"Vivemos tempos sombrios onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança".
Que a lucidez angustiante de Hannah Arendt desperte do transe os que apostam na esperança.
Mauro Pandolfi
2019
nunca será como 1968. Se for lembrado, ao contrário de 1968, é o 'ano
que nunca deveria ter acontecido'. Tempo de loucura, insensatez,
tragédias humanas e ambientais. Destruições provocadas, naturais,
genocídios nas periferias. Tanta obscuridade que achatou o planeta.
Lunáticos gritam que a Terra é
plana, que menino veste azul, menina usa rosa e até descobriram o que
era golden shower. Um ano que se perdeu no tempo. Uma distopia alucinada
ou engano de um transe catatônico que ainda não despertamos? Até o
Grêmio entrou neste redemoinho do retorno. O belo jogo apareceu por
instantes, por momentos, por descuidos. Ficou parecido, quase igual, aos
outros times que gostam dos chutões, do balão para a área atrás de um
gol salvador. A bola trabalhada de pé em pé, num desenho mágico,
reapareceu no Flamengo de Jesus. Nunca assisti tantos jogos do Flamengo
como este ano. Só não comprei a camisa. Vibrei como um amante, um
romântico que se encanta com a beleza alheia. Faltou algo para a traição
ser completa. Paixão?
O
futebol é a minha
paixão. Tantas vezes escrevi isto. É o que me faz feliz. A vida tem mais
magnetismo quando a bola rola, mágica, insinuante na tela da televisão.
É poesia e prosa. Onde se encontram o menino sonhador do Vermelhão de
Copacabana e o velho que tenta escapar do pragmatismo da vitória. Os
dois se dão bem. Raramente discutem. Há boas risadas em seus papos.
Ainda paro para ver o drible. Aquele olho no olho do atacante e o
defensor. O jogo de pernas, o bailado persuasivo, o corpo que finge,
vai, volta tão rápido, que engana o olhar - meu e do marcador -, e segue
por um espaço impossível de passar. Como foi bom ver Éverton e Bruno
Henrique desfilando as suas belas poesias. Dribles que encantariam
Garrincha, Julinho, Tesourinha...
Ah, o passe! O
jogo planejado, estudado, conectado, dissecado, armado. O futebol é um
jogo de espaço e tempo. Se o drible resolve o tempo, é o passe que
controla o espaço. As linhas perfeitas, o campo bem dividido, tudo
ocupado, estratégia desenhada. A bola rola. O jogo flui. Roberto Firmino
mostrou no sábado todo o desenho de Jurgen Klopp para vencer um jogo. A
roubada de bola, a velocidade de ataque, o passe, o drible, a
finalização, o gol. Quem disse que não há poesia na prosa?
O
Flamengo foi o Flamengo por instantes. Durou pouco mais de 20 minutos
aquele jeito tão bonito de jogar. Ficou com a bola, trocou passes, tirou
o Liverpool do lugar, incomodou. Nem um lance de gol criou. Bonito ver o
bailado em velocidade de Bruno Henrique em cima de Alexander-Arnold e
precisa cobertura de Van DijK. Aos poucos, o Liverpool controlou o jogo,
teve a bola, atacou, venceu. A derrota foi superestimada como uma
'vitória moral', um feito, um acontecimento. Triste tempo de derrota
glamourizada.
2020 chegou! Ufa! Demorou demais.
Torço que a folia do Carnaval marque um novo tempo. Que a Terra volte a
ser redonda, que meninas e meninos usem as cores que quiserem, que a luz
vença as trevas, que Renato seja o Renato de 2017. Desejo um Feliz
Natal e um Ano Novo esperançoso para que leu, curtiu, comentou,
compartilhou, passou, olhou e ignorou, as más traçadas linhas deste
blog. O meu regalo são versos do belo Duda Sacul, que não sabe driblar
com a bola, mas com palavras é um Dener: "Deixe-se levar pela alegria.
Mesmo que for acabar. Mantenha-se até o último bradar. Espalhe a folia.
Mesmo se algo lhe preender. basta apenas ignorar. Mesmo se ao medo você
ceder. Basta apenas acordar".
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