segunda-feira, 24 de junho de 2019

O lobo solitário

 

"O homem é uma corda esticada entre o animal e o superhomem, uma corda por cima do abismo".
Poucos decifram tão bem esta frase de Friedrich Nietzesche como Lionel Messi. Ele tenta desmanchar os nós da 'corda' ao se mostrar humano demais.

Mauro Pandolfi

O tango de Gardel é a trilha sonora desta Seleção Argentina. Todo jogo é dolorido, brigado, dramático, desesperado. Domingo, contra o Catar, foi um pouco diferente. Mais bailado feito um de tango de Piazzola. Nuances de um outro tempo. Dribles, lances isolados, negaceios, arrancadas, chutes. Um deles está marcado na minha memória para sempre. Bola no canto do campo. Uma pequena tabela, um drible e um passe preciso. A bola procurava Messi. Encontrou! Ele enquadrou o corpo, achou o equilíbrio e chutou...'Meu Deus!', bradou o narrador. 'Você nunca imaginou que diria isto para Messi, hein?', ironizou o comentarista. A bola longe, muito longe, distante do gol, perdida, sem rumo. Lionel sorriu. Surgiu a grande virtude de Messi. Ele é humano! Demasiadamente, humano! O mundo do futebol não perdoa os 'deuses' que se humanizam. Contesta o talento, cobra as performances, exige títulos, expõe os fracassos, fragiliza o homem. Hoje, 24 de junho, Lionel Messi está de aniversário. 32 anos! Ufa! Mais um ano e estaria pronto para ser crucificado.
Há algo que aproxima Messi de Pelé e o afasta de Maradona. Pelé e Messi foram educados', formados em uma escola magnífica de jogar futebol. Garotos, entraram em times quase perfeitos, com jogadores primorosos ao seu redor. Pelé estréia no Santos já montado, campeão, fabuloso. Ele apenas acrescentou 'realeza'. Messi a mesma coisa. Deu uma beleza poética ao extraordinário Barcelona de Guardiola. O que distingui Pelé de Messi é a seleção. Pelé tinha uma corte de craques ao seu redor vestidos de amarelo. Só para lembrar um, Garrincha. Mané dividiu o reinado por alguns anos com Pelé. Messi não teve a mesma sorte. Nunca teve um parceiro - um só! - perto do seu nível, com a sua rapidez de raciocínio, com talento. Imagino se Lionel Messi tivesse naturalizado espanhol logo que chegou, menino ainda? Quantos títulos mundiais teria? E, o que seria da Argentina sem Messi? Um Equador, um Paraguai?
...e Diego Maradona? Nunca teve um grande time ao seu redor. Surgiu no minúsculo Argentino Jrs, foi 'despachado' do Barcelona e se tornou imenso no Nápoli. O brilho maior é na seleção. Fracassa ao lado de Ramon Diaz em 82. Arrebenta em 86, ao lado do filósofo Valdano. 'Tungaram' os títulos de 90 e 94. Maradona é a junção de Pelé com Messi. Tem a fúria e a força do Rei. A imposição 'autoritária, em campo. De Messi, tem a poesia, a beleza do jogo, o encanto que provoca. E, há algo de Garrincha em Maradona. A pureza do drible, a dureza do adversário, o desencanto da vida. Talvez, explique a paixão dos argentinos por Maradona. Ele é o humano que tornou-se Deus.
Tempos atrás vi um programa sobre lobos. Uma alacatéia procurava abrigo e água. O mais forte, o líder ia na frente. Passava a ideia da solidão. Com segurança, chamava os demais. No final do bando, os mais velhos. A alcatéia chegou inteira ao seu destino. Lionel Messi é um lobo solitário nesta seleção argentina. É o primeiro a entrar em campo, o líder.  A bola sempre o procura. É o articulador e o finalizador. É o centro, o cérebro, o coração do time. A viagem ao título é longa. Às vezes, como nesta Copa América, parece perdida. A alcatéia vai se destruindo no caminho. Sobra apenas o lobo solitário, ferido, amargurado, destroçado, que nunca desiste, resiste, feito um superhomem ou um Deus, para conduzir ao abrigo seguro a bela camisa azul e branco. "Desde que se fue. Triste vivo yo. Caminito amigo. Yo también me voy..."
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sábado, 15 de junho de 2019

Quem matou Don Quixote?



    "A força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo".
    Velho, na última fase da vida, melancólico, me sinto perdido, sem rumo, feito Don Quixote, no incrível delírio que vive o Brasil. O que me distingue do Homem de La Mancha é que não sei se quero, ou não quero, lutar contra os moinhos de vento. Pois, o resultado é o de sempre: a derrota!

    Mauro Pandolfi

    Ando pela rua, matando o tempo, observando os rostos e a pressa das pessoas. Quase sou atropleado por um motorista que não respeitou a faixa de pedestre. O palavrão quase escapou. Há tempos desisti de xingar. Estamos perdidos, naufrangando pela vida, esperando tediosamente o fim que nunca vem. No banco da praça, olhando os pombos andarem em círculo, penso na distopia que vive o Brasil. Uns dizem, que é uma depressão, um doença degenerativa sem cura, uma terra em transe. Amargo, cético, sem esperanças, penso na espiral histórica que estamos presos. Somos condenados a viver o mesmo, depois outro mesmo, voltando ao mesmo de outro tempo. Assim é a vida brasileira. Assim é o futebol brasileiro. bollssonaro e Felipão são personagens centrais deste tempo. De um tempo sombrio e sem sonhos. Fernando Diniz é uma espécie de Don Quixote. Lula, não. Há tempos deixou de ser Don Quixote. E, os sonhos tornaram-se apenas delícias de padarias.
    bollssonaro é o espelho de um pensar, de comportamentos que se confundem com a história deste país. É arrogante, boçal, autoritário, um típico farsante (militar, político, religioso), imbecil, desconfio que se pudesse, seria escravocrata. Um misto entre um bandeirante e um general. Ele tem orgulho em defender e representar o passado, que ele imagina 'glorioso' - que foi trágico.. Luís Felipe Scolari tem muito de bollssonaro. O seu passado navega na glória e no fracasso, que trata como um 'acaso'. bollssonaro é contestado pela estupidez que (des)governa o país, onde ministros defendem a 'Terra plana". Felipão, ainda não é aplaudido com entusiasmo pela crítica e torcida. Mas, suspeito que se Tite for dispensado, o nome da vez será Luís Felipe Scolari. Afinal, o 7 a 1 foi só 'um acidente'. A tese do 'apagão' ou 'acidente' venceu. Nada mudou. A mesma tática, o mesmo jogo, os mesmos medalhões, os mesmos olhares,... num mesmo ritmo de uma velha música de Ronnie Von.
    Renato Portaluppi foi o Don Quixote por instantes. Seu Grêmio maravilhoso, de toques rápidos, insinuantes, que amava a bola, que gostava de ficar com ela, de brincar, deixou vestígios. meros vestígios. Ninguém o seguiu.  Até o seu Grêmio se enquadrou no 'velho' futebol brasileiro. Não ama mais a bola. Os chutões reapareceram, a lentidão, a falta de movimentação, substítuiram a modernidade. O jogo de hoje é o do Palmeiras. Eficiente, cauteloso, com 'muita sorte com arbitragens', sem poesia, que lidera com folga o Brasileiro. Felipão disse que joga 'feito o Liverpol: vertical'.  Assim como analisou o 7 a 1, Felipão fica feliz com os seus enganos.
    Gosto dos times de Fernando Diniz. Nunca é vencedor. Dificilmente ganhará um título de expressão. Diniz é da estirpe de Marcelo Bielsa. Não monta times para ' ganhar' títulos. Prefere jogar, como jogam os meninos nas ruas, parques, campinhos. Ou jogavam? Não perco jogo do Fluminense. Gosto da ousadia de colocar os meninos que 'não estão prontos'. Como é bom ver João Pedro ou Marcos Paulo. Quem troca zagueiros por meias? Quem 'inventa' uma meia ofensivo, Caio Henrique, como lateral? Quem ama o futebol! Que vê o jogo pela poesia do jogo. Pela idéia do impossível, que deseja enfrentar os moinhos de ventos. Pena que Renato Portaluppi foi 'enquadrado' pelo sucesso, pelos títulos, por sonhar com a seleção. E, aí, não é lugar para Don Quixote.
    Citei Lula no início. Já fui petista, votei sempre em Lula, menos 2006 - já estava desiludido com a 'revolução' que não veio. As revelações das conversas de Moro e os procuradores mostram que ele é um preso político. Assisti e li todas as suas entrevistas. A primeira, para Mônica Bergamo e Florestan Fernandes, parecia um homem lúcido, conectado com o tempo, com outras idéias. Um novo Lula vem aí, feito um Nelson Mandela, pensei. A última, para Juca Kfouri e José Trajano, o retorno de velho Lula. O mesmo discurso, a mesma ideia que provoca devoção, delírio. A esquerda, a oposição, reencontrou o seu líder. Porém, Lula perdeu o espírito, que eu tanto gostava, de Don Quixote. Parece mais um cavalheiro qualquer. Não percebo sonhos, transformações em suas falas. Lula achou o seu moinho de vento: a 'esperteza' de Moro e sua gang. Não resta dúvida que perto de bollssonaro, Lula é um suspiro de liberdade, de avanços, de democracia. Mas, porque sempre o mesmo? Andando pela rua, buscando um rumo, noto a espiral histórica completando mais uma volta.
    Navegando pela internet descobri um filme de Terry Giliam, o mais alucinado do Monthy Python: O Homem que Matou Don Quixote. Um filme que sempre sonhou. Como nos outros filmes, Gilliam discute a arte e os artistas, a suave linha que separa loucura de sanidade, as mentiras e o que chamam de verdade, o sonho que naufraga no pesadelo, o delírio de viver, de encontrar um motivo para viver, a utopia perdida, um tempo distópico. Exatamente como o Brasil. A vida e o futebol.




quinta-feira, 6 de junho de 2019

Tropeço ou queda?



"Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes."
Torço para que Neymar escute o conselho de William Shakespeare. Porém, ele vai preferir ouvir o pai e os parças. Lamento!

Mauro Pandolfi

Neymar tinha asas na chuteira - bela expressão de Chiko Kuneski que uso no sentido inverso ao dele. Voava livre, leve, solto como uma borboleta - um vetusto e anacrônico treinador o chamou de filé. Ninguém vestiu tão bem o sagrado 'dez' branco como ele. Um legítimo herdeiro da corte do Rei Pelé. Neymar foi tão fantástico naquele Santos que transformou jogadores comuns em craques. Alguns, até pareciam ter a sua genialidade. Era só um engano. Eles desapareceram longe dele. Muitos não deixaram vestígios. Neymar amadureceu, o jogo, ao lado de Messi no Barcelona. Não era somente o driblador. Tinha uma análise precisa do jogo. Desvendava o espaço e o tempo. Parecia que chegaria ao auge, ao lugar sonhado, imaginado desde menino. Pensou ser capaz de inventar um novo Santos no PSG. Fracassou. Esta escolha, o tempo, a vida, mudaram o seu destino. Agora, Neymar, também, é só um vestígio daquele que brilhava com a dez de Pelé. Que pena!
A Copa no Brasil, em 2014, era o momento do talento desabrochar. De expor ao mundo a imensa genialidade. De tirar todas as dúvidas. De se candidatar ao posto de número um. Neymar foi mais uma esperança brasileira que se perdeu por aí. A joelhada nas costas, uma entrada cruel de Zuniga, mudou a sua história no futebol. Neymar escapou do 7 a 1, do fracasso, do vexame, da zombaria. Tudo isto veio, em dobro, em 2018, na Rússia, com as quedas, as faltas cavadas, as atuações comuns. Neymar não foi perdoado, Virou chacota. Seu jogo diminuiu de tamanho. O corpo enfraqueceu, virou presa fácil dos zagueiros violentos, lesões foram minando seu jogo, sua força, sua criatividade. A imensa qualidade virou dúvida.
Nunca me interessei pela vida privada de Neymar. Aliás, me incomodavam as críticas sobre a ela. Pareciam mais inveja do que 'conselhos'. Nunca cobrei amadurecimento ou mudanças nas atitudes. Estas cobranças faço aos meu filhos. Apenas lamentava a sua ostentação milionária, a boçalidade, a esperteza do pai vigarista, a falta de autonomia do filho. Ao contrário do que dizem, Neymar cresceu! Tornou-se um membro da machonaria em estado bruto. O que prefere andar em grupo, cercado de parças, com quem divide as farras, os jogos, as bebedeiras, as zoeiras ou apenas as conversas e as histórias. Com exceção de Bruna Marquezine, as mulheres eram apenas para sexo. Isto é um passo para uma armadilha. Os machões não gostam de mulheres. Um dia descobrirão que seriam mais felizes se amassem uns aos outros.
O 'fla-flu' da vida brasileira tem mais um jogo. Tudo é exarcebado na sociedade do espetáculo. Tudo tem quer exposto, visto, dissecado.  Neymar virou o alvo fácil para o desabafo, a frustração, a condenação. 'O 'garoto' negro não soube se comportar', pensam muitos, sem verbalizar a frase. A mulher, que o acusa de estupro, já foi condenada. A vítima, para a machonaria ou conservadores de plantão, é sempre culpada. 'Ela viajou, encontrou ele. Ela procurou, ela quis dar! Ponto final!', dizem os carolas de espírito. O desejo dela por ele não o livra da acusação. Ela poderia estar sem roupas, deitada, porém se disse 'não!', isto é estupro! Parece um jogo de olhares, como quase tudo na vida, de conceitos, de verdades ou de mentiras. O tempo, a investigação, os depoimentos vão esclarecer o caso. No entanto, velho de guerra, com uma vida bem curtida, desconfio da história do 'frágil garoto' seduzido por uma mulher voluptuosa que agora maneja uma extorsão. Mas...