segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Outra crônica de adeus

 

"Vivemos tempos sombrios onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança".
Que a lucidez angustiante de Hannah Arendt desperte do transe os que apostam na esperança.

Mauro Pandolfi

2019 nunca será como 1968. Se for lembrado, ao contrário de 1968, é o 'ano que nunca deveria ter acontecido'. Tempo de loucura, insensatez, tragédias humanas e ambientais. Destruições provocadas, naturais, genocídios nas periferias. Tanta obscuridade que achatou o planeta. Lunáticos gritam que a Terra é plana, que menino veste azul, menina usa rosa e até descobriram o que era golden shower. Um ano que se perdeu no tempo. Uma distopia alucinada ou engano de um transe catatônico que ainda não despertamos? Até o Grêmio entrou neste redemoinho do retorno. O belo jogo apareceu por instantes, por momentos, por descuidos. Ficou parecido, quase igual, aos outros times que gostam dos chutões, do balão para a área atrás de um gol salvador. A bola trabalhada de pé em pé, num desenho mágico, reapareceu no Flamengo de Jesus. Nunca assisti tantos jogos do Flamengo como este ano. Só não comprei a camisa. Vibrei como um amante, um romântico que se encanta com a beleza alheia. Faltou algo para a traição ser completa. Paixão?
O futebol é a minha paixão. Tantas vezes escrevi isto. É o que me faz feliz. A vida tem mais magnetismo quando a bola rola, mágica, insinuante na tela da televisão. É poesia e prosa. Onde se encontram o menino sonhador do Vermelhão de Copacabana e o velho que tenta escapar do pragmatismo da vitória. Os dois se dão bem. Raramente discutem. Há boas risadas em seus papos.
Ainda paro para ver o drible. Aquele olho no olho do atacante e o defensor. O jogo de pernas, o bailado persuasivo, o corpo que finge, vai, volta tão rápido, que engana o olhar - meu e do marcador -, e segue por um espaço impossível de passar. Como foi bom ver Éverton e Bruno Henrique desfilando as suas belas poesias. Dribles que encantariam Garrincha, Julinho, Tesourinha...
Ah, o passe! O jogo planejado, estudado, conectado, dissecado, armado. O futebol é um jogo de espaço e tempo. Se o drible resolve o tempo, é o passe que controla o espaço. As linhas perfeitas, o campo bem dividido, tudo ocupado, estratégia desenhada. A bola rola. O jogo flui. Roberto Firmino mostrou no sábado todo o desenho de Jurgen Klopp para vencer um jogo. A roubada de bola, a velocidade de ataque, o passe, o drible, a finalização, o gol. Quem disse que não há poesia na prosa?
O Flamengo foi o Flamengo por instantes. Durou pouco mais de 20 minutos aquele jeito tão bonito de jogar. Ficou com a bola, trocou passes, tirou o Liverpool do lugar, incomodou. Nem um lance de gol criou. Bonito ver o bailado em velocidade de Bruno Henrique em cima de Alexander-Arnold e precisa cobertura de Van DijK. Aos poucos, o Liverpool controlou o jogo, teve a bola, atacou, venceu. A derrota foi superestimada como uma 'vitória moral', um feito, um acontecimento. Triste tempo de derrota glamourizada.
2020 chegou! Ufa! Demorou demais. Torço que a folia do Carnaval marque um novo tempo. Que a Terra volte a ser redonda, que meninas e meninos usem as cores que quiserem, que a luz vença as trevas, que Renato seja o Renato de 2017. Desejo um Feliz Natal e um Ano Novo esperançoso para que leu, curtiu, comentou, compartilhou, passou, olhou e ignorou, as más traçadas linhas deste blog. O meu regalo são versos do belo Duda Sacul, que não sabe driblar com a bola, mas com palavras é um Dener: "Deixe-se levar pela alegria. Mesmo que for acabar. Mantenha-se até o último bradar. Espalhe a folia. Mesmo se algo lhe preender. basta apenas ignorar. Mesmo se ao medo você ceder. Basta apenas acordar".


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Gol de Pelé!!!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O Grêmio não é uma estátua


"Estávamos uniformizados. Havia um silêncio sepulcral. Eu olhava para todos como querendo pedir socorro. De repente, a porta abre, entra um tipo com uma capa e uma touca escura. Ele começou a andar e a cumprimentar todo mundo. E neste segundo, antes de chegar até mim, fecho os olhos, coloco as mãos para trás e deixo passar o ditador sem dar a mão para mim".
Poucos jogadores brasileiros repetiriam o gesto de Carlos Caszely. A maioria, Renato entre eles, abraçaria o ditador, ou candidato a ditador, e até fariam uma selfie com ele.

Mauro Pandolfi

Renato faz parte da minha vida. Está marcado para sempre em meu coração e alma. Com Andre forma o nome de meu primeiro filho. Renato foi responsável pelos melhores dias do futebol. Vibrei com o balão mágico que encontrou César na final contra o Penharol pela Libertadores. Também bailei, feito um alemão, contra o Hamburgo no Japão. E, agradeço a reinveção do futebol do Grêmio como treinador. O melhor Grêmio que vi. O mais belo e poético. O 'culto' onde me abastecia de energia, emoção, a auto ajuda que me deixava, sereno, em paz, bem zen. Brincava que fazia parte da 'Portallupi Church'. Uma piada! Afinal, sei o quanto é perigoso o fundamentalismo, especialmente os religiosos, de todas as matizes, correntes e pensares. Mas, acabou! A magia terminou. A poesia se perdeu num velho jeito de jogar do Texas (como o Corneta do RW chama o futebol gaúcho). A beleza do passe foi trocada pelo balão em busca de cabeça, nada pensante, somente salvadora. Sobreviveu somente a empáfia nas entrevistas. A soberba que não entende a derrota e a transformação do clube em refém. 'Ou é como eu quero ou eu vou embora'. Espero que Romildo Bolzan agradeça os bons serviços de Renato Portallupi. O Grêmio é maior que uma estátua.
O Grêmio é maior que Renato. Maior que a sua genialidade. Como cidadão, Renato tem o direito de admirar, amar, venerar, idolatrar quem quiser. Leve para sua casa quem quiser. Não use o Grêmio como palanque para bajular o 'mito' ou buscar um tênue apoio para o lugar do Tite. Pela atitude, Renato se encaixou perfeitamente no combo da CBF. O convite ao Bolsonaro é espúrio. Expôs o clube. Despertou a ira de milhares de torcedores. Mostrou que não conhece a nossa história, de nossos ídolos negros, da Coligay, dos pobres, como Bombardão, que continuam indo a pé para ver a paixão em campo. Bolsonaro é a negaçao desta história. Seu discurso, seu governo, suas propostas, suas medidas econômicas atingem os mais vulneráveis deste país. Não torne o Grêmio cúmplice deste desmanche de país. Renato pode ser. Nunca o clube. Sempre soube que Renato não era Carlos Caszely. Mas, não suspeitava que ele era Felipe Melo.
Lembrei de José Simão depois do jogo. Basta um vínculo, um mísero apoio e Bozo Jaegger faz mais uma vítima. Depois de Macri, de Bibi Netanyahu, do impeachment de Trump, do Palmeiras e do Santos, chegou a vez do Grêmio. Azar de Renato? Não, do Grêmio!

terça-feira, 12 de novembro de 2019

As ilusões perdidas



"Ainda pior do que a desilusão de um não ou a incerteza de um talvez, é a desilusão de um quase".
Esta frase caiu no 'meu colo' - recebi no facebook - que é um retrato mais do que perfeito do meu momento de futebol, dos jogos, do Grêmio, das utopias, da vida, é da catarinense Sarah Westphal, autora da crônica 'Quase', que já foi atribuída a Luís Fernando Veríssimo.

Mauro Pandolfi.

As minhas ilusões, com a vida e o sonho, já estão perdidas desde os meus trinta e poucos anos. De tempos em tempos, me vejo tendo esperanças. Que logo passam. Dias atrás, relendo Eduardo Galeano, em seu belo livro de futebol - Aos sol e à sombra - resgatei pedaços de uma utopia que já tinha terminado na derrota contra o Real Madrid, na final do Mundial, em 2017. Ganhar era a utópico. Vivi este desejo, este sonho, esta fantasia, este delírio, exatamente igual ao jovem que sonhava com o socialismo autêntico ou um anarquismo libertário que demolia, sem deixar vestígios, a ganância gulosa do capitalismo.  Errei! Já tinha entendido que utopia é só uma utopia. Existe no imaginário. Somente no imaginário. O problema é que, às vezes, tento trazer para o real. E, aí...Equívocos, enganos, derrotas são os meus conselheiros. Acredito piamente nisto. Afinal, a minha vida é um resultado de equívocos, enganos e derrotas. E gosto de todos eles. Perder em muitas situações é melhor do que ganhar. A alma fica leve, a espinha permanece reta, o coração, sereno. idêntica a grande música de Walter Franco.
Tem momentos que viajo no tempo. Boas saudades, tristes lembranças, recordações afetivas. Domingo foi uma delas. O futebol, o Grêmio me fez viajar. Num período que escutava os jogos na eletrola da sala. Volume baixo para não atrapalhar ninguém. Tem um jogo de 1974 que me visita às vezes. Um empate de 3 a 3 com o Encantado. Primeira rodada do gauchão. Já sabia que o título seria uma fantasia. Escutei todos jogos naquele ano. O sofrimento, as derrotas, me forjaram mais gremista, mais apaixonado, mais retraído. Sempre achei que um dia seria diferente. Foi a minha utopia de futebol. E, como foi diferente. O planeta, quando ainda era uma bola, teve as três cores do amor.
Este é um tempo de vitórias. Do melhor Grêmio que vi jogar. Do time que me fazia - e faz - ficar na frente de uma tevê, como se estivesse num culto. E, é um culto! Fiquei mal acostumado com o bom jogo, fluente, envolvente, cheio de arte. Uma má partida, uma péssima performance, descuido, desleixo, soberba me irrita, me entristece, estraga o meu dia. Sou dependende da beleza, da estética, da arte do futebol. O Flamengo me encanta, me emociona. E, o Grêmio. ficou no quase em todas as competições. Exatamente igual a minha vida. Tropecei sempre no quase. Cheguei perto de tudo. Mas, fiquei no quase.
Sábado as memórias tiveram um outro olhar. Caminhando e escutando a canção voltei aos anos 70. A libertação de Lula lembrou-me de Brizola voltando do exílio. Uma espécie de esperança batendo outra vez. Não sou lulista algum tempo. Perdi o meu encantamento com ele. Porém, a história, Glenn Greenwald, a Vaza jato, mostraram que o julgamento foi uma farsa, um jogo sujo. O juiz nunca foi juiz. Nem vingador foi. Somente um cabo eleitoral, um marcador canalha que tirou do 'jogo' o craque adversário facilitando este tempo sombrio.  Não sei se recuperarei  a esperança (olha ela aí!) em Lula. Prefiro alguém diferente, ousado, com um olhar mais de futuro do que passado. No domingo, a quartelada boliviana. Milicos, fundamentalistas religiosos tomaram o poder. O passado é teimoso nestes lados. Sempre assombra América Latina. As veias abertas que nunca se fecham. Mais uma vez fico no quase. No quase sonho de um lugar mais justo, solidário, fraterno.  Esbarro nas fardas, na Bíblia, nos neoliberais sádicos e gananciosos. O medo já é, outra vez, o meu parceiro.
Se o passado assusta, o futuro é mais perigoso. No Roda Viva, Yuval Noah Harari disseca este tempo que propõe controle, ditaduras digitais, um pesadelo misturado ao sonho esquisito, o poder divino em mãos humanas. Tudo será mais fácil, preciso. Só que a perfeição é mais que uma arma quente, é sinistra, devastadora, cruel. Para Yuval só uma grande rede de cooperação global evita a tragédia.  E, possível esta rede ser efetivada? "Impossível!", responde. Yuval sabe, como eu descobri durante a vida, que as ilusões estão perdidas. Ou, quase!

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Crônica do adeus

 

"Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências..."
Sou meio Caio Fernando Abreu. Sei que tudo acaba, muda, transforma, mas resta um tênue fio de esperança que seja só um engano, um tempo dado e convivo suavemente com o devaneio da perfeição. E, suspiro para que o ciclo do Grêmio continue, sobreviva, se transforme...

Mauro Pandolfi

Saudades! Foi uma quinta de saudades. E, de melancolia, também. Fugi do futebol do dia,a dia, dos programas esportivos encantados com a magia do Flamengo, dos sites e blogs que suspiram por bola. Na solidão do quarto busquei memórias, histórias, lembranças, gravações e you tube atrás da minha paixão gremista. Precisava mantê-la viva. Inabalável! Temi que o magistral show rubronegro sufocasse o amor gremista. Já que a poesia do futebol alimenta a alma, afaga o coração, me deixa feliz. Senti a dor. Curti a dor. Entendi a dor de quem leva cinco a zero no lombo. Dolorido demais!  Certezas são destruídas, dúvidas viram certezas, mesmo as coisas em construção, tornam-se ruínas, nada sobra, tudo desaba. Fiquei com medo de perder a paixão. De ficar sem rumo, perdido neste tempo sombrio, onde o Grêmio é a minha melhor identidade, meu momento de prazer, de vida  meu porto seguro que mantém a sanidade.
A bola rolou mágica. Começa em Galhardo (quem diria que já fez um lance deste), chega em Giuliano, passa por Douglas, vai até Luan, que encontra Douglas que sai para comemorar o golaço contra o Atlético Mineiro. Vibrei em silêncio. Um gol tatuado exatamente como o de Luan contra o Cruzeiro. Bola de pé em pé, suave e poética, redonda e sublime, até Luan encobrir o goleiro. Fantástico! O grito saiu quase mudo. Tantos lances, tanta magia, um Grêmio que nunca tinha vivenciado, curtido, amado. O drible de Luan, num mísero espaço, contra o Lanus, na final da Libertadores, foi outro que vi. Madrugada adentro busco o Grenal dos cinco a zero. Pulei, acordei todo mundo em casa, me desculpei. Precisava desta festa para sobreviver o resto da semana até a próxima vitória. A lágrima que caiu foi solidária com os colorados que sofreram aquele dia. Não há nada mais dolorido do que uma goleada (estou falando de futebol, esta coisa sem importância que flerta com a alma). Ela é a destruição da paixão. Torna a paixão algo menor, trivial, fútil, irrelevante, mesquinha, traiçoeira.
Não sei o que fará o Grêmio. Rever os conceitos, métodos, certezas é o mínimo que espero. Que Renato permaneça. No entanto, que seja mais treinador, menos estátua, esqueça a sua mitologia, seus feitos de craque, use a sutil arrogância em aprendizado, em conhecimento, reconheça o valor do outro e se reinvente. Ele e o time. Que Renato lembre dos meninos e esqueça de seus bruxos. Que busque jovens com vontade de jogar no lugar de medalhões decadentes e entediados. Que Renato, mantenha o amor ao jogo, ao prazer de ter a bola, que não sacrifique mais a beleza do toque, do passe, da volúpia do gol, pela incerteza da defesa. Seja o Renato de Tóquio ou de Buenos Aires, o que diz que o 'Grêmio tem o melhor futebol do Brasil' - que torne este pensar em realidade. Enfim, que o Grêmio continue sendo o melhor Grêmio que vi jogar. É pedir muito? Não sei! Mas, é o que manterá inabalável a paixão. E, finalmente, que ninguém chame o Celso!
Quarta de tristeza. Esperei a ligação que não veio. Nem os flamenguistas do bairro estavam na rua na madrugada. Até o boteco do Alemão estava fechado. Nem sinal de Rai Carlos - o vidente cego - que enxerga como poucos a minha alma. Não falei com ninguém após o jogo. Fiquei em silêncio. Perplexo! Demorei a dormir. O jogo continuava na mente. Sempre aparecia um gol do Flamengo. Mais silêncio sem o rádio. Que falta me faz Rai Carlos e sua imensa sabedoria sobre a derrota, o fracasso, o desespero e como sobreviver forte, audaz e apaixonado. Imaginei o seu desencanto em Belo Jardim. A solidão sem os gremistas ao lado. Sem o boteco do Alemão. Solidão igual a minha. Vou ligar para ele no domingo. Até lá, vou curtido a solidão e a dor curtindo 'a vela aberta se afastando pelo mar..' de Walter Franco, que partiu deixando mais triste, cinza, melancólica a manhã de quinta.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Heitor!

 

"Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica..."
Ah, como será fantástico se Heitor for um poeta bola. Não precisa ser um Pelé, Diego, Cruyff, o autor da frase, ou Mané. Ser um Renato Portalluppi é um sonho. Me contento com Luan, Éverton, Arthur, Maicon, Jean Pyerre, Matheus Henrique...

Mauro Pandolfi

No mês da bola, dos melhores poetas do futebol, chegou Heitor. Menino grande, bonito, filho da Mayara (não consegui convencê-la a trocar o nome para Geromel) e do Gláucio, meu sobrinho, é um sopro de vitalidade, luz, felicidade na família, nestes tempos sombrios. Heitor? Que Heitor jogou bola? Heitor, Heitor, Heitor!!! Procurei nos meus alfarrábios, no google, um Heitor no futebol. Tenho na lembrança um lateral de chute forte que jogou no Flamengo e Ponte Preta. Surgiu, jogou, sumiu, nem vestígios deixou. Achei um velho palestrino, um filho de espanhol, Etorre Marcelino Domingues, chamado pelos torcedores de Heitor. Ele foi goleador do Palestra, parceiro de Frienderich na Seleção, e ao se aposentar, tornou-se árbitro. Mais ninguém! Só se usou algum apelido ou uma identidade secreta. Não sei o motivo da Mayara escolher Heitor.Poderia ser Manoel, Diego, Édson. É o mês deles. Da poesia em jogo. Da arte do drible. Da invenção do passe. Da fantasia que ilumina a vida.
Édson, Manoel e Diego é o trio que o futebol se explica, apaixona, encanta, dilacera, torna-se religião, literatura, arte. Pelé, Garrincha e Maradona. Sete dias em que a estrela brilhante no céu era uma bola. Pelé é do dia 23; Garrincha, de 28 e Maradona, dia 30.  A Santíssima Trindade! Os três poderiam ter nascido bola. Deram vida a bola. Tornaram a bola o Santo Graal dos tempos modernos.
Pelé! O nome que não precisa de adjetivo. É um adjetivo! Basta citar...Pelé! Você já sabe do que se refere. Ele não inventou o futebol. Nem a bola. Mas, virou símbolo, referência, sinônimo. Pelé é um nobre. Um rei coroado algumas vezes. A primeira, aos 18 anos, em 1958. E foi  logo chamado de Rei Pelé! Ele é um mito! Mitologia não se explica. É, e pronto! Édson Arantes do Nascimento nunca conseguiu ser um cidadão comum. Pelé nunca deixou. Pelé jogava feito prosa. Do passe medido, da tabela, do gol, do pulo com o punho cerrado, socando o ar. É a melhor frase do futebol!
Vi um só jogo de Mané Garrincha. O último! O da despedida com a camisa da seleção contra o time de estrangeiros que jogavam no Brasil. Foi em 73. Verdes anos, pouca coisa para contar, muitas para sonhar. Lembro do lance. Garrincha parado. Corpo arqueado, nada que lembrasse um atleta. A bola presa no seu pé. Negaceou. Foi e voltou. O uruguaio Bunuel foi. Na volta, virou mais um João. A bola passou entre as pernas. As 150 mil pessoas vibraram com o drible derradeiro de Garrincha com a camisa da seleção. Aliás, com Pelé e Garrincha em campo, o Brasil nunca perdeu. Garrincha é um poeta. O homem que sucumbiu as tentações, ao amor e a paixão. Garrincha é o maior fantasma do futebol. Esta sempre presente num campo. Está no desejo do torcedor, na saudade de um velho amante da bola, num drible, num passe cruzado, num corte, no chute certeiro...na ausência da alegria. Todo jogo burocrático, sem graça, sem alma é uma outra morte do Mané.
Diego Armando Maradona! Eu não era mais um garoto. Já tinha escapado no exército, de Brasília. em 79. Vi pela primeira vez um jogo de Maradona num amistoso contra Alemanha. Não lembro resultado, nem vou pesquisar no google. Há um lance que de tempos em tempos relembro. Em todos os jogos que joguei tentei repetir. Belo demais! Alguns fiascos. Quando deu certo, virou gol. O lance é magia pura. Bola lançada pela direita. Longa, quase escapando. Maradona domina. Cercado, da dois passos em direção à linha de fundo. E, de letra, com o pé esquerdo, passando por trás do direito, cruzou. Os alemães ficaram atônitos e Ramón Diaz perdeu o gol. Nunca mais perdi Maradona de vista. Acompanhei a sua carreira, a glória, a tragédia pessoal, os equívocos, os acertos, a canonização, a humanização. Maradona tem algo de Pelé e muito de Mané. Que falta faz, este Diego!
O dia da poesia, 31, fecha o mês dos ilusionistas da bola que poderia ser definido assim: "Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma" (pequeno verso de Carlos Drummond de Andrade também de outubro, uma espécie de Pelé, ou seria Mané, ou quem sabe Maradona, entre os poetas?). Vou dar uma bola para Heitor. Nunca uma camiseta. Ele vai escolher o time. Vou contar sobre os seus parceiros de mês, o trio que embala a minha paixão, brincar com ele, me divertir numa rua, praia, despertar a alma do futebol nele e quem, bem velhinho, vibrar com seus gols. 
Seja bem vindo, Heitor!

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O gol...ou quase?

 

"Tá no filó!! Tem peixe na rede...!!! É, é, é, é...!!! Urra, urra, urra!!! Queee lannncee!!! Bagunçou  a roseira!!! Tá lá!!! Sacudindo, sacudindo...!!! Balançou o véu da noiva!!! É fogo, é gol...!!!E que gooolll!!! Gol, gol, gol, gol!!!"
O narrador é o poeta do futebol. Frases, cantos, citações, fazem parte de minha memória, do menino ao velho, ainda me encanto como o grito de gol.


Mauro Pandolfi

A baliza do futebol mede de um poste até o outro 7,32 metros. A altura é de 2,44 metros. A circunferência da bola tem entre 68 e 70 centímetros. O peso (que não faz parte desta história) fica entre 410 e 450 gramas. Se soubesse matemática, cálculo de área, saberia dizer quantas bolas cabem no quadrado mágico. As meninas do Flamengo, no campeonato carioca, tripudiaram do pobre Greminho - olha!, os deuses do futebol, olha!... - e colocaram 56 bolas no barbante. Será que 56 bolas, lado a lado, uma em cima da outra, cabem na baliza? Como não sei fazer o cálculo, às vezes, fico encantado com uma só bola balançado o 'véu da noiva'. Nada supera o gol. Nem drible, muito menos a linha de passe. Quem sabe, a defesa do goleiro. Aquela impossível, que fica permanente na memória do futebol. O gol é a poesia, o momento idílico do artilheiro e do narrador. É a voz que torna eterno o gol. E, o que é o gol?
O gol é um latifúndio. Tem a imensidão da desgraça e a fúria da esperança. É o ponto de encontro do riso e da dor. Vitória e derrota são o mesmo lado da moeda, gêmeos no desespero. É o lugar onde a humanidade tropeça. O herói é desconstruído. O comum é tornado deus. O erro e o acerto andam de mãos dadas feito namorados. No erro, o ídolo é imolado, decapitado, consumido em partes, devagar. O perna de pau é devorado por inteiro, num ódio bíblico. Mitificam-se no acerto. O gol é a tragédia do futebol.
Maldito. Perambula pelo espaço exíguo como se tivesse perdido no infinito. Vive intensamente a emoção da glória e do fracasso. O goleiro não é um jogador de futebol. Nem detalhe tático, nem profissão. É um angustiado personagem de um teatro de grama e paixão. Solitário ator que tenta impedir o desejo do jogo. A alegria do gol é o riso da morte de um goleiro.
Alguns dos gols mais bonitos são os que  não foram gols. Os que são quase. O gol que Pelé não fez lá do meio -campo é mais bonito, emblemático, do que todos que foram feitos lá do meio-campo. Cada torcedor, cada amante, cada poeta, tem o seu quase gol. Aquele que mudaria tudo, que seria uma outra história. É só memorável por não ter sido gol. Por tornar-se lenda, onde o impossível é sempre possível. Bastava ter acontecido.
O mais triste, e o mais psicólogico, gol do futebol é do pênalti. Onde o medo reforça o drama.. Estáticos. Olhares trincados. Músculos retesados. Tensão. Há algo cínico no pênalti. Onze passos de uma execução. Pelotão de fuzilamento. A rede não é de proteção. Ele corre. Ele curva-se. Ele bate. Ele voa. A bola, traiçoeira, escapa, tocando nos dedos e aninha-se na rede. Ele pula, soca o ar! Ele estatelado, soca o chão. O gritos se confundem! De alegria e fúria. A cena pode ser outra. Mas, só é encantada quando o goleiro é do nosso time.


terça-feira, 10 de setembro de 2019

Yesterday

 

"De repente
Eu não sou metade do homem que costumava ser
Existe uma sombra pairando sobre mim
Oh, o ontem veio de repente..."
Talvez tenha sido esta canção dos Beatles que me ensinou que o passado é sempre melhor, que nunca passa, que depuramos, idealizamos, que o inventamos e o eternizamos em nossa memória. E, é somente um engano.

Mauro Pandolfi

O cinema é a melhor forma de escapismo que conheço. Melhor que o futebol. O imaginário é mais amplo, poético, o jogo de luzes e a música produzem víscerais ou singelas fábulas. 'Yesterday" é uma destas quimeras, meio distópica, meio nostálgica, adorável, de um mundo que se apagou. O personagem, um músico frustrado, toca Beatles em um bar. Todos param, escutam com uma emoção intensa como se ela fosse inédita. Ele descobre que ninguém conhecia Yesterday e nunca tinham ouvido falar de Beatles. Esta bela comédia romântica me gera um desespero de acordar um dia e notar que o Grêmio é uma fantasia minha. Só minha. De mais ninguém. Só eu desejo 'ir até a pé', que somente eu conheço Osvaldo Rolla, Renato, Everaldo, Carlos Miguel, Luís de Carvalho, Eurico Lara.  Que vivi um coliseu chamado Olímpico e a história do maior zagueiro de todos os tempos, Aírton Pavilhão, é um delírio meu. Ele chapelou Pelé com um toque de charles, uma espécie de bailado. O  voo libertador de André Catimba nunca existiu e que a Batalha dos Aflitos é uma ficção impossível. Nem no playstation se vence com sete. Imagine num campo real. Seria a mais encantadora de minhas histórias antes de ser internado por loucura ou perturbação da ordem.
Estou sozinho numa praça. Isolado num canto. Os pombos como testemunhas. 'Vou contar sobre o mais fantástico clube de futebol que já existiu do mundo', aviso aos transeuntes. Raros os que param. Poucos os que escutam. Quase todos riem. Sinto-me o lunático de histórias que pregam o fim do mundo. Nunca o fanático religioso que deseja a conversão de quem escuta. 'E, tudo começou com uma bola. O símbolo é uma bola. Foi Cândido Dias quem trouxe... E, o primeiro feito foi o indiscutível 10 a 0 no Grenal", explico. Este é um dia para rever em uma máquina do tempo.
A tarde apenas começava. Era o momento de desfazer enganos, equívocos. Somos 'pretos, azuis e brancos' desde Adão Lima, o primeiro negro a jogar em 1926, até Tesourinha, quem definitivamente  tornou o Grêmio de todos. Cantar o belo hino de Lupicínio Rodrigues. Ele 'desafiou' uma greve de trens para ver o Grêmio. Descobriu que para estar com o Grêmio, onde o Grêmio estiver, para o que der e vier, se for preciso, até a pé nós iremos. Como esquecer de Bombardão, o negro pobre,  cuja a gargalhada explodia o Olímpico. E, de Gilberto Gil ao explicar ao repórter a sua paixão: 'Grêmio pelo azul do céu, o branco da paz e o negro de minha cor'. Não pode faltar o Grêmio no mundo.
Encarei como missão lembrar o mundo do Grêmio. Falar de Foguinho, de Eurico Lara, de Luís de Carvalho, do campeão Farroupilha de 1935 - título que será comemorado por 100 anos. Dos doze campeonatos em treze anos. Da máquina, quase perfeita de Osvaldo Rolla, do genial Gessy, de Marino e seus quatro gols num Grenal, do pavilhão Aírton, do tanque Juarez, do bugre xucro Alcindo, dos pequeninos João Severiano e Babá. Faltará espaço para tantos nomes e cores. Como não lembrar de André que nos libertou do jugo vermelho. Sem esquecer de Luís Carlos, Loivo, Ancheta que resistiram aos anos de chumbo colorado. De Tarciso, tão rápido feito uma flecha negra, do cerebral Tadeu Ricci, da garra de Oberdan e do gol de Iúra, aos 14 segundos, quase enganou Einstein em tempo e espaço. O Grêmio é imenso. A paixão é quase do mesmo tamanho.
Rememorar o definitivo time dos anos 90. De Danrlei, Arce e Arilson. Da bola voadora a procura da cabeça de Jardel. Equipe vísceral que moldou o futebol brasileiro. Mas, é Renato o grande ícone deste clube feito da bola. O balão mágico que achou César e depois, como fantasia, entortou alemães numa madrugada. E, feito ilusão, montou o melhor Grêmio que vi. A arte e o prazer em brincar com a bola. O que se reinventa após as derrotas. 
Perplexo ainda com a história do filme, sou interrompido por um garoto de cabelos loiros e longos, lembrando um outro guri, de outro tempo. Ele usa uma camisa de três cores em linhas verticais. Conheces o Grêmio?  Espantado, respondeu. 'Quem não conhece o time que rima bola e paixão. Que teve Renato, De León,  Luan, onde impossível e o inacreditável não existem? É o clube que levo na alma'. ...Yesterday é só cinema. Ufa!!!

quarta-feira, 28 de agosto de 2019


O divino embate terreno

Chiko Kuneski

Os deuses do futebol são brincalhões e gostam de se deleitar com o terreno do campo de futebol. Não interferem o tempo todo, mas o suficiente para surpreender sempre os apaixonados por futebol. Agem sorrateiros. Inesperados. Rápidos como pontas velocistas ou dribles de chuteiras aladas. Os deuses dão asas à magia do futebol.

Gostam de brincar com as emoções. Reservam resultados impossíveis em jogos banais. Tudo para ver a perplexidade estampada na cara dos humanos torcedores. Por isso são deuses. Acima do previsto, criam o imponderável. Isso alimenta a magia do futebol. O torna tão apaixonante, emocionante, fantástico.

Na principal disputa do continente não poderia ser diferente. Os deuses do futebol mexeram suas cordas das marionetes dos clubes para possibilitar uma disputa única. Um jogo divino em campo terreno. Abriram a caixa de pandora dos seus sonhos parar materializar a contenda mística.

Uma semifinal de Libertadores da América num embate entre Jesus e deus. Um Jesus eternizado como premonição do hino na disputa com tricolor. Um deus venerado no Olímpico. Os deuses do futebol teceram um cataclismo de gigantes para a terra tremer.

Nesse jogo os justos deuses não devem interferir. 

sábado, 24 de agosto de 2019

O início, o fim e o meio

 

"A Lei do forte. Essa é a nossa lei. E a alegria do mundo.
Viva! Viva! Viva A Sociedade Alternativa. (Viva! Viva! Viva!)..."
Eu que sonhava com a sociedade alternativa, igual ao Raul Seixas, estou perplexo com a sociedade paralela, distópica, de uma bolha, em que enfiaram o Brasil. E, não sei como escapar dela.

Mauro Pandolfi

Agosto já é uma saudade e não escrevi nenhum texto para este blog. Não foi a ausência do tempo. Muito menos a falta de assunto. Nem preguiça. Quem sabe, um conformismo que me incomodou, esta normalização de tudo. Aceitamos tudo, desde a escatologia presidencial até a destruição física do país. Não reagimos. Ou, vou para de falar no plural, vou no singular: não reajo. Não é medo. Resta-me pouco para ter cagaço nesta altura da vida. Talvez, a melancolia, o desencanto, uma tristeza que me acompanha nestes tempos bollssonarianos. Quem sabe é descrença num sonho, numa esperança ou numa utopia. E, nem o futebol, o meu 'culto', a paixão, a auto-ajuda, despertou o tesão, esta falta de libido, que sempre me leva a escrever. Não vi mais a poesia em um drible, ou num passe, que desapareceu nestes jogos, onde ganhar é o que importa. Brincar, ficar com a bola, despertar encantamento é só uma bobagem de quem está perdido no tempo.'Tudo isto é inevitável', diria Thanos para mim. E, por dias, vários dias, pensei em desistir deste espaço. O que seria uma alegria para os poucos que perdem o seu tempo lendo-me. Mas, resisti! Vamos lá...
Felipão nunca entendeu o 7 a 1. Acha que foi um acidente, um desvio da curva, um apagão. Nunca a derrota, o desastre de um jeito de jogar. Ele é o mesmo desde os anos 90. Fechado, quebrador de jogo, retrancado, um chute à esmo, um gol encontrado por acaso, num chutão de longe, num erro do adversário. Felipão é incapaz de formular, prestem atenção em suas entrevistas, uma frase completa, límpida, clara, objetiva. Vai sempre aos pedaços, desconexos, feito o seu jogo. 'O futebol sovina', como diz o Mário. Tem jogadores acima da média, hábeis, criativos, inteligentes e o futebol é pouco mais que medíocre. O comentarista Carlos Eduardo Lino foi preciso e perfeito na análise do Palmeiras: 'tem uma orquestra e toca um pagodinho'. O jeito Felipão ainda funciona por aqui. Afinal, o futebol resgatou Luxemburgo, e por incrível que pareça, Osvaldo de Oliveira. O Fluminense trocou a 'poesia' de Fernando Diniz, que tinha um belo jogo sem resultado, pela expectativa de resultado sem jogo. Como dizem: cada um faz as suas escolhas.
Liguei o rádio, na CBN, escutei Raul Seixas. Era o dia de 30 anos de sua morte. Raul cantava Gita, a mais bela e inspirada de suas canções. Entre uma xícara de café e um sanduíche, a música levou-me ao Grêmio, o que sobrou do melhor Grêmio que vi na vida. Aquele que amava o jogo como os meninos amam a bola. De lá para cá, feito um bolero perfeito para dançar com a namorada. Estamos no fim. Resta muito pouco daquele jogo. Renato, feito um alquimista, tenta, inventa, procura soluções. Ainda não se convenceu que a saída são os jovens. Foi com eles, o início. Arthur, Luan, Pedro Rocha, Evérton foi o meio encontrado para as conquistas, os títulos, a poesia que embalava o meu sonho. Quem sabe, o fim seja próximo do início e do meio. Afinal, o Grêmio é, para mim a luz das estrelas, a cor do luar, as coisas da vida e a alegria de amar.
É preciso falar da bravura dos jogadores do Figueirense. Alguém que saiu da bolha do medo, de que aceita tudo e se conforma com a normalidade desonesta das coisas, do país, do poder. Enfrentaram a estrutura reacionário do futebol, o conservadorismo da imprensa esportiva, os jornalistas que alugam bocas e penas, a desconfiança e a incompreensão dos torcedores e partiram para o confronto. Já são vitoriosos mesmo que não consigam alguma coisa. A reação será a de sempre, desde a greve de 1917, jogadores serão demitidos, afastados, 'queimados'. Mas, venceram a batalha. Às vezes é preciso ficar na beira do abismo e buscar o tudo ou ficar com nada. Eles mostraram que é preferível ter 'os olhos dos cegos do que a cegueira da visão'.


terça-feira, 16 de julho de 2019

Velho...

 

"Os velhos gostam de dar bons conselhos para se consolarem de já não estarem em estado de dar maus exemplos".
Demorei em concordar com François de La Rochefoucald sobre a velhice. Até o dia que faltou agilidade, rapidez em escapar do 'ataque' de um portão eletrônico que me machucou o peito, me imprensou no muro. Imagine o resto das coisas que a velhice faz...

Mauro Pandolfi



Me vi velho. Mais velho. Um ancião. A Mayara, minha sobrinha que espera para outubro a chegada de Geromel (o nome ela ainda não concorda, mas é uma questão de tempo), usou a minha foto no aplicativo de envelhecimento. Não mudou muito, Mais rugas, um pouco mais de gordura no rosto, que ficou bem arredondado, murcho, o cavanhaque muito branco e os parcos cabelos parecem flocos de neve. Durante o dia foi a diversão no whatsap da família. Olhei aquela foto durante a tarde toda. Fiquei pensando onde foi parar a juventude? Que fim levou a infância? O que restou do adulto até os cinquenta? A vida tem uma dinâmica igual ao futebol. Tem o tempo do drible, da ousadia, da diversão. Depois, o da sabedoria, do entendimento do jogo. E, por fim, o tédio de sempre ser o mesmo jogo, com as mesmos pensares, as mesmas soluções, a mesma rabujice do comentarista.
Perdi o jeito romântico que tinha. Percebi isto ao enxotar a borboleta pousada na porta da frente. Não reparei no tamanho, na envergadura das asas, nem nas suas cores. Apenas que ocupava um espaço que não era seu. Não fui rude. Fui suave. Com um jornal, tirei da porta e levei até o canteiro de flores aqui da 'pracinha'. Não tirei nenhuma foto para lembrança. Tenho algumas fotos das borboletas que invadiram a farmácia. Foi aí que entendi que o meu olhar romântico passou. Estou mais seco, cético, desesperançado, frio. Esta frieza aparece no futebol. Troquei o drible pelo passe, a improvisão pelo jogo pensado, estudado, planejado numa prancheta. Será um sinal de envelhecimento, de fim de uma paixão ou o tédio que o fim provoca? Nem sei se quero resposta.
Num sábado de chuva, assisti o filme 'Pelé, o nascimento da lenda'. O personagem é bem superior ao filme. Há uma discussão bem rodrigueana sobre a síndrome do 'viralata'. A inferioridade estava na ginga, na dança, no drible. Faltava o pensar do passe, da troca de passe, da seriedade. Pelé, ainda chamado de Dico, é cobrado pelo treinador do juvenil do Santos a abandonar a 'ginga', este imenso defeito tupiniquim, que nos deixa menor diante do europeu. A essência do filme é essa. A 'ginga', o drible, é o que nos torna subdesenvolvido. Na vida e no futebol. Como a vida imita a arte, a ginga é absolvida, e depois, endeusada, com a conquista da Copa da Suécia. A 'ginga', o drible, a dança, nos faz diferente, únicos. É a identidade brasileira. Também, virou o estereótipo que nos identifica, limita, nos folcloriza.
1958 foi um ano diferente do que 2019. Tempo do 'Novo' - do cinema e da poesia -, da música e da política, de um olhar generoso e futurista. O futebol acompanhava a transformação com a sua alegria, os estádios cheios, a multidão que cantava. O Brasil vivia 'os cinquenta anos em cinco', com um presidente sorridente e que tinha um plano - equivocado? - de tornar um país moderno pela indústria do automóvel. Pelo menos, tinha um plano. Em 2019, não há nada que lembre um país. Há um ajuntamento marcado pela intolerância, estupidez e o anestesiamento geral e irrestrito. A solução econômica é o emprobecimento dos brasileiros com as reformas equivocadas e um apelo ao capitalismo improdutivo, o rentismo que faz alegria dos milionários. Um presidente que só fala asneira, faz arminhas com as mãos, sem nenhuma ideia do que faz no planalto e um futebol que vive do sonho do passado. O aplicativo me deixou velho, saudoso de um jogo que não lembro mais como era ou que foi apenas uma ilusão de menino. Mayara, descubra um aplicativo que me devolva a juventude, a esperança no Brasil e o futebol do Vermelhão de Copacabana?


terça-feira, 2 de julho de 2019

Quase...

 

"O craque não tem explicação. Ele é!"
O genial Tostão falando de uma 'entidade' tão fantasiosa como a mula sem cabeça. Mas, pensando bem, basta olhar as redes sociais para notar que mulas sem cabeças existem aos montes. Já os 'craques' continuam uma fantasia.

Mauro Pandolfi

Quase...
O Brasil é o país do quase. Sempre faltou pouco, muito pouco, quase nada para chegar onde sonhou. Quase foi o país do futuro. Da liberdade alegre, charmosa, que despertou o interesse do mundo pela sua diversidade ambiental, comportamental, lírica. Porém, tropeçou num passado que quase nunca passa.Que insiste em se eternizar na sua espiral histórica. Os seus 'ridículos tiranos', fardados ou não, de tempos em tempos, ameaçam a democracia, que nunca se completa, com seus arroubos fascistas, grotescos, primitivos. A democracia ficou no quase...pois a desigualdade social, econômica e política continua intensa, imensa e vergonhosa. Como este é um blog que fala de futebol, mudamos de saco, ou seja, de assunto. O Brasil é quase uma potência do futebol atual, da imaginação, da beleza, da criatividade, . Olha, já foi! Contam que era um tempo de craques em cada esquina, em cada time. Não sei se ausência de craques faz parte da espiral histórica ou a 'abundância' de craques foi somente uma história imaginada, por uma geração de narradores, comentaristas, jornalistas com um olhares poéticos, gentis, generosos, e vamos lá, mentirosos?
Num domingo sem Grêmio, dividi o dia e a noite em séries e programas esportivos. As séries são quase melhores que cinema atual. Tem uma temática menos juveniilista, mais adulta, menos heróica. Já os programas esportivos são idênticos aos da minha infância e juventude. Muita conversa, pouca reflexão, quase nenuma análise tática ou técnica e muita reclamação sobre a seleção brasileira. "Falta craque!' Quase todos os participantes concordam. 'O único que temos é Neymar. Mas, ele é bem inferior a Messi e Cristiano Ronaldo', argumenta um. 'Será que a comparação com eles é que injusta? Estão há dez anos no topo e não são ameaçados por ninguém? Por que? São os outros são muito inferiores? Eles ficam no quase!', suspeita outro. 'São todos comuns. Alguns mais, outros menos. Mas, comuns. Não são capazes de modificar o jogo, feito um craque verdadeiro', replica um terceiro. E, nomes são citados aos borbotões.
Buscam Pelé, Garrincha, Rivelino, Didi, Tostão passam por Zico, Sócrates, Falcão, chegam em Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e outros tantos. Os de hoje, entram na categoria de 'bons jogadores'. Será que existe esta imensa diferença ou é a falta de resultado que gera todo este debate? Nem Messi escapa. Alguém sempre lembra que ele não tem nenhum título com a Argentina. Tem sete finais e nenhuma vitória. Ficou no quase! Como ficaram no quase Platini, Zico, Cruyff, Boniek, Puskas, Junior, Leandro, Ramon Diaz, Valderrama, Eusébio, Gento, Van Basten...poxa! uma legião de craques sem títulos, com muita história, poesia e uma paixão despertada em amantes da bola. Eu, sou um deles! Fodam-se os títulos!
Não gosto do conceito craque. Ele é muito elástico, flexível, adaptável em qualquer circunstância. Mas, o que é o craque? O diferencial em um jogo, o que altera o ritmo, o que entende o espaço e o tempo, o maestro, o definidor por excelência. Pode aparecer num jogo ou numa temporada. Craque é um conceito amplo, geral e irrestrito. A história do futebol brasileiro é contada por nomes e não por um sistema de jogo. O pensar coletivo é uma ficção. Arma-se um time pelas individualidades, pela combinação de fatores, em último caso, pela química. É o craque que decide, que ganha. Nunca é o coletivo. Foi Pelé, Garrincha, Tostão, Romário, Ronaldo que venceram as copas. Não foi a equipe, não foi a idéia, nem a esquematização. Foi a ação individual. Nunca antes na história do futebol, o jogo foi tão solidário, tão estratégico, pensado nos ínfimos detalhes, estudados, dissecados, analisados os movimentos, a postura e a possibilidade tática do adversário. Ficou menos imprevisível, mais pragmática, menos poético, mais racional. A chance de alguém desmontar tudo isto ficou remota. Não impossível. O jornalista brasileiro, o torcedor, o amante da bola, suspira por uma individualidade - será que algum treinador permite esta individualidade ou todos estão presos na sistemática? -, por um drible. Aí, entram Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar, Éverton. Seria o Éverton 'Cebolinha' um Garrincha ou um Renato Portaluppi?
Pelo que joga no Grêmio e mostrou na seleção, ele é um 'quase'...

segunda-feira, 24 de junho de 2019

O lobo solitário

 

"O homem é uma corda esticada entre o animal e o superhomem, uma corda por cima do abismo".
Poucos decifram tão bem esta frase de Friedrich Nietzesche como Lionel Messi. Ele tenta desmanchar os nós da 'corda' ao se mostrar humano demais.

Mauro Pandolfi

O tango de Gardel é a trilha sonora desta Seleção Argentina. Todo jogo é dolorido, brigado, dramático, desesperado. Domingo, contra o Catar, foi um pouco diferente. Mais bailado feito um de tango de Piazzola. Nuances de um outro tempo. Dribles, lances isolados, negaceios, arrancadas, chutes. Um deles está marcado na minha memória para sempre. Bola no canto do campo. Uma pequena tabela, um drible e um passe preciso. A bola procurava Messi. Encontrou! Ele enquadrou o corpo, achou o equilíbrio e chutou...'Meu Deus!', bradou o narrador. 'Você nunca imaginou que diria isto para Messi, hein?', ironizou o comentarista. A bola longe, muito longe, distante do gol, perdida, sem rumo. Lionel sorriu. Surgiu a grande virtude de Messi. Ele é humano! Demasiadamente, humano! O mundo do futebol não perdoa os 'deuses' que se humanizam. Contesta o talento, cobra as performances, exige títulos, expõe os fracassos, fragiliza o homem. Hoje, 24 de junho, Lionel Messi está de aniversário. 32 anos! Ufa! Mais um ano e estaria pronto para ser crucificado.
Há algo que aproxima Messi de Pelé e o afasta de Maradona. Pelé e Messi foram educados', formados em uma escola magnífica de jogar futebol. Garotos, entraram em times quase perfeitos, com jogadores primorosos ao seu redor. Pelé estréia no Santos já montado, campeão, fabuloso. Ele apenas acrescentou 'realeza'. Messi a mesma coisa. Deu uma beleza poética ao extraordinário Barcelona de Guardiola. O que distingui Pelé de Messi é a seleção. Pelé tinha uma corte de craques ao seu redor vestidos de amarelo. Só para lembrar um, Garrincha. Mané dividiu o reinado por alguns anos com Pelé. Messi não teve a mesma sorte. Nunca teve um parceiro - um só! - perto do seu nível, com a sua rapidez de raciocínio, com talento. Imagino se Lionel Messi tivesse naturalizado espanhol logo que chegou, menino ainda? Quantos títulos mundiais teria? E, o que seria da Argentina sem Messi? Um Equador, um Paraguai?
...e Diego Maradona? Nunca teve um grande time ao seu redor. Surgiu no minúsculo Argentino Jrs, foi 'despachado' do Barcelona e se tornou imenso no Nápoli. O brilho maior é na seleção. Fracassa ao lado de Ramon Diaz em 82. Arrebenta em 86, ao lado do filósofo Valdano. 'Tungaram' os títulos de 90 e 94. Maradona é a junção de Pelé com Messi. Tem a fúria e a força do Rei. A imposição 'autoritária, em campo. De Messi, tem a poesia, a beleza do jogo, o encanto que provoca. E, há algo de Garrincha em Maradona. A pureza do drible, a dureza do adversário, o desencanto da vida. Talvez, explique a paixão dos argentinos por Maradona. Ele é o humano que tornou-se Deus.
Tempos atrás vi um programa sobre lobos. Uma alacatéia procurava abrigo e água. O mais forte, o líder ia na frente. Passava a ideia da solidão. Com segurança, chamava os demais. No final do bando, os mais velhos. A alcatéia chegou inteira ao seu destino. Lionel Messi é um lobo solitário nesta seleção argentina. É o primeiro a entrar em campo, o líder.  A bola sempre o procura. É o articulador e o finalizador. É o centro, o cérebro, o coração do time. A viagem ao título é longa. Às vezes, como nesta Copa América, parece perdida. A alcatéia vai se destruindo no caminho. Sobra apenas o lobo solitário, ferido, amargurado, destroçado, que nunca desiste, resiste, feito um superhomem ou um Deus, para conduzir ao abrigo seguro a bela camisa azul e branco. "Desde que se fue. Triste vivo yo. Caminito amigo. Yo también me voy..."
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sábado, 15 de junho de 2019

Quem matou Don Quixote?



    "A força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo".
    Velho, na última fase da vida, melancólico, me sinto perdido, sem rumo, feito Don Quixote, no incrível delírio que vive o Brasil. O que me distingue do Homem de La Mancha é que não sei se quero, ou não quero, lutar contra os moinhos de vento. Pois, o resultado é o de sempre: a derrota!

    Mauro Pandolfi

    Ando pela rua, matando o tempo, observando os rostos e a pressa das pessoas. Quase sou atropleado por um motorista que não respeitou a faixa de pedestre. O palavrão quase escapou. Há tempos desisti de xingar. Estamos perdidos, naufrangando pela vida, esperando tediosamente o fim que nunca vem. No banco da praça, olhando os pombos andarem em círculo, penso na distopia que vive o Brasil. Uns dizem, que é uma depressão, um doença degenerativa sem cura, uma terra em transe. Amargo, cético, sem esperanças, penso na espiral histórica que estamos presos. Somos condenados a viver o mesmo, depois outro mesmo, voltando ao mesmo de outro tempo. Assim é a vida brasileira. Assim é o futebol brasileiro. bollssonaro e Felipão são personagens centrais deste tempo. De um tempo sombrio e sem sonhos. Fernando Diniz é uma espécie de Don Quixote. Lula, não. Há tempos deixou de ser Don Quixote. E, os sonhos tornaram-se apenas delícias de padarias.
    bollssonaro é o espelho de um pensar, de comportamentos que se confundem com a história deste país. É arrogante, boçal, autoritário, um típico farsante (militar, político, religioso), imbecil, desconfio que se pudesse, seria escravocrata. Um misto entre um bandeirante e um general. Ele tem orgulho em defender e representar o passado, que ele imagina 'glorioso' - que foi trágico.. Luís Felipe Scolari tem muito de bollssonaro. O seu passado navega na glória e no fracasso, que trata como um 'acaso'. bollssonaro é contestado pela estupidez que (des)governa o país, onde ministros defendem a 'Terra plana". Felipão, ainda não é aplaudido com entusiasmo pela crítica e torcida. Mas, suspeito que se Tite for dispensado, o nome da vez será Luís Felipe Scolari. Afinal, o 7 a 1 foi só 'um acidente'. A tese do 'apagão' ou 'acidente' venceu. Nada mudou. A mesma tática, o mesmo jogo, os mesmos medalhões, os mesmos olhares,... num mesmo ritmo de uma velha música de Ronnie Von.
    Renato Portaluppi foi o Don Quixote por instantes. Seu Grêmio maravilhoso, de toques rápidos, insinuantes, que amava a bola, que gostava de ficar com ela, de brincar, deixou vestígios. meros vestígios. Ninguém o seguiu.  Até o seu Grêmio se enquadrou no 'velho' futebol brasileiro. Não ama mais a bola. Os chutões reapareceram, a lentidão, a falta de movimentação, substítuiram a modernidade. O jogo de hoje é o do Palmeiras. Eficiente, cauteloso, com 'muita sorte com arbitragens', sem poesia, que lidera com folga o Brasileiro. Felipão disse que joga 'feito o Liverpol: vertical'.  Assim como analisou o 7 a 1, Felipão fica feliz com os seus enganos.
    Gosto dos times de Fernando Diniz. Nunca é vencedor. Dificilmente ganhará um título de expressão. Diniz é da estirpe de Marcelo Bielsa. Não monta times para ' ganhar' títulos. Prefere jogar, como jogam os meninos nas ruas, parques, campinhos. Ou jogavam? Não perco jogo do Fluminense. Gosto da ousadia de colocar os meninos que 'não estão prontos'. Como é bom ver João Pedro ou Marcos Paulo. Quem troca zagueiros por meias? Quem 'inventa' uma meia ofensivo, Caio Henrique, como lateral? Quem ama o futebol! Que vê o jogo pela poesia do jogo. Pela idéia do impossível, que deseja enfrentar os moinhos de ventos. Pena que Renato Portaluppi foi 'enquadrado' pelo sucesso, pelos títulos, por sonhar com a seleção. E, aí, não é lugar para Don Quixote.
    Citei Lula no início. Já fui petista, votei sempre em Lula, menos 2006 - já estava desiludido com a 'revolução' que não veio. As revelações das conversas de Moro e os procuradores mostram que ele é um preso político. Assisti e li todas as suas entrevistas. A primeira, para Mônica Bergamo e Florestan Fernandes, parecia um homem lúcido, conectado com o tempo, com outras idéias. Um novo Lula vem aí, feito um Nelson Mandela, pensei. A última, para Juca Kfouri e José Trajano, o retorno de velho Lula. O mesmo discurso, a mesma ideia que provoca devoção, delírio. A esquerda, a oposição, reencontrou o seu líder. Porém, Lula perdeu o espírito, que eu tanto gostava, de Don Quixote. Parece mais um cavalheiro qualquer. Não percebo sonhos, transformações em suas falas. Lula achou o seu moinho de vento: a 'esperteza' de Moro e sua gang. Não resta dúvida que perto de bollssonaro, Lula é um suspiro de liberdade, de avanços, de democracia. Mas, porque sempre o mesmo? Andando pela rua, buscando um rumo, noto a espiral histórica completando mais uma volta.
    Navegando pela internet descobri um filme de Terry Giliam, o mais alucinado do Monthy Python: O Homem que Matou Don Quixote. Um filme que sempre sonhou. Como nos outros filmes, Gilliam discute a arte e os artistas, a suave linha que separa loucura de sanidade, as mentiras e o que chamam de verdade, o sonho que naufraga no pesadelo, o delírio de viver, de encontrar um motivo para viver, a utopia perdida, um tempo distópico. Exatamente como o Brasil. A vida e o futebol.




quinta-feira, 6 de junho de 2019

Tropeço ou queda?



"Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes."
Torço para que Neymar escute o conselho de William Shakespeare. Porém, ele vai preferir ouvir o pai e os parças. Lamento!

Mauro Pandolfi

Neymar tinha asas na chuteira - bela expressão de Chiko Kuneski que uso no sentido inverso ao dele. Voava livre, leve, solto como uma borboleta - um vetusto e anacrônico treinador o chamou de filé. Ninguém vestiu tão bem o sagrado 'dez' branco como ele. Um legítimo herdeiro da corte do Rei Pelé. Neymar foi tão fantástico naquele Santos que transformou jogadores comuns em craques. Alguns, até pareciam ter a sua genialidade. Era só um engano. Eles desapareceram longe dele. Muitos não deixaram vestígios. Neymar amadureceu, o jogo, ao lado de Messi no Barcelona. Não era somente o driblador. Tinha uma análise precisa do jogo. Desvendava o espaço e o tempo. Parecia que chegaria ao auge, ao lugar sonhado, imaginado desde menino. Pensou ser capaz de inventar um novo Santos no PSG. Fracassou. Esta escolha, o tempo, a vida, mudaram o seu destino. Agora, Neymar, também, é só um vestígio daquele que brilhava com a dez de Pelé. Que pena!
A Copa no Brasil, em 2014, era o momento do talento desabrochar. De expor ao mundo a imensa genialidade. De tirar todas as dúvidas. De se candidatar ao posto de número um. Neymar foi mais uma esperança brasileira que se perdeu por aí. A joelhada nas costas, uma entrada cruel de Zuniga, mudou a sua história no futebol. Neymar escapou do 7 a 1, do fracasso, do vexame, da zombaria. Tudo isto veio, em dobro, em 2018, na Rússia, com as quedas, as faltas cavadas, as atuações comuns. Neymar não foi perdoado, Virou chacota. Seu jogo diminuiu de tamanho. O corpo enfraqueceu, virou presa fácil dos zagueiros violentos, lesões foram minando seu jogo, sua força, sua criatividade. A imensa qualidade virou dúvida.
Nunca me interessei pela vida privada de Neymar. Aliás, me incomodavam as críticas sobre a ela. Pareciam mais inveja do que 'conselhos'. Nunca cobrei amadurecimento ou mudanças nas atitudes. Estas cobranças faço aos meu filhos. Apenas lamentava a sua ostentação milionária, a boçalidade, a esperteza do pai vigarista, a falta de autonomia do filho. Ao contrário do que dizem, Neymar cresceu! Tornou-se um membro da machonaria em estado bruto. O que prefere andar em grupo, cercado de parças, com quem divide as farras, os jogos, as bebedeiras, as zoeiras ou apenas as conversas e as histórias. Com exceção de Bruna Marquezine, as mulheres eram apenas para sexo. Isto é um passo para uma armadilha. Os machões não gostam de mulheres. Um dia descobrirão que seriam mais felizes se amassem uns aos outros.
O 'fla-flu' da vida brasileira tem mais um jogo. Tudo é exarcebado na sociedade do espetáculo. Tudo tem quer exposto, visto, dissecado.  Neymar virou o alvo fácil para o desabafo, a frustração, a condenação. 'O 'garoto' negro não soube se comportar', pensam muitos, sem verbalizar a frase. A mulher, que o acusa de estupro, já foi condenada. A vítima, para a machonaria ou conservadores de plantão, é sempre culpada. 'Ela viajou, encontrou ele. Ela procurou, ela quis dar! Ponto final!', dizem os carolas de espírito. O desejo dela por ele não o livra da acusação. Ela poderia estar sem roupas, deitada, porém se disse 'não!', isto é estupro! Parece um jogo de olhares, como quase tudo na vida, de conceitos, de verdades ou de mentiras. O tempo, a investigação, os depoimentos vão esclarecer o caso. No entanto, velho de guerra, com uma vida bem curtida, desconfio da história do 'frágil garoto' seduzido por uma mulher voluptuosa que agora maneja uma extorsão. Mas...

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Brilho do olhar

 

"Do brilho no olhar cheio de desejos dos enamorados! Que vai se fechando, diminuindo ... no aproximar lento das bocas! E o que falar do brilho no olhar do estudante ao ver seu boletim escolar cravejado de boas notas. Ou de bons conceitos!.
Aldonei Machado tem o dom de provocar brilho nos olhos em suas conversas. Na sala de aula, como um intenso professor de história. Nas crônicas com textos sublimes, suaves, apaixonantes.

Mauro Pandolfi

Não é surpresa. Nem acidente. Muito menos, engano. É constatação. O fim anunciado chegou. Não há dúvidas. Há a certeza. O Grêmio perdeu o brilho nos olhos. Da equipe e dos torcedores. O jogo bonito, leve, suave, que ama a bola, é finito. Aquele bailado, da bola no pé, para outro pé, sem pressa, redonda, lírica, virou história. Faz parte da memória que espero nunca perder. Foi logo ali atrás, quase nenhum tempo passou. Mas não suporto tantas saudades! O jogo poético, brincado, declamado, encantado nunca esquecerei. Foi a melhor época que vivi como gremista. O último momento, o instante derradeiro, foi numa derrota. Aquela magia que parecia Barcelona de Messi ou o Santos de Pelé está marcada indelével em minha mente. Todos os dias, paro, penso, sonho, com aquele mísero tempo. Poucos, quase ninguém, lembrará dos minutos iniciais da derrota para o Fluminense. Foi uma despedida. Melancólica, triste, saudosa, como todas as despedidas.
Tento entender o fim. Devo voltar ao ponto de partida. Descobri o motivo do fim. O Grêmio forjou um time no talento. Escolheu um jeito de jogar. Gostou de brincar com a bola. Estabaleceu uma ideia, um conceito, um padrão. Armou uma equipe perfeita para a poética. Foi único. Jogou 'xadrez' - como diz Roger Machado - num futebol que joga 'damas ou jogo da velha'. Complexo e simples. Com a bola , brinca. Sem ela, tira o espaço e modifica o tempo da jogada. Compactou o time, acelerou o jogo, cadenciou o jogo, encaixotou o adversário, criou 'fantasias', mexeu na  estética, colocou o futebol brasileiro na mordernidade, ganhou títulos. Descobriu craques, reinventou jogadores, achou dois treinadores ousados. Um estudioso, Roger Machado. Outro, um prático: Renato Portaluppi. Dois magos, ilusionistas, vencedores.
O tempo não para. Nunca parou. Para como saudades ou memória. O Grêmio foi mudando o time. Saindo jogadores, como Walace. Veio Arthur. No lugar de Pedro Rocha, encontrou Everton. Demoraram para colocar Matheus Henrique na vaga deixada por Arthur. E Jean Pyerre entrou no espaço errado. É para jogar com Luan e não no seu lugar. E, quem diria que coadjuvantes, como Jael e Ramiro, fazem uma falta danada. Só agora descobri que eram o mecanismo da movimentação, a base e suporte do jogo. A metade do fim está aí. A outra, é o desmonte não percebido. Errou nas contratações. Apostou em veteranos. Os garotos, 'não estão prontos', brada Renato. Quem veio, joga diferente. Estavam acostumados com o jogo de 'damas'. Se perderam no 'xadrez'. Não tem o estilo, a movimentação e o amor em brincar com a bola. Renato foi alterando o sistema. A marcação alta sumiu. O toque refinado, desapareceu. O time ficou longo, previsível, burocrático. A queda tática está acompanhada da queda técnica. Como fazer triangulações com quem está acostumado com bola longas? Como tabelar com quem prefere o drible? Maicon, Léo Moura, Geromel e Cortez envelheceram. Luan está perdido numa solidão de campo e na melancolia da vida. Resta Éverton e seu talento. É pouco, muito pouco, quase nada. Perplexo, atônito, sei do que o Grêmio é capaz. Vai do infinito ao além, sobrevive nas aflitas batalhas da bola, ou, pior, namora com a zona do inferno.
A paixão não me permite a ausência com o Grêmio. Estarei na frente da tevê para o meu ritual de sempre. Mais tenso, mais preocupado, mais paciente, mais temeroso, ainda amoroso. Só que não terei o brilho nos olhos dos apaixonados. E, sim, a opacidade dos derrotados, o olhar angustiado do medo.. Mas, o medo, quando não medra, provoca a vida, a reação, a vitória. Quem sabe, Renato Portaluppi invoca mais um milagre. Os deuses que tem estátuas são capazes de tudo. Menos ficar acima de todos.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

O Futebol!!!


"Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo, apaixone-se..."
O futebol é a melhor alegoria sobre a vida. Ele é a vida. Martha Medeiros entende da vida. Desconfio, também, entender de futebol.

Mauro Pandolfi

No início, o espanto. Depois, o deslumbramento. Em seguida, a desconfiança. Logo após, a angústia. O desespero veio junto com a irritação. Por fim, a fúria da derrota. O encantamento só foi descoberto no dia seguinte. O futebol é a maior invenção do homem. Não é só um jogo. É uma arte, um exercício de guerra, de auto-ajuda, de controle, um ato de fé. É como se o homem se aproximasse de Deus ou fosse o próprio Deus. O estádio é o todo. Tem a alegria, a tristeza, o riso, a dor, a 'morte', a ressurreição. Futebol é vida. Vivi todas as emoções no domingo. Lembrei do que vivenciei, do que sofri, do que me fez chorar, o que me levou ao êxtase.  Este Grêmio e Fluminense nunca terminará. Está preso na eternidade. Nunca mais será esquecido. Muitos lembrarão da virada histórica. Eu contarei, para os meus netos, os inesquecíveis 30 minutos iniciais do Grêmio. Falarei da transubstanciação, da metamorfose, que por instantes, tão eternos intantes, o Grêmio foi o Barcelona de Messi ou o Santos de Pelé. A paixão me permite o exagero.
'Los 4 de Liverpool'.  A manchete do jornal 'El Bernabeu', de Madri, ironizou a derrota do Barcelona. A foto de Messi completava a capa. O gênio abatido, desolado, humilhado. Messi tem o olhar perdido, longe, sem rumo, igual ao Barcelona no jogo. Valverde se inspirou na seleção argentina. Desorganizou seu time, não deixou Arthur jogar, escondeu Coutinho, isolou Suarez e esperou o milagre.  E, como ocorreu com a Argentina na Copa, o milagre não veio. Jurgen Klopp já sabe que o Liverpool nunca está sozinho. O canto da torcida empurrou a ousadia. Ele encaixotou Messi, abriu o jogo, apostou na velocidade, na paixão e na esperteza juvenil para entrar na história. O futebol é poesia. Nem só de palavras, versos, se faz um poema. Às vezes, basta somente entender o vento e embalar a vida com  a alma.
Semana de jogaços. De bola em festa. De coração dolorido e aliviado. A derrota que mais me abalou não foi a do Grêmio e nem do Barcelona. Chorei ao ver os meninos do Ajax desabando no campo. Deitados, desolados, perplexos. As lágrimas nos rostos jovens, alguns imberbes, me comoveram. O belo, majestoso futebol, derrotado pela eficiência, estratégia, resiliência do Tottenham. E, como é mágico o futebol. Se Messi foi menos do que comum, Lucas Moura fez o jogo de sua vida. A outra transubstanciação, metamorfose da bola, o comum virou gênio. Pode ser uma glória efêmera, passageira. Mas, será eterna para quem gritou gol. Lucas Moura entalhou seu nome na história e no coração do torcedor do Tottenham. 
Há algo no futebol que sobrepõe a vitória.  Que é maior do que um título. Alguns chamam de arte. O devaneio do drible, a precisão do passe, o lance mágico que poucos, ou ninguém, espera. Prefiro poesia. A poesia brinca com a vida, rima amor e dor sem constrangimento, cultua o craque e nunca despreza o comum. Às vezes, a beleza está ali, escondida num detalhe, num lance sem nexo, aonde não se espera nada. Quase nunca a poesia ganha um título. Os vitoriosos, geralmente, preferem a força, a fúria, o sangue. Mas, como diria Thanos, 'ela é inevitável!'