quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Gim

 

Mauro Pandolfi

                                                           Para Elaine

Final de tarde. Volto da padaria carregado de pães, cuca (uma delícia!) e sonhos (fantásticos, como os nossos sonhos!).  Passo na frente do boteco do Ilgo e quem vejo. Bem largado, sorriso aberto e um copo de gim na mão. Meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. Entrei e fui dar um abraço. "Meu querido Mauro num boteco? O mundo tem salvação!", diz ele, gargalhando, levantado da cadeira e dando um beijo no meu rosto. 'Boteco é do passado. Estou voltando da padaria. Mas, já que estou aqui, vou beber contigo. Não gim. Uma cerveja". Espero a provocação: 'cerveja é para os fracos'. Disse e acrescentou: "o gim abre as fronteiras da percepção. Clareia a lucidez e deixa navegar um pouco na loucura. Gim é a bebida dos loucos, dos sonhadores, dos visionários. Bebida santa, mais que o vinho. Os primeiros fabricantes foram monges dominicanos. Saboroso", explica. Dá um gole e completa. "As bagas de zimbro tem o sabor, o aroma, a fortaleza das florestas do hemisfério norte. Eu amo gim! Ei, Alemão traz outro! "
Rai é um homem sereno. Ele beira a felicidade. Encontrei mais risonho do que sempre. "Que felicidade é esta?", indaguei. "Vivo do futuro, em aconselhar as pessoas a tomarem decisões. Explico o que pode vir, acontecer. Sei que alguns me chamam de charlatão, aproveitador, mentiroso. É um dom de Deus. Uso para ajudar as pessoas. Só isto! Sou um detetive da alma, um conhecedor do coração, um sensitivo. A sensibilidade me faz ver. E, para minha surpresa, incomoda demais os duros, os 'retos', os éticos, os doutos", comentou. Eu sei quem você é! disse. E, onde entra esta tua felicidade? perguntei. Virou o copo de gim, respirou fundo e abriu o coração.
"Voltei ao passado. Revi os meus 17 anos. Tempo de uma paixão avassaladora que atravessa a minha vida. Tive vários 'casamentos', eu chamo assim. Afinal, viveu junto, é casamento. Alguns duraram dias. Teve um que durou quatro anos. Mas, a paixão sempre aparecia nos meus sonhos. Bastavam encontrar alguém, me visitava ao dormir. Isto me desequilibrava, angustiava, deprimia. O tempo me ensinou a controlar. E, a vida amorosa foi seguindo feliz, complicada, alegre, triste, como de todos. Nunca tivesse uma paixão, Mauro?", perguntou.
A cerveja desceu bem. Vai bem com sonho, que já estava na mesa, o que gerou uma reclamação do Alemão ('trazer comida de casa, é sacanagem!'). Poxa, tenho até hoje. O Grêmio é a minha grande paixão...Fui cortado por Rai. "Sem bobagem! Grêmio não é paixão. É obsessão. Inexplicável obsessão, vício, doença! Eu falo de alguém, de uma mulher. Teve?", indagou. Várias, disse. Momentâneas, duradouras, de um olhar, de um beijo roubado. Algumas..."Não, Mauro! Isto é desejo, encantamento, tesão. Eu falo daquelas que marcam a alma, a existência, que ardem o coração e povoam, eternamente, a imaginação. Eu tenho uma dessas. E, ela me apareceu outra vez. Há 40 anos que não a via, sentia o seu perfume, escutava os seus passos, a doce voz", contou. Fiquei em silêncio. Pensei na Elaine, no que foi, do que é na minha vida. Do prazer em estar ao seu lado, do amor, admiração e do respeito por ela, e, pela lógica do Rai, da paixão .Fiquei esperando o resto da história. Passou um tempo, um gole de gim e veio.
"Abriu a porta da minha casa. Os passos não eram estranho. O perfume, a alma reconheceu. A mão me cumprimentando lembrou a textura macia da pele que acariciava o meu rosto. A voz embalou a conversa. Gelei, Mauro! O coração disparou e tremi a voz. Era a bela Raquel. Não me reconheceu. Começamos a conversar. Falou do passado, da perda do marido, da solidão, dos filhos, dos netos, da vida, da esperança. Foi uma conversa difícil. Misturei os tempos. Falava e tinha as imagens dela do passado. Duas horas de retorno, de emoção. Ela não me reconheceu. Pagou a consulta e foi embora. Fiquei tonto. Parecia um guri reencontrando a amada. Fiquei sem ação, sem saber o que fazer. Levei um tempo para entender o que passou", revelou. E, em seguida, disse: "Sabe o que sobrou daquela paixão, meu amigo Mauro? Uma foto. Guardo com cuidado. Com saudade, acaricio, passo os dedos, tentando achar algo táctil para ver melhor. Guardo com encanto". E, agora, meu caro. Vai procurá-la? perguntei.
Ele falou: "Ela ligou no dia seguinte. Estava com dúvida. Suspeitou que me conhecia. Riu, chorou, se emocionou. Eu, também.  Contou com detalhes a sua vida. Disse que ficou desesperado quando o pai decidiu ir embora. Não conseguiu me avisar. Ela não sabia onde eu morava. Era eu quem a encontrava. Falou que era apaixonada. Mas, sublimou a paixão. Conheceu  Antônio e construiu um amor. Tão bem construído, que se tornou paixão. Ela inventou uma paixão!" 
Interrompi abruptamente. Paixão não se inventa, Rai!. Ela surge.O amor é inventado, curtido, transformado. Paixão é o encontro da alma com a imaginação. Arrebenta, arrebata, machuca, devora, te torna um homem forte, te completa, é instinto. Amor é outra coisa....
Desta vez, Rai quem interrompe. "Amor e paixão não são tão distintos assim. Há mais cumplicidade do que você pensa. O amor é o afeto dividido, vivido. É o prazer em compartilhar pequenos atos, fatos, o cotidiano. É adorar o jeito de olhar, de como sorri, do jeito que faz o café. É  transformar o dia a dia em uma eterna aventura romântica. Não pede arrebatamento. Requer paciência. Amor é par. Paixão é ímpar. Não há necessidade do outro. Pode ser só imaginária. É intensamente real. Vivida a dois é o encontro de alma com alma. Do que somos, do que imaginamos ser, do que sonhamos. Paixão nunca acaba. Ela marca a vida. O que aconteceu comigo? Despertou? Ou tinha acabado? Nunca pensei em reencontra-la. Nem lembrava, não havia mais nada. Ao vê-la, tudo voltou! A paixão não termina nunca. Ela fica escondida, esperando um descuido da alma, uma fissura no coração. Explode do nada. A paixão é cretina, perversa, mágica, vital. Estou vivo, Mauro! Não vai dar em nada, eu sei!  Porém, me fez reviver algo adormecido, sublimado, distraído. Amor é o vinho. Tem a suavidade, o aroma, é cultivado. O amor é para quem ama a vitória. Paixão é o gim. Intenso, forte, agressivo. É para os fortes. Para quem gosta de emoções. Adoro este sofrimento; Paixão é para quem saboreia as derrotas", filosofa.
Rai me encanta pela habilidade com as palavras. É sábio. Então aproveito delas. Pela tua lógica, o Grêmio não é obsessão, vício e doença. É paixão. Pura paixão! As derrotas, perdemos quase sempre, me deixam mais encantado, fascinado, interessado.Tem jogo do tricolor, estou com o rádio ou a tevê ligada. Sofro. Mas, vivo. O Grêmio me faz viver... Rai corta frase com a gargalhada. 'Ganhaste! Concordo, é paixão! Uma paixão que compartilhamos. Meu querido Mauro, hora de ir embora. Estou feliz por ter falado contigo, contado a história. Vou para casa namorar o telefone, esperar a ligação, ou curtir no meu canto a minha paixão.  Ouvir os meus blues  noite inteira. Até mais. Beijos na família. Até logo, Alemão". Recolhe a bengala e parte sorridente.
Também vou para casa. Caminhando e pensando em Rua Ramalhete do Tavito ."...Muito prazer, vamos dançar. Que eu vou falar no seu ouvido. Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido. Vamos deixar, tudo rodar, e o som dos Beatles na vitrola..."

PS: Aos que passam os olhos, aos que curtem, aos que compartilham, aos que comentam, aos que leem (todos os seis leitores!) um FELIZ NATAL E UM 2016 SUAVE.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Bons amigos futebol clube

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O coronel, o fugitivo e o manifesto

 

Mauro Pandolfi

Um dia de fúria! Era assim que eu imaginava 16 de dezembro. .A ocupação da CBF. Jogadores, Imprensa, torcedores tomando a praça. Clubes chegando  ao poder. A entidade caindo feito uma Bastilha. A revolução! Mas....Não sei se sou um idiota ou um sonhador? Nada aconteceu. Os dirigentes de clubes permanecem de quatro diante da CBF. Dos 40 clubes das séries A e B, apenas Avaí, Figueirense Chapecoense votaram contra a eleição do coronel Nunes. Convicção ou lealdade ao outro coronel, Delfim Peixoto? Doze clubes fugiram, ausentaram-se, escaparam da 'revolução'.  O que esperar de Eurico Miranda, Roberto da Nova, Paulo Nobre e outros menos conhecidos? São tão comprometidos com a estrutura canalha, são a própria estrutura, do futebol brasileiro.  A maioria das federações seguiram o 'pai', o chefe, o líder ou o financiador. Só um idiota acreditaria na transformação. E, para seguir o lugar comum, mais um gol da Alemanha!
Nos anos setenta do século passado o futebol era controlado por militares. Brigadeiro, almirante, general, coronel, capitães ocupavam cargos diretivos, funções na comissões técnicas das seleções brasileiras. Na CBD, antigo nome da CBF, até papagaio batia continência. Século 21, um coronel retoma o poder na CBF. E, pelo voto! Uma manobra hábil de Del Nero e Walter Feldman. Nunes é o dono do futebol do Pará. Lá, Remo e Paysandu enchem o Mangueirão nos clássicos. Estão há muito tempo longe da Série A. São clubes endividados e desorganizados. Os demais, inexistentes. São 'profissionais' nos estatutos. Esta é a designação exigida pela FIFA. O campeonato estadual do Pará é uma caravana da miséria, iguais aos outros. Coronel Nunes mantém o poder a base do chicote, do porrete. Este homem comandará o futebol quando Del Nero for preso ou renunciar. Outra vez, gol da Alemanha!
Marco Polo reapareceu. Na CPI da CBF foi muito Del Nero. Esquivo, ligeiro, soturno, cara de pau. Disse que "estava lá para contribuir com alguma coisa. Modestamente, quero contribuir". Garantiu que não viaja com seleção por orientação dos advogados, não por medo de prisão. Aposta que o FBI pode ter provas equivocadas. O senador Romário o chamou de 'corrupto, ladrão e mentiroso'. Del Nero não ficou abalado. Apenas comentou que "eu vou discordar disto tudo". Para ele, na CBF não há corrupção e nem pretende sair da presidência. "Não sou corrupto. Não vou renunciar", confirmou. Marco Polo Del Nero é destes homens que apegam as coisas, ao dinheiro, aos cargos. Por vontade própria, não sai. Precisa ser arrancado, puxado, destituído.
"Por uma nova CBF" é o título do manifesto apoiado por mais de 100 personalidades pedindo a renúncia de Del Nero. Há desde  o grande Tite (que ao assinar abre a mão da seleção brasileira com a escória que comanda o futebol), Bernardinho, Paulo Autuori, Alex, Rai, Fernando Prass, Rogério Ceni, e outros atletas e treinadores. Há artistas, como Chico Buarque, Dan Stulbach, Wagner Moura, Walter Salles. Alguns jornalistas, entre eles Antero Greco, Mauro Cezar Pereira,PVC e Tostão, são signatários do documento. Pelé e Zico assinaram. Estes dois, como ministros do Esportes, tiveram oportunidade de modificar as estruturas do futebol. Com a exceção da lei que acabou com o passe, nada fizeram. E, um punhado de oportunistas de sempre. Não gosto de manifestos. Uma vez, quando adolescente, os pais fizeram um para tirar uma professora que gostava. Sempre tenho dúvida na hora de assinar. Olho com atenção quem deixou a rubrica. Analiso o seu comportamento e a conduta. Discordo de uma 'nova CBF'. Sou a favor da extinção dela, das federações e criação de uma liga. A Seleção Brasileira que fique ao cuidado do Ministério dos Esportes ou de um conselho, como antigo CND. Risco de corrupção, cabide de emprego, nepotismo, aparelhamento? Sei disto! O manifesto é uma bola na trave da Alemanha. Pena que não altera o placar.

Quatro segundos


Mauro Pandolfi

O futebol é a melhor explicação para eternidade. Um segundo, um minuto, 90 minutos tem a duração da paixão, da emoção, do inacreditável, do impossível. Gols, lances, títulos permanecem para sempre. Na memória, na história, na saudade de um torcedor. O imponderável, o inesquecível, o mágico transformam-se em mitologia. São contadas de todas as maneiras possíveis. Como farsa, épica, fantasia. Meninos, eu vi! O gol mais rápido da história. Quatro segundos! Narro sempre, como uma lenda, para os filhos, sobrinhos, amigos. Poucos viram. Não há vídeo do gol. É quase clandestino. O autor é outro lendário. Albeneir Marques Pereira é um ídolo do Figueirense, um artilheiro do futebol, um herói da vida.
Era uma vez.... Um domingo perdido em 1986. Laguna, o lugar da história. Um campo pequeno cercado imitava um estádio de futebol. As arquibancadas, as mesmas do carnaval, estavam lotadas. Ao redor do gramado, na geral, a pequena multidão se apertava. Dia para ver o Figueirense de Albeneir. O time grande perdido na segunda divisão catarinense. Equipes em campo. Ritual é mantido. Aquecimento, entrevistas, sorteio de lado. Jogadores estão nas suas marcas, como num teatro. Todos atentos e distraídos. O goleiro do Laguna aquece na entrada da área. Zagueiros conversam. Narradores exercitam a garganta. Tudo uma festa.
Ninguém ligado ao jogo. Ninguém?.Apita o árbitro. Joãozinho dá um leve toque. Albeneir ajeita o corpo, chuta. A bola viaja alta, desce e aninha-se na rede. Nem Pelé fez um gol assim. O tempo que você levou para ler este texto até aqui, foi o tempo do gol. Quatro segundos! Meu relógio marcou cinco . A diferença está entre o gol e o olhar. O desespero do goleiro correndo atrás da bola é a melhor cena de Albeneir no futebol. Joel Passos, supervisor do Figueira, gritava eufórico: "Entendam porque é ídolo. Só craque faz isto!". Ele fez outros gols espetaculares. Como este, nunca mais!

Entrevistei Albeneir algumas vezes. Boas matérias. Falamos de tudo. Política, comportamento, rebeldia juvenil, futebol, vida. Ele era um jogador para hoje. Alto, hábil, veloz, boa técnica. A bola ia longa, pelo lado do campo, no vazio. Partia em disparada. O zagueiro saia na frente. Chegava alguns metros depois. Goleador em vários clubes. O maior deles, o Grêmio. Ídolo no Figueirense. ainda é adorado pela torcida. Albeneir foi menos do que poderia ter sido.
Larguei o jornalismo, o futebol passou a ser uma paixão via tubo. Albeneir e o gol de Laguna eram só uma história que gostava de contar. Um dia, Joel Passos comentou sobre ele e a dura luta contra o vício. "Ele está enfrentando um zagueiro pior do que encarou nos campos", disse. Na disputa contra o rebaixamento do Figueirense, este ano, escutei uma entrevista sua. Afável e esperançoso. Mais uma vez, Joel Passos me dá notícia sobre o goleador. "Está bem. Muito bem!", afirmou. No facebook encontrei uma amiga de adolescência e vi uma foto de Albeneir. Estava sereno, um pouco grisalho, discreto. Parece que marcou outro gol como aquele de Laguna. O golaço da vida.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O vazio do campo

Chiko Kuneski

Alquebrado, joelhos inchados, tornozelos sempre doloridos, dedos que mal fechavam nas palmas das mãos e que e dificultavam o laço das chuteiras, calçadas a um custo que somente a paixão explica, seguia o ritual. Cedo, entrava em campo.

Passos lentos. Já não tinha mais a velocidade dos jogos. Tentava deixa-los firmes, mas os infiltrados joelhos não obedeciam. Quase que perambulava sob o céu, às vezes de sol escaldante, às vezes da chibata da chuva. O inimigo não era o clima.

O maior castigo era o silêncio. As arquibancadas vazias. As traves sem véus. As linhas apagadas. Como sua história. Ninguém lembrava dele. Os garotos da escolinha olhavam apenas, sem imaginar sua gloria. Tinham os sonhos da fama, do deslumbre.


Mesmo assim tentava parecer viçoso. Ainda acreditava na descoberta de alguma chuteira com asas, do talento do drible, da fantasia do prazer de jogar. Precisava crer. Apenas as lembranças e essa crença o mantinham alí. Até que virasse um shopping center.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Linda madrugada foi aquela

Mauro Pandolfi

Eu tentei. Li a respeito. Vi dois filmes sobre o tema. Apelei para as orações. Implorei! Como está na moda escrever cartas, pensei em uma para o Papai Noel. Não existe, me dizem! Poxa! Neste momento Papai Noel era a única figura pública que acreditava. Não consegui voltar no tempo. O tempo tem o seu tempo. Se passou ficou lá. Ou, na memória. Se está por vir, espere. Só há o agora. Que pena! Queria tanto viver aquela madrugada outra vez. Suspirei por aquele 11 de dezembro. Sentir a angústia, o desespero, a esperança, o sonho, a vitória daquele jogo.   Grêmio x Hamburgo é meu jogo favorito. Rever a alegria no momento real. Mas, não deu. Sobrou a gravação do jogo. Não há mesma emoção. 32 anos se passaram. A vida mudou. Eu mudei. Acho que, também, gostaria de encontrar o Mauro de 1983. Ver Renato, De Leon, China, Tarciso, os amigos do jornalismo, a turma lá de casa, meu pai - um gremista silencioso e provocador. Saudades!
É uma vitória bonita. Épica, como são os nossos jogos. Vi o jogo, hoje de manhã, sem a aflição do torcedor. Nem uma lágrima escapou. O coração bateu tranquilo. O videotape tem esta magia de esconder a emoção.  Revela só o ocorrido. Retira o drama e a angústia. É o jogo pelo jogo. É a primeira vez que assisto com rigor analítico. Prestei atenção na estruturação tática. A habilidade de Valdir Espinosa em anular a movimentação organizada do Hamburgo me surpreendeu. Apostou na rapidez, nas bolas viradas de um lado a outro. E, tinha Renato. Quem tem Renato, não precisava de um time. Ele era o time.
Renato Portaluppi é o meu mito favorito. O grande ídolo ao lado de André. Tenho um filho que se chama André Renato. Nomes de dois grandes jogadores. Atacantes de história. Ele, o meu filho, detesta futebol. E, desconfio, também, o nome. Ou, no mínimo, a origem. Tinha 22 anos quando vi Renato pela primeira vez. Não acreditei que aquele ponteiro com tamanho de beque fosse um driblador infernal.  Eram os dribles que me encantavam. Renato tinha - usando a bela e precisa imagem de Chiko Kuneski - asas nas chuteiras. Nas brincadeira de bola, experimentava os dribles. Era a minha fantasia. Fiquei com saudades, outra vez! Ninguém sabe como voltar no tempo?
Este texto é uma homenagem aos gremistas. Nós descobrimos naquele 11  de dezembro que nada pode ser maior. Reafirmamos num novembro de 2005 quando sete homens marcaram um destino. É , também, uma referência aos meus irmãos Márcio e Mário. Parceiros nas tristezas e alegrias. Mas, é especial para o Mário. Ele tem uma opinião definitiva sobre Renato: "É melhor que Cristiano Ronaldo. Forte, habilidoso, completo. Craque! Era um jogador solidário. Não era egoísta. O time era ele. Mas, ele jogava para o time. Muito melhor que Cristiano Ronaldo!". Vocês já viram Cristiano Ronaldo com a camisa do Grêmio? Então, não há o que discutir.

O goleiro do gol

Mauro Pandolfi

O medo do goleiro diante do pênalti.  São onze metros para um 'fuzilamento'. Ele está sozinho. A rede não o protege. A rede espera ansiosa a bola. É um lance de olhares. De um predador. De uma vítima. Preparam-se. O goleiro mede o espaço da trave. Coloca-se no meio. Curva-se levemente. É uma preparação para o voo. O matador acaricia a bola. Caminha alguns passos. Prepara-se. Corre, bate e...! Uma cena banal do futebol. Quase todos os jogos acontecem. Mas, poucos vivem este momento nos dois lados. Rogério Ceni é um deles. Ele marcou mais gols do que defendeu  pênaltis. Não sei se é o melhor goleiro da história do futebol. É o mais fantástico.  Aos 42 anos está dizendo adeus a bola. Que pena!
O maldito. O anti-herói de um lugar que não nasce grama. O goleiro é a negação do futebol. Sempre foi tratado assim. Só é reverenciado nos milagres. É destruído no fracasso. Falhou uma vez e o time perde.  Acabou! Não há uma segunda chance. O centroavante desperdiça o gol. Chuta nas nuvens. Perde uma, duas, três. Aí, aproveita uma falha do goleiro, marca o gol da vitória. É herói. Rogério Ceni modificou a história do gol. Descobriu que o goleiro faz parte do jogo. Que o campo não é apenas a área. E, a trave não é o espaço solitário de um homem.  Inventou, criou, ousou. Virou artilheiro. Primeiro, os pênaltis. Conhece os segredos, os medos, as manias dos goleiros.  Foram poucos pênaltis perdidos. Depois, as faltas. Bolas rápidas, vigorosas, que subiam e  aninhavam na rede. Gols espetaculares. E, pensar que teve treinador que impediu Rogério de cobrar faltas. Um mágico!
Rogério Ceni é articulado e articulador. Líder e dono do vestiário. Enquadrou jogadores, técnicos e cartolas.  A sua personalidade foge do padrão brasileiro. O talento legitima as ações. Os títulos fortalecem o comando. Ele assustou os donos do jogo da Seleção. Nunca foi titular.  Só 17 partidas e pouco mais de quinze minutos numa Copa do Mundo. Mas, tornou-se um mito no São Paulo. Está no panteão dos grandes, ao lado de Yashin, Banks, Mazurkiewski, Buffon.... E, para  um gremista, Danrlei!
Rogério Ceni não é um goleiro que sabe jogar na linha. É um armador que preferiu o gol. Uma saída de bola precisa. Passes milimétricos. "O mais habilidoso dos goleiros", escreveu Tostão na Folha de São Paulo.  Um quase líbero. Esbarrou na mediocridade e covardia dos treinadores brasileiro que não aproveitaram a sua técnica. Deixaram restritos as bolas paradas. Rogério Ceni foi preterido por bons goleiros na Seleção. Normais, comuns, que não acertavam um passe de cinco metros. Rogério Ceni é um artilheiro fabuloso. Marcou mais gols, 131, do que a maioria dos atacantes que jogam no Brasil.  Eu sou fã de Rogério Ceni. O mais moderno jogador  dos últimos tempos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Desterro



Mauro Pandolfi

A bola escapa para a linha de fundo. O tempo vira ilusão. Os olhares são de desespero. Atônitos e perplexos. As mãos juntas, entrelaçadas, oram por um milagre, um descuido, um acidente. A bola volta ao campo. O árbitro junta as mãos, ergue-as e assopra o apito. Fim da agonia. O choro libera o desespero e a angústia. Não há o que fazer. Gritar, espernear, xingar. É só catarse. Nada mais! O rebaixamento é um túnel sem sinal de luz. Há só sombras, que se movem na escuridão. São fantasmas? Zumbis? O futebol não é walking dead. É um jogo de vida. A 'morte' no futebol é só o recomeço da vida.
Há um bom tempo, num encontro do pessoal que cursou História, meu querido amigo Daniel, que partiu antes do combinado, questionou-me sobre o rebaixamento. "O que sentiste quando o Grêmio caiu?", perguntou. 'Nada', respondi. Daniel tomou um gole de conhaque e explicou: "Eu estou nervoso, triste, quase deprimido com aqueda do Vasco. Nada do que faço dá certo. Estou sem paciência". Tentei conformá-lo, dizendo que a segunda divisão é maravilhosa. "Seu Vasco vai vencer mais do que perder. Será campeão!' E, foi!
Fui embora caminhando, pensando no temor do Daniel. Então, percebi. Futebol é um pouco mais que nada. É só a vida. Lembrei-me do Grêmio na segunda. Como foi dolorido aquele ano. Triste e pesado. Fiquei insatisfeito, reclamão, brigava por qualquer coisa, qualquer motivo. Foi instintiva tristeza. Não tinha percebido a magia e a 'desgraça' do futebol. Nunca entendi o que aconteceu. A Batalha dos Aflitos me libertou. A vida volto u. E, fiquei com medo do futebol. Adoro a poesia do jogo. Mas, estou atento ao lado nefasto, perigoso. Afinal, Batalha dos Aflitos é só uma.
Não vi os vizinhos do andar de baixo. Domingo, após a rodada, o apartamento estava silencioso, escuro, triste como a queda do Vasco. A  segunda divisão é só um recomeço. Dolorido. Mas, é inevitável.  Títulos, rebaixamentos, vitórias, derrotas passam, são passageiros. A única coisa eterna no futebol é a emoção, a vida. Afinal é um teatro de grama e paixão.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Uma história desconhecida

Chiko Kuneski

Na chamada para o Esporte Espetacular, da Rede Globo, desse domingo para marcar os 15 anos da conquista do topo do tênis internacional como o primeiro do mundo, Guga diz que sempre terá uma história desconhecida ou uma “joia” da carreira para ser lembrada. Prefiro as inéditas.

Guga era o segundo melhor tenista do mundo. Já tinha escrito seu nome em Rolland Garros, na história do tênis internacional e, principalmente, brasileiro. Era um ídolo para quem praticava ou admirava o jogo de raquete. Eu estava desbravando. Começando a trazer o tênis sobre cadeiras de rodas, junto com a Associação Florianopolitana de Deficientes (Aflodef), para Florianópolis. Mesmo sem idade de iniciante.


Talvez tenha sido uns dos primeiro catarinenses a pegar numa raquete e jogar tênis em cadeira de rodas, não posso garantir, e, confesso, motivado pela beleza do jogo de Guga. Mesmo sendo deficiente físico sempre gostei de esportes. Futebol, primeira paixão, inevitável para qualquer menino, vôlei, pelo talento das nossas seleções da década de 80 e 90. O tênis entrou no rol pela “geniosidade” de McEnroe. Quem se indignava tanto com seu próprio erro merecia ser assistido. Era um obstinado. Um vencedor. Um gênio genioso.

Em Guga vi outro gênio. Mas com a mesma obstinação. O “manezinho” já era o segundo entre os 10 melhores da ATP, mas continuava com seu espírito manezinho. Ídolo brasileiro, que quebrou paradigmas esportivos, cultuado, tinha tempo para incentivar o tênis, até das práticas desconhecidas como sobre cadeira de rodas, e usar seu poder midiático em prol da causa da igualdade social dos deficientes.

E foi assim, numa Feira da Esperança da APAE de Florianópolis, numa quadra improvisada do CentroSul, no Aterro da Baía Sul, que encontrei Guga “face to face”, separados por uma rede. O segundo melhor tenista do mundo à época trocou bolas com um cadeirante iniciante. Igualou-se. Sentiu a diferença dos movimentos. Das rodas substituindo os pés.

No Final da exibição peguei a bola trocada e pedi seu autógrafo com um sorriso maroto:
- Pode assinar Guga? Quando fores o melhor do mundo esse autógrafo vai valer muito.
Ele sorriu, menino, e devolveu de bate pronto:
- Então agora não vale nada

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Dez anos!


Mauro Pandolfi

Impossível! O substantivo masculino do imponderável se transmutou em um outro extraordinário: Inacreditável! Há dez anos, um guri de 17 anos provocou esta mudança no léxico.  Anderson andou, flutuou, driblou zagueiros, entrou na área, deslocou o goleiro e transformou um simples gol numa façanha épica, eterna, contada como fantasia em todo mundo da bola. A Batalha dos Aflitos é o momento em que os gremistas descobriram que Cândido Dias inventou em 15 de setembro de 1903 foi a alma. O futebol é o elo que une as almas negras, azuis e brancas.
71 segundos tem o tempo da magia. Do pênalti defendido por Gallato ao gol de Anderson. Do medo, desespero, desconfiança, vergonha para a alegria, o prazer, a mistificação. Sete homens e um destino. A libertação da dor gremista. A fuga da 'humilhante' segunda divisão. É a grande vitória do Grêmio. Não é a maior. É a   mais impactante. O título é irrelevante, até desnecessário. A conquista é fantástica, mítica. É a nossa glória. A imortalidade cantada no hino é materializada.  Esta Batalha é o maior drama contado no teatro de grama e paixão.
Mas, é também a marca da nossa 'tragédia'. Somos reféns do feito. Esperamos sempre que se repita. Um lance, um pensamento mágico nos libertará, outra vez. O meu amigo Rai Carlos, o vidente cego, afirma que o Grêmio voltará a ganhar títulos quando deixar de ser imortal. "O novo só vem quando o velho vai embora. Para renascer, tem de morrer. O imortal é eterno. Vive dos feitos antigos. Só com fim do Olímpico e a Batalha dos Aflitos se tornar somente história, seremos campeões", afirma. Como um feito deste não ser eterno? Impossível! Inacreditável torná-lo algo mortal!.
Era sábado. Quente, muito quente, infernal. Fim do sufoco. Liberdade! A volta! O dia do casamento da Ellis e do Guido. Era o padrinho. O terno já estava separado. O jogo corria forte. Pedro e André, pequenos, saudades daqueles dias!, assistiam comigo. A Elaine estava se arrumando. Bisbilhotava sorrateira os lances. "Quanto tá?", perguntava. Veio a confusão. Parei. Um expulso. 'Meu Deus', exclamei. O pênalti. A segunda expulsão. 'Ferrou!', falei. A terceira expulsão. "Calma, pai!", diz o André. A quarta. 'PQP!', berrei. A Elaine veio até a sala. "O que foi?", quis saber. Contei. O pênalti vai ser batido. Silêncio. O jogador corre, bate, Gallato ... defende!!!. Vibramos! Nem deu tempo de gritar. Anderson está dentro da área....é golll! Pulamos, gritamos, saltamos, nos abraçamos. As lágrimas escapam. "Vou estragar a maquiagem", choramingava a Elaine. O bom senso dela não deixou eu ir ao casamento com a camisa do Grêmio. Lá, encontro o Márcio e o Mário. Abraçados, cantamos o hino. O dia de futebol mais emocionante de nossas vidas. Nada será maior.
Dez anos! O tempo passou. Vivemos tantas coisas. André e Pedro são adolescentes. Não gostam de futebol. A Elaine continua bonita. O Mário, o Márcio e eu ainda nos encantamos com o futebol, nem tanto com o Grêmio. A bola ainda me seduz. Vibro, suspiro pela bola bem tratada, bem jogada. Um belo jogo de futebol é uma das melhores aventuras da vida. No entanto, quando escuto o nome A Batalha dos Aflitos o coração dispara, aflige, machuca. Me sinto mais torcedor, amante tricolor, um imortal. Eu sou um highlander gremista. "Até a pé nós iremos......"!

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A grande dicotomia

Chiko Kuneski

Qual a diferença de comentar e analisar? O conhecimento. Por isso não existem analistas no futebol. São comentaristas. Tecem conceitos do jogo dentro do censo comum. Alguns parecem até meros participantes de mesa de bar: torcedores. Comentar é simples; analisar requer mais do que apenas o óbvio.

A dicotomia está nisso. No óbvio.

O analista vê e reconhece o óbvio, mas dele não fala. Não há necessidade de falar o que todos já sabem. O que todos já viram. A análise não tem espaço para torcer. Dizer o óbvio é expressar, sistematicamente, ou falta de conhecimento; ou soberba. O soberbo sempre fala de si mesmo e de seus pontos de vista.

Esse é o comentarista. Esses são os comentarias do futebol. Sem conhecimento para uma análise do tridimensional do jogo, se limitam ao plano. Usam, na maioria das vezes, apenas a prática para sobrepujar a teoria analítica. Dizem somente o que acham, sem mensurar se quer o conjunto. Jogam junto.


A limitação de comentar materializa-se na falta do abstrato. Tudo é plano. Tudo é um plano. Ardiloso para esconder o que não se sabe com a falsa ideia de que de tudo se entende. E ai o óbvio se sobrepõe à capacidade analítica. Pela necessidade do óbvio.  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A dor, a esperança, a vida


Mauro Pandolfi

O futebol é pouco mais que um gol. É encanto que seduz a alma. Envolve corações e mentes. Não é só espetáculo. É bem mais que teatro de grama e paixão. Também, não é apenas um jogo arriscado e fascinante. O vencedor nunca terá a eternidade, a glória definitiva. O derrotado nem sempre perde só a partida. Às vezes, o rumo, a ideia. A derrota pode ser momentânea e transformada em vitória instantes depois. Futebol é  pouco mais que nada. É o melhor olhar que tenho sobre a vida, como decifro a existência, a minha, é claro! Domingo, melancólico na frente da tevê, assistindo os gols, entendi a dor e a delícia da vitória, da derrota, da superação, da esperança, da irritação, do medo, da revolta.
A queda para a segunda divisão é uma dor avassaladora. Cortante, profunda, que deixa marcas na alma.  Sentimento que pede abandono. É a tristeza incurável.  Solidão doída. Rejeição a paixão de uma vida. Negação de identidade. Quem nunca sofreu a queda não entende o processo, o milagre da vida, do futebol. Só tempo ameniza o sofrimento. A desgraça vai se revelando não ser trágica.  A 'tragédia' no futebol  é uma farsa que lembra as gregas, de Nelson Rodrigues, de Shakespeare. São de dores na alma, não físicas. O tempo vem. Outros jogos, novos campeonato, vitórias, a vergonha superada, a glória reinventada e o grito libertador na garganta. Como é mágico o futebol!
No prédio onde moro há uma família de vascaínos. Gente alegre, festeira, bem humorada. No último encontro no elevador, estavam silenciosos, tristes. O pequeno vestia orgulhoso a camisa do Vasco. 'Difícil a situação de vocês, hein? falei. O pai, não vou revelar os nomes, pois não pedi autorização deles, me olhou quase chorando. "Outra vez, não! A gente sofre demais. Os parentes e os amigos não perdoam", reclamou. O filho maior concordou. "Vou torcer só para os times de fora se o Vasco cair". Hoje, ao sair para o trabalho, encontro eles. Há sorrisos. "Vamos escapar", repetem em coro. Esperança, desejo, medo, vergonha, dor, tristeza, superação. O futebol é pouco mais que nada. É só a vida!

sábado, 21 de novembro de 2015

Futebol é Shakespeariano

Chiko Kuneski

O futebol não é apenas entretenimento, como alegam alguns, nem uma guerra de nações, como apregoam outros. É um teatro com palco de grama, magnificamente definido pelo jornalista Mauro Pandolfi num de seus textos do blog Crônicas por Tubo. E, como todo teatro, começa na qualidade dos atores que materializam um script bem escrito, com ensaios exaustivos e, finalmente, atuações encantadoras, quando o individual rouba a cena.

Mas o futebol é um teatro participativo. A plateia não se limita a assistir, analisar, aplaudir ou vaiar. A plateia é coadjuvante. Às vezes vira “escada” para que os atores melhorem sua interpretação. O torcedor é a retumbância. O calor. A paixão.

Como no teatro, o futebol é apaixonado e apaixonante. Shakespeariano na essência. Tem romance. Tem drama. Tem comédia, mas, acima de tudo, é feito de tragédia. Do sofrimento. Da paixão desenfreada. Shakespeariano do começo ao fim.


O futebol reúne o teatro completo. Num bailado treinado no passe perfeito. No musical dos coros das torcidas. Na emoção do riso do gol; do choro do gol. Mas, acima de tudo, é o teatro mais completo no poema recitado no monólogo do drible. 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tonelada

Mauro Pandolfi

Noel Caminha percorreu todas as entranhas do futebol. Seus passos estão marcados nos vestiários, gramados e burocracia.  Foi um ícone no campo e na estrutura do esporte. Trabalhou no mundo e navegou no submundo da bola. Viu tudo. Craques, times espetaculares, subornos, títulos ganhos, perdidos. Noel Caminha é um sinônimo de futebol. É, também, um hábil contador de histórias.  Prefere a do 'mundo', a divertida, a épica.  Mas, há momentos em que revela o 'submundo'. São raros. Começa e para.  "Tenho família!", justifica'.  Na semana passada entrei no boteco do Ilgo em busca de uma coca de dois litros e o vi. Rodeado de amigos contava historias. Fiquei encostado no balcão, ouvindo. Sempre espero que Noel conte alguma falcatrua que viu, ouviu ou participou. Não era. Era do tempo de treinador de base.
"Eu tive dois grandes na minha mão. O Naldo era jogador de hoje. Espetacular! Jogava na defesa, na armação e concluía com precisão. Um craque. O outro foi o Celsinho. Muito habilidoso. Um domínio de bola, do lance e uma visão periférica que nunca vi na vida. Trocaram o Naldo pelo Walmor e o Alcebíades. Lembram disso? Pois, os bondes foram para o time de cima. Eu fiquei sem  o melhor jogador do meu time. Perdemos o primeiro turno. E o segundo turno estava no fim. Um ponto atrás e tinha o clássico. Não tive dúvida. Escalei o Celsinho.Tu é louco, Noel? Vai colocar o guri numa fria? me diziam.."
E, não era? perguntou um dos ouvintes.
"O futebol é assim, meu caro! Apareceu a chance, tem de aproveitar. O bom, jogador surge em jogos leves. O craque na pedreira, na podre, na dificuldade. O Celsinho tava pronto. Fomos para o jogo!"
Noel faz uma pausa. Pede mais um bolinho e bebe o copo de cerveja. Faz um suspense, um charme.. "Deixa de enrolar. Conta logo!", pedem os ouvintes.
Cara de brabo, Noel não gostou da pressão. Ele tem pouco mais de um metro e meio. Mas, é tinhoso, atrevido, brabo e não tem medo de nada. "Calma, porra!  O meu time era muito bom. Defesa firme, agressiva, que chegava junto. Do meio para frente, era um espetáculo. O melhor era o Celsinho. A equipe do Silva era rápida, veloz e não fugia do pau. E, jogava pelo empate. Quando vi que o juiz era o Cunha, entrei em desespero. Eu queria o Mangueira. Ele era dos nossos. O Cunha, sobrinho de um sargento da Marinha, era o xodó da federação, esperança e amigo do Silva. Pensei, tô fodido!....
A história é interrompida por um velho amigo de Noel. É Rui, antigo centroavante dos times dele. Se abraçam, trocaram gentileza até que que alguém reclama. "A história Noel, parou aí?" Noel dá um sorriso, um sinal com as mãos de calma e pede uma cerveja para o Rui. "Silva não conhecia o Celsinho. O guri começou barbarizando. Ocupava todo o campo, confundindo a marcação e já tinha metido uma bola na trave. Silva levantou do banco, chamou o Manuelzão, seu beque, e mandou baixar o sarrafo no Celsinho. Ele apanhou um monte. No chão, com pontapé, até admito. O Cunha só mandava seguir o jogo. Aí, o lateral dele apelou. Deu um soco na boca do Celsinho. O Cunha marcou falta de dois lances. Entrou médico, o jogou parou e chamei o Simão, meu centroavante, e disse: tu vai deixar o teu amigo apanhar assim? Dá também, porra! Pode deixar, chefe! falou ele. O jogo recomeçou. A bola foi para a área. Simão disputou com o Manuelzão. A cotovelada foi bonita, certeira, disparou sangue para todo o lado. Cercaram Simão e o Cunha já veio com o cartão vermelho na mão. Porém, não ergueu..."
Noel parou. Ele é assim. Vai contando em capítulos. Percebe a audiência, se todos estão interessados na história, continua com detalhes ou termina rapidamente se os ouvintes não dão muita bola. O bar estava todo ao seu redor. O Alemão, dono do boteco, é quem pediu. "Poxa, Noel! Termina a história!". Noel passou os dedos no bigodinho fino, estufou o peito e emendou: "...invadi o campo. Fui para cima do Cunha. Dedo em riste, na ponta do pé, o cavalo do Cunha tinha quase dois metros, fui falando: Tu é safado, ladrão, sem vergonha, tá na gaveta, ordinário, filho da puta, vou te encher de porrada! Dá arquibancada eu escutava: dá nele, seu Noel! Dá na cara que a gente ajuda! Levei ele de área a área, xingando e disse tu não vai expulsar o meu garoto, tá ouvindo? Se expulsar, eu te quebro! O Cunha tava assustado, com medo da minha reação e da torcida. O Cunha me empurrou e disse: vou dar amarelo para o jogo continuar. A próxima, expulso. O jogo retomou, e ficou calmo. Ele tava de olho no Simão, louco para expulsar. Então, chamei o Tonelada. Um galego de 1m88cm, mais de 115 kg. Um touro de forte. Gordo demais. Gente muito boa. Usava a camisa 15. Era a única que servia. Ele ficava espremido, ensacado, a barriga aparecia. Um bom atacante. Dei duas instruções. A primeira foi para ele avisar o Cunha. Se tivesse uma expulsão, apanharia lá fora. A segunda, vai com tudo".
A história fluía bem. Noel garantia a audiência. Mais uma cerveja, ele desatou a falar. "O jogo tava terminando. O Silva armou uma retranca para segurar o empate, que dava o título. Mas, a bola gosta do carinho. Caiu no pé do Celsinho na esquerda. Driblou o lateral e cruzou no meio da área. Tonelada entrou com tudo. De cotovelo no zagueiro, empurrou o goleiro com a mão e cabeceou para a rede. Os três se embolaram no chão. Mesmo caído, olhou para o Cunha apontando o centro. Golaço! Na saída, ele terminou o jogo. Aí, foi a vez do Silva complicar . Não gosto de gente que não sabe perder!"
'E, o seu time foi campeão, Noel?', perguntou alguém. Ele riu  feliz. "Claro! Aquela equipe ficou mais de cem jogos invicta. Ganhamos a final.." Eu interrompi: quem foi árbitro?  Noel respondeu: "O Mangueira, é claro!" Todos riram. E, já saindo do bar, perguntei: quanto custou o título? Noel riu mais ainda. "Porra, Mauro, tem parar com esta mania de achar que sempre subornei juiz. Ei, Alemão, uma rodada de cerveja para todos!".

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Crônica temporal

Chiko Kuneski

Os deuses do futebol certamente estavam irados. O acerto não deu certo. As apostas sucumbiram. Seria o jogo das Américas.  Mas faltava um semideus. Do alto. Do campo de botão celeste resolveram fazer uma mesa redonda. O retângulo é para os mortais.

- Usted tiene la espalda de uno; pero tenemos una falta de outra!

- Não é nossa culpa. Se está, está; se não está; não está! Tenho habeas corpus para estar não estando ou não estar estando. Entendeu?

- No entiendo esa afirmación!

- Entende... Você apenas quer “melar” o jogo!

- Y quiere lavarse las manos!

- Se assim você prefere, por fazer de uma ausência uma milonga americana, lave você!

- Así que, si quieren, llueve.


- Por isso gosto desse jogo. Ainda somos os deuses do futebol americano. 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A bola gosta da pele

Chiko Kuneski

A bola não rola; quica. Mas o pé descalço entende o movimento. Dela, do quique, do momento. Pé do chão. Pé do chão. A bola não importa. É importada. Não é sua. É uma bola do outro, do dono da bola. Do dono  de um jogo. Do ditador das regras.

Quatro pés. Uma bola. Um só domínio. Dois meninos. De um lado o sentido da terra, barrenta, molhada e escorregadia. Do outro, da firmeza das travas. Da chuteira. Quatro pés. Duas ideias. Dois ideais.

Logo a bola mostra que não tem dono. Matreira, quica. Aproveita a lama e fica escorregadia. Sempre acha o espaço para escapar de quem pensa que é sua. Gosta de carinho. Do envolver. Da suavidade. Do movimento. Prefere o toque íntimo. O desejo por ela; não pelo mero couro grifado.

Por mais que a negociem. Vendam. Comprem. Tentem se apoderar, sua circunferência escapa dos que se acham donos. Dos que acham que mandam. Dos que pensam tê-la para ter o comando. A bola é traiçoeira demais para o subjugo, o falso agrado. A bola prefere o carinho do trato. A bola prefere pele. 

O candidato


Mauro Pandolfi

Pelé  é único? O mundo futebol não admite outro. Sempre tem um argumento para derrubar quem ameaça o trono. Garrincha era só um driblador. Jogava pelo lado, para torcida, era só a alegria do povo, afirmam. Maradona tinha talento transpirando por todo corpo. Cabeça, pés e mão.  Só tem um mundial, dizem. Messi é autor de lances impossíveis, extraordinários, mágicos. Não conseguiu uma Copa, declaram. Há tantos, de tantas vozes, cores e ilusões. Não tinham a técnica, a condição atlética, a habilidade, o talento. Agora há Neymar. Tem a mesma origem. O mesmo sorriso. E, faz gols que Pele assinaria. Será que Neymar é um candidato a Rei? As suas fotos já decorram quartos de jovens que gostam de futebol, de estrelas, e celebridades.
O drible é um fascínio para muitos que amam o futebol. Eu prefiro o passe. Chiko Kuneski trata o drible como arte. Criou uma expressão precisa do driblador: asas na chuteiras. Neymar é um atacante alado. O futebol é um jogo de olhares. No inicio do lance, Suarez e Neymar jogam com os olhos. Suarez lança no vazio. Encontra Neymar. O espaço é exíguo.  A bola vem rápida.  O pensar é mais acelerado. O toque é surpreendente. A bola sobe girando sobre seu eixo. Um parafuso. Neymar gira o corpo. A bola no alto. Um chapéu ao contrário.  Driblou e foi driblado. Um lance pensado, instintivo,  criativo. A bola desce rumo ao seu pé. Um sem pulo certeiro que termina no fundo da rede.  Um gol fantástico.  Um gol de gênio.  Um gol de Pelé, Maradona, Messi e todos os grandes. Um gol de vinheta. Um gol deste tempo líquido que será eternizado.
O mundo é dos jovens. O tempo é juveniilista. O amadurecimento é quase uma fantasia. O corpo tratado, malhado, obcecado pela eterna juventude. Como os nossos heróis são cada vez mais jovens, o comportamento do mundo  acompanha. Somos todos adolescentes. Mimados, inseguros, revoltados. Neymar  é, ou já foi, um deles. Brigou com técnicos, com companheiros, xingou e agrediu adversários. Festeiro e milionário. O Barcelona sem Messi ficou com medo. Quem assumiria o comando? Neymar se apresentou. Mudou o cabelo, treinou mais, assumiu a tarefa. Tem carregado o time. O gol é o amadurecimento de um craque. De alguém que sabe o talento que têm, o tempo da jogada, a certeza do lance. Neymar foi preciso e mágico. Neymar é o melhor jogador surgido no Brasil após o tri de 70. O mais genial. Quem diria que o 'filé de borboleta', como  chamava o obscuro Luxemburgo para não escalá-lo, tornou-se um raro exemplar de lepidóptero com belas asas azuis e grenás nas chuteiras.

domingo, 8 de novembro de 2015

Os milhões e as migalhas

Chiko Kuneski

Escrevi pela primeira vez uma crônica pelo título. Acho que estou deixando de ser jornalista para viver de economia. Ou de economias.

O locutor foi categórico: “o segundo lugar no brasileirão vale R$ 6 milhões”. E continuou... “o terceiro lugar R$ 4 milhões”. Não falou do campeão (prêmio de R$ 10 milhões).

Meus meros reais suados no dia-a-dia para comprar um ingresso e ir a campo, ou adquirir o direito de ver e ouvir tudo isso “por tubo”, são insignificantes. O torcedor nada mais importa. O jogador é para ser expor, se exportar, se importar ou se deportar. O torcedor para pagar.

Somos brasileiros, torcedores , cada um com suas cores, com suas alegrias, alegorias e suas dores, os milhões que viraram milhões.  O futebol virou negócio. Negociável. Não é mais a conquista. A medalha. A marca no peito. O qualitativo é quantitativo.


A glória da conquista está no banco. Nos bancos fora de campo. A firula é contábil. O drible jurídico. O passe pagável. Já falta “pão e circo” nas modernas arenas. Nada mais é de graça. A desgraça chegou ao seu limite: do orgulho desfeito. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A queda


"A mentira é a verdade que esqueceu de acontecer"
Uma delicadeza de Mário Quintana.

Mauro Pandolfi

A mentira não é uma farsa. É uma história bem urdida, pensada, planejada, contada.  Tão bem recitada que é uma verdade. O mentiroso acredita nela. Mentiu antes da eleição. Criou uma situação irreal para justificar o real. O grande, o maravilhoso Brasil tem um destino: a glória suprema. Mentiu ao tomar posse. Negou verdades, justificou atitudes e tergiversou a crise. Mentiu sempre!
Mentiu quando viajou. Contou bravatas fora do país. Mentiu ao negar fatos. Sonegou informações sobre o seu mentor e o antecessor. Dividiu fortunas com eles. Quebrou a ilusão da grandeza. O grande evento foi uma imensa derrota. Mentiu naquele momento!
Mente hoje. Foge com medo. Isola-se. Teme o vice. Tão ardiloso como ele. Tão repugnante. Tão devasso. O mentor é um canalha. Os filhos não o renegam. Enriqueceram de forma vil. Mas, ainda mantém, nem tão distante, uma relação com ele. São parceiros nos negócios, nas falcatruas, nas mentiras.
Nunca defendi claramente  o impeachment. Agora, defendo. Não falo em basta ou chega! Lembrou-me dos jornais em 1964. Não sou golpista e nem de direita. Defendo a lei. Defendo a justiça. Digo não para a  impunidade. Não mais favorecimento. Quero transparência, respeito a todos nós que vivemos a paixão. Não há mais lugar para você. Tenha o mínimo de respeito e dignidade. Vá embora! Deu! Não aguento mais olhar o seu rosto pútrido, de sacana, de safado.
Concordo com Alex, o craque de tantos times. Chegou a hora de tomar de assalto a cbf. É necessário resgatar a bandeira do futebol. De reinventá-lo. Desejo novas eleições na entidade. Defendo a queda de Marco Polo del Nero, este 'fugitivo' da justiça americana e protegido pela brasileira.  Que a lei alcance Ricardo Teixeira, Joana Havelange e João Havelange. Lamento que José Maria Marin fique em prisão domiciliar em Nova Iorque. Aliás, a fiança não é uma propina legalizada? Que os patrocinadores da CBF imitem os da Fifa. Saiam e tirem este abutre do lugar. E, que seja substituído por  Alex ou algum outro sonhador. Ou, quem sabe, exterminem a cbf e criem uma liga.
Este texto é uma ilusão de ótica? Pode ser! O poder, e os donos do poder, de toda as instâncias, de todos os cargos deste país, são miméticos, gêmeos no clientelismo, nos conchavos, no patrimonialismo, nas mentiras contadas como verdades.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um tango para Diego

 Mauro Pandolfi

"Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao
No ves que va la luna rodando por callao
Que un corso de astronautas y niños, con un vals
Me baila alrededor. Baila! Veni! Volá!"
"A balada de um louco" de Astor Piazzolla pode ser um tango para Diego.

Maradona e a bola. O futebol sempre foi e será uma fantasia. Ele dá uma media volta e segue a bailar. O canto da torcida lembra uma orquestra executando um tango. Desliza no gramado para o longo caminito. Mano a mano enquadra um rival. A bola é la cumparsita. A esquadra inglesa é envolvida pelos movimentos rápidos e elegantes. Os muchachos acompanham a dança. Vê o zagueiro e arma o gancho. O ultimo movimento é um corte no goleiro.  A bola na rede é o derradeiro verso do tango, berrado em plenos pulmões no estádio Azteca.  Diego Armando Maradona é o tango jogando. Lírico, encantador, dramático.  Aquele gol é arte. Sublime arte. Arte eternizada pelo narrador uruguaio Victor Morales. Ele cantou assim:"....Quero chorar! Deus Santo! Viva o futebol! Golaço...Diegool! ....Maradona é para chorar. Maradona numa corrida memorável. A maior jogada de todos os tempos!....Graças Deus! Pelo futebol! Por Maradona! Por estas lágrimas!..."
Futebol e guerra. O simulacro perfeito. Cores, símbolos, países. O campo e a batalha. O imaginário foi tão real na copa do México em 1986. A Inglaterra humilhara a Argentina nas Malvinas.  O conflito suicida armado por um ditador louco e desesperado. Dor, sangue, lágrimas, jovens mortos. O futebol como revanche. Diego Maradona como o comandante supremo. Liderou a batalha, venceu com fúria. Um gol estupendo e uma falcatrua típica latina.
'La mano de Dios' é a sua obra mais famosa. O lance que faz o transitar em sagrado e o profano. Entre deus e o diabo.  Entre a glória e a desgraça.  Entre a vida e a morte. Maradona é o mais trágico personagem do futebol. Também, o mais genial.
Diego Armando Maradona é a ponta mais aguda do tridente nascido em outubro. Há algo de Pelé, muito de Garrincha. Diego é prosa e poesia. Diego é o futebol. Foi um gênio precoce. Um adolescente atrevido. Um adulto problemático. Um velho a beira loucura. Maradona é um homem complexo. Viveu a lucidez, a glória, a fama, o fundo do poço.  Foi excluído como um pária.  Reintegrado como um Deus. Desafiou a ordem, rebelde que transitou a margem no futebol. Flertou com a máfia, com ditadores, com drogas e com a morte. Maradona é o melhor representante do fim do século xx. O ídolo da minha geração.  Um mito. Uma lenda. Um homem. Tão humano, tão frágil, tão estúpido, tão divino.

sábado, 31 de outubro de 2015

Aí...doeu!

Chiko Kuneski

Será que doeu? Deve ter doído. Pancada dói. Desde a infância. O choro é livre. Liberta a dor. O choro penaliza. O grito aterroriza. A contorção emotiva. Junte cara de dor, grito de dor com movimento de dor. A cena do teatro realiza.

Parece infantil. É infantil. A pantomima remete ao infantil. O logro da dor fingida é infantilismo.

O futebol deveria ser adulto. É a reinvenção da batalha campal. Sem mortes. É disputa de espaço. É a tática de movimentação. É opor corpo no corpo a corpo. É o esquivo inimaginário. O drible. A vitória sem armas. A defesa fundamental do escudo carregado no peito. Da conquista que leva à honra. No campo não cabe dores imaginárias e infantilizadas para enganar.

No Brasil o engano virou defesa. Enganar é justificar o erro. Voltamos a ser crianças sem conceitos morais e éticos. Ao logro tudo é permitido. Caia, chore, finja, se contorça, engane. Grite! Sua dor é paralisante do real. Que venha a ajuda da “água mágica” e fundamental. Teatralize.

Real parece ter virado mera fantasia a ser discutida. Atualmente tentam fazer dele algo a ser “desrealizado” na mentira. A pantomima virou moeda nacional. Também usada nas teatrais dores não sentidas, teatralizadas por canastrões contorcionistas que estão matando o real do nosso futebol. Real virou imaginário. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Asas do desejo

A minha volta para o futuro



Mauro Pandolfi

O tempo é fascinante. Eu gosto de brincar com ele. Rever o passado, mudá-lo e inventar o que vem por aí. 'De volta para o futuro' é o melhor filme sobre o tempo. 21 de outubro de 2015 foi o dia que McFly chega ao futuro. Eu voltei de um outro tempo, de um outubro, de 2045. O que vivenciei revelo a vocês.
A nova etapa da 'Lava Jato', a 598º operação, chamada de 'Quo porra est?', alvejou a Roubobrás, estatal criada para concentrar toda a corrupção. O investigado é o senador Cunha Neto. "O Porsche encontrado na minha garagem  é herança do meu avô. E, quem deu para ele foi Jesus", explicou o parlamentar.O presidente do Senado, José Sarney, já confirmou que não há risco de cassação.
O presidente Lulinha 3º lançou um plano para exterminar com a inflação, baixar os juros e acabar com a corrupção (não vale rir, viu?). Mudou o nome da moeda. Agora, é Pixuleco (P$). "É uma homenagem ao meu avô", explicou o presidente. A moeda de P$ 3,00 tem a efígie do Lula de um lado; do outro, um ramo de café. Um litro de gasolina custa P$ 1,02. O tanque cheio vale  P$ 40,80. Já para comprar um executivo da Petrobras é necessário milhões de pixulecos. Não mudou muito, não! 
E, a cbf? Há 30 anos que ninguém entra, ninguém sai do prédio. O presidente Del Nero vive trancado na sua sala. Ele confidenciou para alguns amigos que 'aqui o FBI não entra. Estou seguro!'. No entanto, pela entrada lateral, sempre belas garotas visitam o ermitão cartola. Ele tem muito medo. Porém, não é bobo. Ou, é?
Eurico Miranda Neto afirma que o 'Vasco não será rebaixado". Ele defende uma nova virada de mesa. 'A série A pode ter 362 times. Só assim o futebol brasileiro será bem representado. Um jogo por dia. Menos no carnaval, pois ninguém é de ferro", sugere. Sem virada, Miranda Neto já reservou passagem para a Sibéria, onde irá morar com o avô e o pai.
Depois de 30 anos, finalmente as águas do Guaíba vão baixando. E, surgem ruínas que lembram um estádio de futebol. "É uma lenda urbana de que na beira do lago teve um time. É só mito", explica o historiador Eduardo Bueno, o Peninha. O presidente do Grêmio, Fábio Koff 5º, quer organizar um torneio com o Grêmio Maringá e o Grêmio Cachoeira. "É uma homenagem ao nosso técnico Roger Machado", explica. O treinador de quase 100 anos fez uma promessa de só deixar o clube após o Grêmio ganhar um título. "Como um Grêmio vai vencer, ele poderá finalmente se aposentar", afirma o cartola. Uma turma que vive num boteco agradece. Ele ainda empurram um fusca na esperança de um título.
Os times de Santa Catarina, como sempre, lutam contra o rebaixamento. No Figueirense, o desfalque será o zagueiro Marquinhos, que ainda não se recuperou da virose. O técnico Argel Fucks, o capitão Nascimento, está confiante. "Os meus soldadinhos estão prontos para a luta, a batalha, a guerra, o arrastão, o rolezinho ou o jogo de amarelinha. Não temos medo de nada", bradou. Já direção do Avaí fará uma consulta à cbf para saber se o meia Marquinhos poderá jogar com um andador. "É o ídolo da torcida, o craque. Precisamos dele", disse o presidente Miguel Livramento Neto.
.Em Joinville, o treinador PC Gusmão Filho espera a recuperação de Marcelinho Paraíba. 'A casa de repouso garantiu que ele recuperou parte da memória. E, o melhor da notícia, é a de memória do pé esquerdo", garantiu o otimista treinador. O JEC tenta quebrar o tabu e o ioiô. Nos últimos 30 anos, subiu, desceu, subiu, desceu, desceu, subiu, desceu....
A Chapecoense é só festa. Vai comemorar os 30 anos do grande jogo contra o River Plate com um amistoso contra o River. Mas, do Piauí. "O argentino pediu uma cota muito alta. E, vocês sabem: não tá fácil para ninguém!", alega o presidente Sandro Palaoro Neto  O grande treinador Guto Ferreira, 230 kg de astúcia, promete uma 'Chape forte, vibrante contra o Palmeiras'. Se vencer, o time do Oeste garante vaga na série A. "Eu me dou bem com porco. Gosto do bacon, a costelinha bem sequinha, um lombinho. Ah, o jogo! Vai ser difícil! Mas, vamos comer o porco. Hum..! Delícia!", argumentou.
Escuto uma voz vindo de dentro de casa. É do Geromel, meu neto. Ele grita para o irmão dele, o Mamute. "Tira o vovô da sacada que começou chover!"

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Globalizando conceitos


Chiko kuneski

Se a Terra é um globo, sem arestas, e o cérebro uma noz , enervado, fico com a ideia da globalização. No futebol a bola é a Terra. Global. Enerva-se nos cérebros dos torcedores. Sofre ranhuras. Desconforma-se no conformismo. No medo do novo. A bola rola e arredonda-se como uma gravitacional da Lua.

A globalização permite isso. Estar em tempos e espaços diversos, com fusos e confusos horários rotacionais. A comunicação global, “tubal” até pouco tempo, digital agora, recria os conceitos físicos que devemos entender se quisermos estar sempre presentes. Se não... corremos o risco de sermos eternos, mas sempre anacrônicos.

No futebol essa globalização é impositiva. É ativa. Oferece o prazer voyeurista. Você decide o tipo de prazer. Todos os fetiches futebolísticos disponíveis sem senhas, filtros, exclusões, protecionismos nacionalistas. Num só dia o prazer das Ligas europeias, da Argentina, da América do Norte, das competições do Brasil, viram números do controle remoto.


O globo futebolístico é seu. Basta controlar o controle remoto da globalização.