais perdemos do que ganhamos na vida. A 'revolução' no futebol brasileiro deve começar na imprensa esportiva. Especialmente, nos 'formadores de opinião'.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Garotos podres


 Mauro Pandolfi

"Em meio a fumaça das chaminés ecoam gritos de uma geração, gritos que são porta-vozes de uma juventude amordaçada".
Canto desesperado dos Garotos Podres, banda punk paulista dos anos 90, em busca de uma saída. Enquanto em Criciúma, no Heriberto Hulse, foram gritos de garotos que são só podres. Nada mais.

De tempos em tempos, o futebol me engana. Fico iludido na poesia, na magia, no encantamento. Nos dribles, nos pés de 'asas de chuteiras' - grande achado poético de Chiko Kuneski -, nos gols. Messi sempre me surpreende. Acha o belo futebol do nada. Parece entregue, sem força, desiludido. E ressurge com lances extraordinários. Fez um gol de futebol de salão. Apertado, trancado, achou espaço, um balé de movimentos e um gol magnífico. Barcelona e Real é o espetáculo do teatro de grama e paixão. Este é o jogo que me seduz, que embala a alma, alivia o coração e inquieta a mente. Mas, o futebol, também, é sórdido. Há algo de pérfido, nojento, velhaco. Os gritos do bando no estádio Heriberto Hulse, 'ão, ão, ão, abastece o avião', é um momento indigno, cruel, canalha. Foi uma manifestação de guris mimados, medíocres. Garotos podres!
E, por falar em podridão, a atitude de Rodrigo Caio ainda assusta o futebol e, também, o país. Ser honesto causa tanta celeuma. Chiko Kuneski abordou muito bem a 'lei de Gérson'. O grande craque pensou apenas em 'ganhar um troco' com a propaganda. Virou emblema, dogma, mandamento. Há tempo que o cinismo e a hipocrisia vive escondido no futebol. 'Falar em Deus' absolve os pecados, a pequena canalhice, a esperteza. Felipe Melo é o 'atleta padrão' deste tempo. Confuso com a bola, grosso sem ela, reproduziu fora de campo seu 'estilo' de jogo:  “Mas é… ninguém joga bola, ninguém joga uma peladinha ou outra, né…eu acho que quando o pessoal está na peladinha… quer ganhar, né ? E eu sou disso, vim da pelada, jogava bola… e queria ganhar… a bola batia na gente e falava que batia no outro…. e ai, como é que faz ? Estão querendo acabar com o futebol com este negócio de fair play…(se teria atitude igual a de Rodrigo Caio) não sei, isso é questão de momento”… o que você faz se um cara pegar e der um soco na cara de seu irmão, você vai fazer o que ? Paralisar… de repente eu parto pra cima dele, não sei…”  Se futebol se resumir a isto, acho que 'tô fora'!
Aranha  foi certeiro, digno, quando parou o jogo Grêmio e Santos pela Copa do Brasil de 2015. Injuriado, acusou o racismo da torcida gremista. Correta, justa, necessária ação. O Grêmio deveria ser excluído da competição. Isto criaria uma jurisprudência. No entanto, o STJD preferiu  punir o clube com a perda de três pontos. Na soma, seis pontos perdidos, evitou o jogo da volta. Aranha foi o Rodrigo Caio daquela vez. A carreira foi bloqueada. Perambulou sem nenhum destaque em vários clubes. No sábado, foi injusto, preconceituoso.  De injuriado, injuriou. Perguntado sobre o seu peso, respondeu: "Tenho treinado, tenho treinado. É que às vezes tem cara, tem jornalista, que gosta de homem, gosta de homem sarado, gosta de cara que  tira a camisa, fica mostrando o abdômen. Respeito a opção sexual de cada repórter". Outro ato escroto do futebol é o grito de 'bicha', que invadiu os estádios, quando o goleiro adversário está com a bola. Tacanho, grosseiro, vergonhoso.  E assim vai tropeçando o futebol e a humanidade.
 A  mão não encostou no rosto. Passou um ventinho. Mas, Antônio Carlos Zago  desabou. Caiu feito um papelão, ferido mortalmente. Uma cena grotesca de um canastrão, candidato ao prêmio Rojas. No outro final de semana, tentou passar a perna no médico do Caxias. O treinador do Internacional é uma das figuras mais asquerosas do futebol. "Ótimo como jogador. Como pessoa, um mau caráter", quem o definiu assim foi o Edmundo, colega de Palmeiras. Envolveu-se em várias confusões. A mais grave foi o ato racista contra Geovânio. É contraditório.   Ele treina o Internacional, um clube do 'povão', como dizem os colorados. Porém, parece no lugar certo. Afinal, um diretor comparou o acidente da Chapecoense a 'tragédia' do rebaixamento e  o clube foi até a FIFA para virar a mesa. 
Ser  honesto dá problemas neste ajuntamento. O deputado Paulinho da Força disse 'quem não tem prestígio não está nas listas de Fachin e de Janot'. Há tantas almas honestas neste país. Na política e no futebol. Fui até no dicionário para saber se o verbete sofreu alguma alteração. Não mudou. A definição é a de sempre: "Pessoa  que age corretamente, mesmo contrariando seus ou próximos interesses; que age com escrúpulos, com decência, com honradez;  que é capaz de ser leal com outrem mesmo sem estar sendo vigiado" .O resto é mentira, lorota, grupo, logro, treta, cascata...Ou, como dizem por aqui:  jeito de fazer política.

domingo, 23 de abril de 2017

Os canalhas


Chiko Kuneski

Na segunda metade da década de 70, no século passado, uma propaganda de cigarros terminava com a frase do campeão da Copa de 1970  Gerson: “ O negócio é levar vantagem em tudo, certo? ”. Ficou conhecida como “lei de Gerson”. Justa ou injustamente, não faço aqui valor de juízo, permeia o futebol e a ética nacional até hoje.

Nos dois últimos finais de semana vimos a fatídica “lei” ser levada a sério por dois técnicos de dois grandes clubes brasileiros. Rogério Ceni, do São Paulo, entrou nos vestiário chutando o balde e esbravejando contra seu jogador Rodrigo Caio por ter sido honesto.

Caio evitou o cartão amarelo de Jô do Corinthians, num jogo de semifinal de estadual, por uma pseudo falta cometida contra Cássio. Acusou-se. Foi honesto, simplesmente honesto num Brasil da “lei de Gerson”. O árbitro Luiz Flavio de Oliveira reconheceu o erro, retirou o cartão e cumprimentou Rodrigo Caio. Estranhamente não reportou na súmula o “equívoco”. Juízes não erram.

Pelo que foi veiculado nos noticiários, Ceni, o técnico entrou nos vestiários chutando o balde. Esbravejando. De dedo em riste contra Caio pela honestidade. Futebol não é lugar para os honestos. Pelo menos não no Brasil. Jô entrevistado disse que achou a atitude honesta, mas que não faria o mesmo.

Jô, que não é mais um garoto com seus 30 anos, sutilmente tripudiou a virtude em detrimento da malandragem. No jogo de volta, na Arena Corinthians, a torcida “brindou” o jogador honesto cantando: “Rodrigo Caio é corinthiano”. Jô fez um gol visivelmente impedido. Comemorou com a torcida.

 No mesmo dia, no Rio Grande do Sul, o técnico do Internacional foi protagonista de uma cena grotesca de simulação. Antônio Carlos Zago, ex zagueiro da Seleção Brasileira, usou a tal “lei de Gerson” e, mesmo fora de campo, atirou-se, cinematograficamente, ao chão simulando uma agressão do jogador do Caxias, que estava dentro de campo. A desonestidade mostrou que faz parte do futebol do país mais uma vez.

Como disse o filósofo Mario Cesar Cortella, o futebol é um microcosmo do país. O Brasil é a terra da “lei de Gerson”, da vantagem, do jeitinho, da desonestidade, a tal ponto do honesto ser notícia de semana. Somos comandados por políticos desonestos. Mandados por chefes desonestos. Até, tristemente, educados por pais desonestos.

Ceni, Jô e Zago são o normal. Como são vistos  os jogadores que simulam agressões em atos cinematográficos de canastrices explícitas em campo.  São meros replicantes do senso comum reinante. Os microcosmo de país. Os canalhas erigidos a “espertos

terça-feira, 18 de abril de 2017

Fair play

 

Mauro Pandolfi

"Achei o máximo o Rodrigo Caio fazer isto. Ao mesmo tempo, é uma vergonha que isto seja o máximo".
Comentário de Dan Stulbach, no Hora de Expediente, lembrando do futebol, da política, do país, que vivemos.

O futebol é mesmo surpreendente. Há lances para toda vida. Alguns, como arte, espetáculo. Um teatro de grama. Outros, memoráveis, de conduta. Atitudes que balançam a vida, o comportamento, o pensar. O teatro de paixão. O extraordinário gol com a mão de Diego Maradona na Copa de 86 é um exemplo da malandragem, da esperteza, da magia. Tenho dificuldade em qualificar como 'canalhice'. Mas, foi! O fair play de Rodrigo Caio tem a nobreza que escapa da podridão reinante na política brasileira. Tão nobre, divino, inusitado, que o 'mundo do futebol' não conseguiu decifrar ou entender a atitude.
A honestidade de Rodrigo Caio mexeu com a velhacaria desonesta que rege o futebol brasileiro. O ato questiona o que sempre foi dogma, verdade, certeza no jogo. Enganar, faz parte. Iludir, também. Esqueça o drible, a finta, a linha de passe. Ali, a ilusão é mágica. Ao contrário, ao cavar uma falta, xingar o árbitro, fingir agressão, a 'catimba' tolerada, até estimulada, é ilusão da esperteza, malandragem. Isto é cinismo. Pelé era fantástico nisto. Provocou faltas, expulsões, pênaltis. Ele é o rei. O rei está nu? Rodrigo Caio está isolado, Em público, recebeu poucos apoios. Um deles é de Jô. Aliás, Jô tem a obrigação moral de mudar a sua conduta. Seu treinador, Rogério Ceni, não ficou muito satisfeito. Apoio crítico, para ser ameno. O capitão Maicon foi ríspido. Disse 'prefiro a mãe do adversário chorando em casa do que a minha". Paulo Nunes afirmou 'que não faria isto'. Gosto da afirmação de Dan Stulbach. É mesmo vergonhoso salientar a honestidade. Porém, virou fundamental achar o máximo a atitude de Rodrigo Caio.
Diógenes era um filósofo grego que ganhou fama ao desfilar em Atenas com uma lanterna na mão. Questionado, respondia que 'procurava um homem que vivesse a sua essência, fugisse das convenções sociais, respeitasse a sua natureza e fosse honesto'. Não sei se encontrou alguém lá em Atenas. No Congresso Nacional, entre os políticos brasileiros, perderia o seu tempo. Talvez, até roubassem a sua lanterna. No futebol esbarraria em Rodrigo Caio. Não sei se Rodrigo Caio é a alma mais honesta do futebol. Do mundo, não é. Sei que a 'mais honesta do mundo' é daquele amigo, espertalhão, que nunca pediu dez centavos para ninguém e gosta de passar os dias no sítio de um outro amigo. Alguns chamam de bon vivant. Eu prefiro canalha!!

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Crepúsculo dos deuses

 
Mauro Pandolfi

O gol é o futebol. Por instantes, breve instante, a tevê esqueceu do gol. Não mostrou Chiellini, o autor. Ignorou a comemoração. Abandonou a festa da torcida italiana. Procurou, encontrou o mito. Seguiu, por segundos, Lionel Messi. A dura caminhada após o terceiro gol da Juventus. Lento, cabisbaixo, perdido. A cabeça curvada, as mãos encobrindo o rosto, desolado. Desoladora e bela imagem do fantástico espetáculo que é o futebol. Não foi a derrota de uma partida. É uma sensação de que o extraordinário jogo do Barcelona está virando saudades. Diria que é um poster na parede do quarto. Nestes tempos líquidos está guardado nas 'nuvem', pertinho da eternidade, ao lado de um certo Santos.
Entendi a queda de Bauza. Entendi o sufoco argentino. Apostar em Lavezzi, Aguero, Higuain e esquecer Paulo Dybala é provocar o acaso, o erro, o engano, irritar os 'deuses' da bola. Dybala desmontou o frágil esquema de marcação catalã. Com Mascherano fora do lugar, um volante perdido, sem saída de bola, a Juventus usou a velocidade e decidiu o jogo em menos de 25 minutos. Depois, a Juve mostrou que é italiana de 'raiz'. O catenaccio neutralizou a movimentação do Barcelona, que ficou enredada nas linhas defensivas, sem espaço, sem imaginação. A retranca ainda é uma arma quente no século 21. Tem outro nome, estilizada em números, em uma releitura tática moderna, geométrica de ocupação de espaço. Mas, aquele povo na frente da área, dando bico, afastando a  bola, é mesmo uma retranca. Às vezes, dá certo.
Não parecia o Barça. O jogo não fluía, a bola escapava apressada. Desconecto, perdido, sem rumo. Um time estanque. Neymar como um velho ponta esquerda era facilmente neutralizado por Daniel Alves. ChIko Kuneski deve ter gostado do lateral brasileiro. Anulou o craque.. Suarez parecia intimidado pela presença de Chiellini. A mordida era lembrada quase todo o tempo. Desarmado, sempre. Iniesta foi pálido. Inexistiu assim como Messi. Ele vagava pelo campo a procura de um lugar, de uma alternativa, de uma solução. Que não veio! O Barcelona resignou-se. Aceitou a derrota. O futebol é assim. Um maravilhoso teatro de grama e paixão. Um jogo que lembrou o crepúsculo dos deuses.
O Barcelona busca o milagre que já veio uma vez. Tenta se reinventar. Torce por uma outra atuação memorável de Neymar. Que Suarez retome a ferocidade, Iniesta encontre os seus pensares lúcidos. Porém, não é um time francês, de novos ricos, o adversário. È um italiano, de mesmo tamanho, de história idêntica, de camisa enorme, de títulos importantes. Se Lionel for Messi, nem que seja pela última vez, aposto no Barcelona. É só um desejo, um sonho de quem não acredita em sonhos, de um torcedor apaixonado.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Oitenta!



Mauro Pandolfi

"64, 66, 68, um mau tempo talvez
Anos 70, não deu pra ti
E nos 80 eu não vou me perder por aí..."
A linda Horizonte, de Flávio Bicca, para a peça 'Bailei na Curva', não impediu o meu engano.

Stefan Zweig morreu iludido. O Brasil nunca será o país do futuro. Está encurralado num passado que nunca passa. Na espiral da história, às vezes, o passado é ultrapassado por um presente. Tão efêmero, fugaz, rápido. É só um engano, um devaneio, uma ilusão de ótica. No domingo, revivi um ato corriqueiro do passado e raramente vivido hoje, entrei numa banca de revista. Busquei a Placar. Pensava numa capa de Neymar, Gabriel Jesus, Flamengo, Palmeiras, Chapecoense  ou Grêmio. Encontrei um documento, dossiê, memória sobre o futebol dos anos oitenta. Folhei a revista. Vi Zico, Sócrates, Telê, Renato. Todos lá! Os mitos, os ícones, os coadjuvantes, os vilões, os sonhos de uma década tão fantástica que  revelou-se perdida. Ainda não li a Placar. Parece um 'inventário' da minha vida. Estou com medo de ver os meus erros, enganos, desilusões, equívocos. E, o pior: os acertos!
Já sonhei com um despertador de um som diferente. Um trambolho ao lado da cama. Escrevi sobre este doce engano para o encontro dos jornalistas da turma de 1982. Uma esperança de iludir o tempo. Ser o que já fui. Fomos quase todos. Lindos, envelhecidos, saudosos exatamente como a vida nos preparou. Somos 'outros' sendo os mesmos. A conversa foi o 'tempo eterno'. As histórias, lembranças, o vivido, o sonhado. É o caso da Placar. Recontar um período 'mágico, encantador' do futebol brasileiro. Os anos oitenta foi a última 'onda' do lendário jogo que foi mais fantasia do que realidade. Ela sucede os anos 50 e os anos do tri mundial. Onde o futebol era encantador, arrebatador, arte em estado puro. Pena que a ilusão é eterna. Aplaudimos, sonhamos, desejamos um jogo que foi mais 'quimérico, um devaneio' do que jogado. Somos reféns, escravos de um  futebol 'solidamente imaginário'. Os conceitos, as análises, a qualificação dos times, das partidas, dos jogadores ainda pertencem a este tempo. Não entendemos o novo, o atual, o contemporâneo. Não percebemos que vivemos o  passado. E, como já disse, ele nunca passa. Está numa foto, numa reportagem, numa lembrança, na memória.
A palavra que melhor revela os anos oitenta é a 'frustração'! Uma geração dourada.mítica. Seus nomes declamados como poesia. Heróis, como a capa de Placar, onde Sócrates, de Dom Pedro I, reproduzia o 'fico' do imperador se a emenda das 'Diretas Já' fosse aprovada. Não passou! Milhões de pessoas nas ruas ficaram desoladas. Exatamente igual com a derrota da genial Seleção de Telê para a Itália de Paolo Rossi. Perdemos, tudo, sempre. No futebol e na política. Do belo jogo da turma de Zico, Falcão, Júnior, da democracia corinthiana, passando pela morte de Tancredo, pela Constituinte, chegando em Sarney, desejando o 'Lula lá', terminando em Collor e Sebastião Lazzaroni, não segui o aviso de Flávio Bicca. Se a década de 80 é chamada de perdida, o que pensar dos anos 90 e século 21? Bom, já é  uma outra história.