sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Crônica do adeus

 

"Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências..."
Sou meio Caio Fernando Abreu. Sei que tudo acaba, muda, transforma, mas resta um tênue fio de esperança que seja só um engano, um tempo dado e convivo suavemente com o devaneio da perfeição. E, suspiro para que o ciclo do Grêmio continue, sobreviva, se transforme...

Mauro Pandolfi

Saudades! Foi uma quinta de saudades. E, de melancolia, também. Fugi do futebol do dia,a dia, dos programas esportivos encantados com a magia do Flamengo, dos sites e blogs que suspiram por bola. Na solidão do quarto busquei memórias, histórias, lembranças, gravações e you tube atrás da minha paixão gremista. Precisava mantê-la viva. Inabalável! Temi que o magistral show rubronegro sufocasse o amor gremista. Já que a poesia do futebol alimenta a alma, afaga o coração, me deixa feliz. Senti a dor. Curti a dor. Entendi a dor de quem leva cinco a zero no lombo. Dolorido demais!  Certezas são destruídas, dúvidas viram certezas, mesmo as coisas em construção, tornam-se ruínas, nada sobra, tudo desaba. Fiquei com medo de perder a paixão. De ficar sem rumo, perdido neste tempo sombrio, onde o Grêmio é a minha melhor identidade, meu momento de prazer, de vida  meu porto seguro que mantém a sanidade.
A bola rolou mágica. Começa em Galhardo (quem diria que já fez um lance deste), chega em Giuliano, passa por Douglas, vai até Luan, que encontra Douglas que sai para comemorar o golaço contra o Atlético Mineiro. Vibrei em silêncio. Um gol tatuado exatamente como o de Luan contra o Cruzeiro. Bola de pé em pé, suave e poética, redonda e sublime, até Luan encobrir o goleiro. Fantástico! O grito saiu quase mudo. Tantos lances, tanta magia, um Grêmio que nunca tinha vivenciado, curtido, amado. O drible de Luan, num mísero espaço, contra o Lanus, na final da Libertadores, foi outro que vi. Madrugada adentro busco o Grenal dos cinco a zero. Pulei, acordei todo mundo em casa, me desculpei. Precisava desta festa para sobreviver o resto da semana até a próxima vitória. A lágrima que caiu foi solidária com os colorados que sofreram aquele dia. Não há nada mais dolorido do que uma goleada (estou falando de futebol, esta coisa sem importância que flerta com a alma). Ela é a destruição da paixão. Torna a paixão algo menor, trivial, fútil, irrelevante, mesquinha, traiçoeira.
Não sei o que fará o Grêmio. Rever os conceitos, métodos, certezas é o mínimo que espero. Que Renato permaneça. No entanto, que seja mais treinador, menos estátua, esqueça a sua mitologia, seus feitos de craque, use a sutil arrogância em aprendizado, em conhecimento, reconheça o valor do outro e se reinvente. Ele e o time. Que Renato lembre dos meninos e esqueça de seus bruxos. Que busque jovens com vontade de jogar no lugar de medalhões decadentes e entediados. Que Renato, mantenha o amor ao jogo, ao prazer de ter a bola, que não sacrifique mais a beleza do toque, do passe, da volúpia do gol, pela incerteza da defesa. Seja o Renato de Tóquio ou de Buenos Aires, o que diz que o 'Grêmio tem o melhor futebol do Brasil' - que torne este pensar em realidade. Enfim, que o Grêmio continue sendo o melhor Grêmio que vi jogar. É pedir muito? Não sei! Mas, é o que manterá inabalável a paixão. E, finalmente, que ninguém chame o Celso!
Quarta de tristeza. Esperei a ligação que não veio. Nem os flamenguistas do bairro estavam na rua na madrugada. Até o boteco do Alemão estava fechado. Nem sinal de Rai Carlos - o vidente cego - que enxerga como poucos a minha alma. Não falei com ninguém após o jogo. Fiquei em silêncio. Perplexo! Demorei a dormir. O jogo continuava na mente. Sempre aparecia um gol do Flamengo. Mais silêncio sem o rádio. Que falta me faz Rai Carlos e sua imensa sabedoria sobre a derrota, o fracasso, o desespero e como sobreviver forte, audaz e apaixonado. Imaginei o seu desencanto em Belo Jardim. A solidão sem os gremistas ao lado. Sem o boteco do Alemão. Solidão igual a minha. Vou ligar para ele no domingo. Até lá, vou curtido a solidão e a dor curtindo 'a vela aberta se afastando pelo mar..' de Walter Franco, que partiu deixando mais triste, cinza, melancólica a manhã de quinta.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Heitor!

 

"Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica..."
Ah, como será fantástico se Heitor for um poeta bola. Não precisa ser um Pelé, Diego, Cruyff, o autor da frase, ou Mané. Ser um Renato Portalluppi é um sonho. Me contento com Luan, Éverton, Arthur, Maicon, Jean Pyerre, Matheus Henrique...

Mauro Pandolfi

No mês da bola, dos melhores poetas do futebol, chegou Heitor. Menino grande, bonito, filho da Mayara (não consegui convencê-la a trocar o nome para Geromel) e do Gláucio, meu sobrinho, é um sopro de vitalidade, luz, felicidade na família, nestes tempos sombrios. Heitor? Que Heitor jogou bola? Heitor, Heitor, Heitor!!! Procurei nos meus alfarrábios, no google, um Heitor no futebol. Tenho na lembrança um lateral de chute forte que jogou no Flamengo e Ponte Preta. Surgiu, jogou, sumiu, nem vestígios deixou. Achei um velho palestrino, um filho de espanhol, Etorre Marcelino Domingues, chamado pelos torcedores de Heitor. Ele foi goleador do Palestra, parceiro de Frienderich na Seleção, e ao se aposentar, tornou-se árbitro. Mais ninguém! Só se usou algum apelido ou uma identidade secreta. Não sei o motivo da Mayara escolher Heitor.Poderia ser Manoel, Diego, Édson. É o mês deles. Da poesia em jogo. Da arte do drible. Da invenção do passe. Da fantasia que ilumina a vida.
Édson, Manoel e Diego é o trio que o futebol se explica, apaixona, encanta, dilacera, torna-se religião, literatura, arte. Pelé, Garrincha e Maradona. Sete dias em que a estrela brilhante no céu era uma bola. Pelé é do dia 23; Garrincha, de 28 e Maradona, dia 30.  A Santíssima Trindade! Os três poderiam ter nascido bola. Deram vida a bola. Tornaram a bola o Santo Graal dos tempos modernos.
Pelé! O nome que não precisa de adjetivo. É um adjetivo! Basta citar...Pelé! Você já sabe do que se refere. Ele não inventou o futebol. Nem a bola. Mas, virou símbolo, referência, sinônimo. Pelé é um nobre. Um rei coroado algumas vezes. A primeira, aos 18 anos, em 1958. E foi  logo chamado de Rei Pelé! Ele é um mito! Mitologia não se explica. É, e pronto! Édson Arantes do Nascimento nunca conseguiu ser um cidadão comum. Pelé nunca deixou. Pelé jogava feito prosa. Do passe medido, da tabela, do gol, do pulo com o punho cerrado, socando o ar. É a melhor frase do futebol!
Vi um só jogo de Mané Garrincha. O último! O da despedida com a camisa da seleção contra o time de estrangeiros que jogavam no Brasil. Foi em 73. Verdes anos, pouca coisa para contar, muitas para sonhar. Lembro do lance. Garrincha parado. Corpo arqueado, nada que lembrasse um atleta. A bola presa no seu pé. Negaceou. Foi e voltou. O uruguaio Bunuel foi. Na volta, virou mais um João. A bola passou entre as pernas. As 150 mil pessoas vibraram com o drible derradeiro de Garrincha com a camisa da seleção. Aliás, com Pelé e Garrincha em campo, o Brasil nunca perdeu. Garrincha é um poeta. O homem que sucumbiu as tentações, ao amor e a paixão. Garrincha é o maior fantasma do futebol. Esta sempre presente num campo. Está no desejo do torcedor, na saudade de um velho amante da bola, num drible, num passe cruzado, num corte, no chute certeiro...na ausência da alegria. Todo jogo burocrático, sem graça, sem alma é uma outra morte do Mané.
Diego Armando Maradona! Eu não era mais um garoto. Já tinha escapado no exército, de Brasília. em 79. Vi pela primeira vez um jogo de Maradona num amistoso contra Alemanha. Não lembro resultado, nem vou pesquisar no google. Há um lance que de tempos em tempos relembro. Em todos os jogos que joguei tentei repetir. Belo demais! Alguns fiascos. Quando deu certo, virou gol. O lance é magia pura. Bola lançada pela direita. Longa, quase escapando. Maradona domina. Cercado, da dois passos em direção à linha de fundo. E, de letra, com o pé esquerdo, passando por trás do direito, cruzou. Os alemães ficaram atônitos e Ramón Diaz perdeu o gol. Nunca mais perdi Maradona de vista. Acompanhei a sua carreira, a glória, a tragédia pessoal, os equívocos, os acertos, a canonização, a humanização. Maradona tem algo de Pelé e muito de Mané. Que falta faz, este Diego!
O dia da poesia, 31, fecha o mês dos ilusionistas da bola que poderia ser definido assim: "Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma" (pequeno verso de Carlos Drummond de Andrade também de outubro, uma espécie de Pelé, ou seria Mané, ou quem sabe Maradona, entre os poetas?). Vou dar uma bola para Heitor. Nunca uma camiseta. Ele vai escolher o time. Vou contar sobre os seus parceiros de mês, o trio que embala a minha paixão, brincar com ele, me divertir numa rua, praia, despertar a alma do futebol nele e quem, bem velhinho, vibrar com seus gols. 
Seja bem vindo, Heitor!