sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O brasileiro Sócrates. Memórias...

 
"Arte, no futebol, nunca foi adjetivo"
Sócrates foi único. Talento no caminhar, no passar, no toque sutil de calcanhar, na hora do gol, no braço erguido de um pensador atrevido e único. Este tempo seria menos sombrio com Sócrates. A sua lucidez faz falta.

Mauro Antônio Pandolfi

Tem dias que sinto saudades. Às vezes, da vida, de algum momento. Noutras, de um amor perdido, de uma paixão bem vivida. Muitas, de amigos imprescindíveis, eternos, isolados em distanciamento social. Hoje senti saudades de Sócrates. Escutei Juca Kfouri falando dele, da gentileza e do craque. Casagrande declarando a paixão por ele, o amor pelo ídolo, pelo homem. O futebol é movido por duplas desde Pelé e Coutinho. Ou, até antes, no magistal River Plate de Labruna e Di Stefano. Casão e o Magrão foi um encontro de almas, de pensares, de jogo. A serenidade e a rebeldia. A ousadia e a maturidade. O arrojo e a lucidez. Complementares! Jovem, ainda sonhador, virei corinthiano por instantes, pela Democracia Corinthiana, por um sonho de um país, livre, leve, justo. Tudo foi um engano. A Democracia Corinthiana assustou o mundo reacionário da bola, sumiu, virou história. E, o país? Será mesmo um país? Ou, só um hospício controlado por um 'líder' insano, hostil, manipulando uma horda de devotos alucinados?
Saudades de Socrates! Mais do que suas palavras, seu jogo. Do passe preciso. Do meia que controlava o espaço e o tempo. Tudo era medido. Regido por um gênio. Gostava de suas passadas largas, de sua lentidão enganosa, do raciocínio rápido. Sócrates faria hoje 67 anos. Partiu tão cedo, foi tão apressado. É um dos meus ídolos. Um dos poucos que me tirava de um jogo do Grêmio para vê-lo. O último a me fazer torcer pela seleção brasileira. Jamais terei outra camisa amarela. Para lembrar de Socrates republico um texto deste crônicas.


Sócrates!



"Se as pessoas não tiverem o poder de dizer as coisas,eu vou dizer por elas. Quando era jogador, minhas pernas ampliavam a minha voz".
Sócrates era o jogador que pensava. O jogo e a vida. Genial, artístico, político. Um homem que faz falta em qualquer tempo.

Mauro Pandolfi


Ando com saudade de Sócrates. Fucei no you tube e achei alguns lances que alegraram a minha alma. Gols e passes. Vi um jogo completo e acompanhei a sua movimentação em campo. Não sei se o Sócrates grego era físico além de filósofo. O Brasileiro parecia um físico jogando. A movimentação, o olhar, o andar não eram acidentais, triviais, ao esmo. Eram pensados. Noção perfeita entre tempo e espaço. Certamente Stephen Hawking o conhecia. Desconfio que algumas teorias sobre gravidade e tempo foram baseadas na dinâmica de Sócrates, na sutileza e elegância de seus deslocamentos. Não foi só o futebol que me deixou com saudades dele. Ao ver Ronaldinho Gaúcho fazendo campanha para Bolsonaro lembrei do Magrão. Socrates se manifestou contra a ditadura. Ronaldinho faz apologia ao defensor da ditadura. Como pode alguém que vestiu a camisa do Barcelona apoiar um fascista? Certamente, nas horas de folga, o 'gaúcho' preferia seus pagodes a um bom livro sobre a história do Barcelona, da Catalunha contra o fascismo franquista.
Sócrates foi o meu ídolo de juventude. Tinha um poster dele no quarto. Durante algum tempo sublimei a paixão gremista pelo Corinthians. Tempo da Democracia Corinthiana. Metido a rebelde, eu gostava de quem desafinava o coro dos contentes, que desafiava a ordem. Sócrates era o meu preferido. Amava o seu jogo. A cabeça erguida, a falsa lentidão e a técnica apurada. Meu lance preferido era o calcanhar. A sutileza e magia num átimo de tempo. Tão rápido, tão desconcertante, tão artístico. Admirava o seu pensar. Não era um jogador comum. Tinha algo para dizer, propor, sugerir. Irritou o conservadorismo deste país. Velhos jornalistas - e nem  tão velhos assim -, amantes da opressão, das 'boquinhas', não o toleravam.  Eram obrigados a engolir pelo talento. Mas, sempre tinha um mas...
'Cervejeiro, revolucionário, contestador, rebelde, jogador tem que jogar bola, não falar de política'. Ouvi muito isto. Desliguei rádio, tevê, joguei fora jornais, não suportava a estupidez conservadora da imprensa esportiva. Nunca fiz uma entrevista com Sócrates. Com Paulinho Scarduelli gravei uma conversa com o psiquiatra Flávio Gikovate, fazia parte da diretoria do Corinthians no tempo da Democracia, sobre futebol, política, sexualidade, vida e, principalmente, Sócrates. Anos depois, entrevistei Raí, que fazia a estréia na Seleção Brasileira. Duas ou três perguntas sobre ele. Os outros 20 minutos foram sobre Sócrates. Não resisti a idolatria.
A vida foi cruel com Sócrates. Já tinha sido com Garrincha. O álcool foi um marcador feroz com os dois. Foi íntegro até nas últimas horas de vida. Recusou o privilégio de ídolo para um transplante. 'Só que é o seguinte, eu tenho de estar na lista. Eu não furo fila, não. E eu não estou em nenhuma lista", disse. No dia quatro de dezembro de 2011, Sócrates morreu. Um triste domingo. Ele sempre foi um exemplo para mim. Enquanto que Ronaldinho e seu irmão Assis foram denunciados por mau uso de verba pública em um 'suposto' projeto social em Porto Alegre. É! O futebol dá para comparar. Já o caráter, não!