quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O justo julgamento

Chiko Kuneski

Faz tempo procuro uma metáfora para a decisão por pênaltis num jogo de futebol. Talvez seja julgamento. Um julgamento sem jure, sem árbitros. Um ato único onde promotor e defensor se confrontam na mesma defesa. Da euforia.

É um ritual que julga sem provas. Apenas se atenta às destrezas. Do promotor que vai impor sua tese à bola, tentando que ela convença a rede. Do outro lado, o defensor, que conversa com a bola ao pé do ouvido, procurando demover seu ímpeto, impiedoso, de convencer a rede com as astúcias do promotor.

Um jogo de astúcias que começa no lento caminhar do cobrador, o promotor, e da paciência do goleiro, o defensor. Um, caminha pensando como vai convencer a bola a seu favor, passo por passo, do meio do campo até o púlpito da cobrança do pênalti. O outro, apenas observa a caminhada e tenta entender quais argumentos serão usados para convencer a bola. Ele, às vezes, até conversa com as traves. Mas elas não julgam.

No movimento dos corpos. Nos olhos nos olhos. Nas faces. Cobrador, promotor, e goleiro, defensor, se estudam. Não falam. Não precisam convencer jurados. A sentença será dada pela bola.


A bola é a verdadeira juíza que vai exprimir a decisão do julgamento decisivo. Somente a bola. Cabe ao promotor e ao defensor convencerem-na.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

50 tons de cinza...da bola

Mauro Pandolfi

O futebol é sexo. É prazer, orgasmo, foda. É um jogo de sedução, de enganos, de conquista. Uma guerra simulada que envolve amor e ódio. Violento feito uma relação sado masoquista, amoroso como uma novela das seis. Uma orgia de cores e nomes. Fantasia e fetiche. Em tempos de 50 tons de cinza, o futebol transpira luxúria.
1 - A pelada. Quem não gosta de uma pelada? Ela vem através de sussurro, combinada no boca a boca. É uma delícia! Estou falando do jogo, viu?
2 - No pau. Dói e muito! A gente vê estrelas. Mas, também, é prazer dependendo de quem faz. É a bola que estoura no travessão. Mágica e sublime. Ah, enganei vocês, hein?
3 - Uma teta. Uau! É um dos meu preferidos! Vistoso, bonito, prazeroso. É só um jogo fácil!
4 - Vai pra cima. Arrisque! Não tenha medo! Vá com tudo! O que pode ocorrer de ruim? Uma bola nas costas! Poxa!
5-  Bola nas costas. Todos ao ataque. Defesa desprotegida. Aí, vem ela, a bola, traiçoeira. Igual a vida.
6 - Pimba na gorduchinha. Só um chute, bem dado, na bola. Mas, há as gordelícias que são uma loucura!
7 - Ripa na chulipa. É um estímulo, um incentivo. Em alguns casos, é um disquinho azul, vital, viril.
8 - Cama de gato. O jogador fica firme, sustenta o adversário no corpo, depois relaxa, derrubando. É muito parecido com um jogo a dois.
9 - Garantir o bicho. Segurar um resultado favorável. Ir só na segurança, na amiga de sempre.
10 - Comer um peru. Uma falha grotesca do goleiro. Opa! Não seja gulosa!
11 - Entrar na banheira. É o outro nome do Impedimento. É mais gostoso quando se entra com alguém. Oba!
12 - Dar um chapéu. O famoso balãozinho. Bem melhor do que enganar o outro, não acha?
13 - Drible da vaca. A bola vai para um lado, você corre pelo outro. É como escapar da megera.
14 - Homem a homem. Marcação individual. Cada um com o seu. Não tenho preconceito. Como cantava Tim Maia, 'vale tudo'.
15 - Um chocolate. Vitória fácil igual ao início de namoro. Flores, chocolate e ...beleza!
16 - Molhar a camisa. Jogador com muita entrega. Mas, é divino quando ela está de camisa branca, molhada, sem nada por baixo. Adoro!
17 - Abrir o bico. Cansar. Não são todos que aguentam a segunda, a terceira. A quarta? Tás brincando!
18 - Entrar duro. Ir forte na bola. Qual é a graça se não está duro?
19 - Ao apagar das luzes. Os últimos instantes do jogo. É o olhar, o beijo, o suspiro. Como é bom!
20 - Véu da noiva. É a rede que se enrola com a bola no gol, igual ao véu nas mãos na noite de núpcias. O fetiche do jogo!
21 -  Corpo mole. Esconde-se da partida. Não quer nada com nada. Dor de cabeça? Como assim?
22 - Jogo aberto. Lá e cá. O ataque vence a defesa. É partir para o gol, abraço, beijo... uma festa.
23 - Jogo fechado. Nem lá e nem cá. A defesa vence o ataque. "Gostaste dos brincos, dos sapatos, do jantar? Não!" Não há lance que fure a retranca.
24 - Cai-cai. Jogador fiteiro, malandro, enganador. E, como tem gente que cai na conversa!
25 - Nas nuvens. Chute no alto, perto do céu. Extasiado, mirando as estrelas ... é muito bom! 
26 - Dar a rosca. A  bola gira em direção contrária. Uma decisão individual! 
27 - Sair do jejum. Vencer depois de muito tempo. É hoje!!!
28 - Tabu. Time que nunca perde para outro time. Sair com aquela deusa? Só quando o Grêmio for campeão! Isto é tabu! Porém, o impossível não existe.
29 - De bandeja. Entregar de graça. É comigo? Não acredito? Valeu!
30 - Chapuletada. Porrada bem dada. Um tapinha não dói?
31 - Choradeira. Reclamação depois de um jogo. Poxa! Deixa, vai, só um pouquinho?
32 - Apelar para o chuveirinho. Bola na área em busca de um grandalhão. No chuveiro o 'gol com a mão' também é gostoso.
33 - Linha burra. Provocar o impedimento avançando a linha de defesa. Não dá? Que dias são estes?
34 - Três dentro, três fora.  Brincadeira de bola.Três gols e o goleiro permanece. Três bolas para fora, muda-se o goleiro. Três dentro, três fora? Já fui bom nisso!
35 - Último homem. O derradeiro defensor. Do jeito que vão as coisas, o último homem será disputado a tapas.
36 - De virada é mais gostoso. Reverter o placar. Olha só! Vira um pouquinho só... assim! Não falei que era bom?
37 - Tapete. Onde tudo acontece. A bola rola macia, a mão escorrega, o drible insinuante, o olhar penetrante, o chute, o beijo, o abraço, o amasso...o gol! Mágico!
38 - Bobinho. Brincar com a bola. Uma roda e um no meio tentando pegar a bola. Cuidado, rapaz! Esta moça, a Anastasia, não é mole, vai te fazer de bobo!
39 - Mão mole. Goleiro que não segura a bola. Rápida, insinuante, ligeira, sabe o caminho certo. Opa! Tira daí!
40 - Grosso. Rude com a bola. Livra-se dela aos chutões. Tem quem gosta. No futebol e no amor.
41 - No meio das pernas. O drible mais bonito do futebol. Na vida...? Nem vou comentar!
42 - Rachão. Jogo recreativo um dia antes da partida. Muito divertido! Ei, que tal, um rachão agora?
43 - Gol contra. Fazer contra o time. Em Portugal chama-se autogol. Na adolescência aprendi com outro nome. Pu....! Não pode escrever. O blog é familiar.
44 -Firuleiro. Faz gracinhas com bola. Encanta a torcida. Na hora agá, some, desaparece. Tem muito por aí.
45 - Jogo embolado. Jogo confuso, enrolado. Casar? Só estamos noivos há dez anos! Não precisa ter pressa!
46 - Onde dorme a coruja. Chute preciso, no ângulo. Estava inspirado, peguei de jeito! Aquele toque sutil, suave, de leve, deixou-a doida. Espetáculo!
47 - Sacudir o filó. O gol, a rede que balança. Amor? Faz tempo que não balançamos a rede, hein?
48 - Última volta do ponteiro. O último minuto, a esperança derradeira. Rápido! Meu marido vai chegar em um minuto. Rápido!
49 - Matador. O centroavante que não perdoa, marca! Tem prazer na dor alheia. É um Christian Grey do futebol.

50 - 0x0. Uma partida sem gols e igual ao filme '50 tons de cinza': broxante!

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O futebol é um paradoxo numérico

Chiko Kuneski

O futebol é um jogo de números. Mas números inexatos. Deve ser disputado com 11 contra 11, mas até oito a regra aceita. No começo eram três árbitros, chegou-se a cinco, voltou-se para três. O campo, que sempre tem que ser retangular, pode variar de 120 a 90 metros de comprimento, por largura de 90 até a metade de 45 metros. Em partidas internacionais, essas medidas mudam para 110/100 metros de comprimento e 75/64 metros de largura.

O que não pode ser alterado é a espessura das linhas que demarcam a área de jogo, que devem ter 12 centímetros de largura. É bem nesse ponto que os números fazem do futebol o mais apaixonante dos esportes. Os centímetros.

Um único centímetro faz a diferença crucial nos gigantescos metros quadrados da área de jogo. Paradoxo? É! O paradoxo dos números do futebol.

O melhor e mais apaixonante desse  paradoxo é que ele precisa ser mensurado pelo olho humano. Cabe aos árbitros arbitrar os centímetros, mesmo quando a bola, que os baliza, está erguida e acima das marcas da cal, ou, às vezes, sem essa baliza.

São os centímetros que transformam o futebol em um esporte mágico e apaixonante. Que decidem lances. Que ganham e perdem jogos. Que mudam histórias.

Um único centímetro anula ou valida um gol. Seja pelo impedimento do atacante, seja pelo movimento do defensor. Seja pela crucial e marcante posição da bola na linha de fundo dentro dos 7,32 por 2,44 metros das traves que são o maior espaço de conquista dos jogadores e dos torcedores.


É gol!!! Por centímetro a mais para uns; ou não foi gol, por centímetro a menos para outros. A magia do futebol está no seu mágico paradoxo numérico.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Vidente!

Mauro Pandolfi

O futuro é o meu tempo preferido. Gosto de pensar como será, como serei e o que farei. Quando trabalhava como repórter fui em busca do futuro algumas vezes. Conversei com mãe de santo, com um francês pirado - dono de um gato doido, que me seguiu com os olhos o tempo todo - que sonhava  com o futuro e um cego chamado Ray Carlos. Ele previa através da luz. Não me pergunte como, nunca entendi o processo. Ficamos amigos.

Semana passada, depois de muito tempo, fui visitá-lo.  Saber sobre a vida e o Grêmio. O Grêmio está preso pelos astros e estrelas. Foi o que descobri. Ray sempre diz que o futuro está desenhado, pontilhado. Podemos ligar os pontos ou alterá-lo, depende de nós.

A placa continua lá: "Ray Carlos, vidente. Só futuro! O passado já foi!"  Numa rua estreita, escondida no Bairro Nossa Senhora do Rosário, em São José, numa casa de madeira, encontro-o cantando Stevie Wonder. "Olha só, quem eu vejo! Faz tempo, Mauro! Já sei o que tu queres! Não estás no jornal, os meninos e a patroa vão bem, os negócios estão complicados, mas dentro da normalidade anormal do país. É sobre o nosso Grêmio, não é? Estás desesperado e com medo de um outro rebaixamento?", explode a gargalhada que acorda o papagaio Pablito. "Tá velho e gagá. Só fala bobagem!". Acertou, afirmei.

'Então, vamos lá. Vocês não enxergam nada. Olham por cima, superficial. Não tem a essência, a profundidade do ver. Eu não olho. Nunca olhei o mar. Eu enxergo o mar, a beleza e a virulência. Em futebol, então... vocês mal olham um impedimento ou um gol bonito. Não sabem da alma do jogador. Eu enxergo o sentido da bola e do gol. E o Grêmio está preso em uma alma que não existe mais e teima em existir", disse ele.

Que alma é essa? perguntei. "Não sabes, meu caro Mauro. É o teu orgulho, o nosso orgulho, eu também sou gremista. É a imortalidade que sobreviveu aos Aflitos. Aflitos, Mauro? É o nosso carma, a nossa desgraça, a inveja que se tornou praga. A palavra virou um adjetivo do gremista. Vivemos aflitos, com medo!".

A tarde vai terminando. Ray esclarece a conversa. "Precisamos renascer. Mas, para renascer tem de morrer. O Imortal nunca morre, então não renasce. Vai repetindo sempre a mesma vida, eternamente. Os erros são os mesmos, os acertos, também.  Sei que o Grêmio tem orgulho da imortalidade.  É dolorido para mim. Não conheci o Olímpico, nunca estive lá. Tem a nossa história.

Mas, tudo passa pela demolição. É a morte simbólica do imortal. Estaremos livres para recomeçar na Arena. E, é recomeço, mesmo. De baixo, do menor. Precisamos de um gauchão sofrido, cheio de bravura e feito, desculpe-me Mauro, o chavão, com lágrimas, suor e sangue. Daí, as outras conquista virão. O sol azul de hoje, não mente, não engana. "O futuro vem aí", comenta, emendando o hino de Lupi.

Hora de ir embora. Antes de sair falo de Felipão, de Barcos, Marcelo Moreno, Fábio Koff e tantos outros. Ray ri. "Não precisa ser vidente. É preciso mudar, reinventar a alma. Estamos presos ao passado, aos heróis de ontem. Procuramos como magia o já vivido, o que gerou vitórias, títulos. No entanto, a vida gira, roda e, também, avisa que o novo deve vir. Então, é hora de apostar no novo, no não conhecido. Esquecer as estrelas decadentes.

Precisamos estrelas cadentes, produzidas em casas ou nas pequenas casas. Há tanta gente pronta para brilhar. É só ver. Mas, os cartolas só olham. Miram nomes e cartazes. “Querem só a fama. É uma pena!", afirma. Dou um beijo na testa, agradeço a conversa e vou embora. "Os meninos, Mauro! Usem os nossos meninos. Os piás, como tu fala. 2015 será uma bom ano para o nosso tricolor. Acredite, Mauro! Tenha fé!"


Eu tenho!?

Crônica da morte anunciada

Chiko Kuneski

Que o futebol brasileiro enfrenta uma das suas piores crises não é segredo para qualquer torcedor. É uma crônica de uma morte anunciada. A pá de cal veio na Copa do Mundo de 2014 com a fatídica e histórica derrota para a Alemanha por 7 a um. O time germânico humilhou futebolisticamente a Seleção Nacional vestindo o terceiro uniforme, inspirado na camisa rubro negra do Flamengo. O que todos dizem ser o maior time nacional.

Daí vem a jocosidade. Aquele jogo foi talvez o começo da morte anunciada dos “times nacionais”.

Cartolas, jornalistas, emissoras detentoras dos direitos de transmissão das partidas de futebol apregoam há anos o fim dos campeonatos estaduais e regionais. Usam como desculpa a falência das competições, que fortalecem os times locais e mais próximos das suas torcidas, também locais. Não é uma questão financeira de renda nos estádios. O ponto fundamental é o crescimento dos times estaduais.

A organização local dos clubes fortaleceu os primeiros times do coração de qualquer torcedor, substituídos por times nacionais na falta de seus escudos nas competições como o Brasileirão e Copa do Brasil. Os torcedores que apenas tinham o segundo time para torcerem nas competições brasileiras passaram a ver o time do coração, a primeira paixão, o escolhido, disputando com a segunda opção.

Esse fortalecimento dos times locais e, da consequente identidade maior com os clubes de sua cidade, colocou os times nacionais como segunda opção de fato para os torcedores. Somente na ausência do time do coração, torcem por o de longe, da televisão.

O cada vez mais forte ataque dos cartolas, jornalistas e programas esportivos aos campeonatos estaduais é por já terem entendido a possível “morte anunciada”, mas dos times nacionais.


domingo, 15 de fevereiro de 2015

O pau ordinário

Chiko Kuneski

O futebol, como toda organização social, tem seus tabus e suas intocabilidades.  Mesmo com o tempo alguns conceitos não mudam. Conceitos e palavras emblemáticas. Pau é uma delas. A expressão está presente o tempo todo no futebol, até mesmo no futebol feminino. Não existe futebol sem pau.

O pau do futebol vem das antigas traves, ou balizas (goal em inglês, língua mátria do esporte), que eram quadradas e de madeira. É dessa analogia o “bateu no pau”, ainda em uso. Mesmo com a circulização das traves, o pau continua na boca dos locutores esportivos, comentaristas e torcedores.  E na mão dos bandeirinhas e das bandeirinhas (é um substantivo de dois gêneros, como presidente).

A atualidade fez com que as mulheres também gostem e saibam futebol. Mas houve uma época que futebol era “coisa de macho”, até no seu entendimento. E ai vem o tabu do pau. Sem se interessarem, sem participar e sem serem protagonistas do esporte, as mulheres tinham muitas dúvidas sobre expressões corriqueiras do esporte e, principalmente, sobre o “segundo pau”.

As casadas, na sua maioria, por não entenderem a necessidade de se ter um segundo. Outras porque talvez nem o primeiro ainda conhecessem. E para piorar as coisas: porque os homens falavam tanto de ter dois paus no futebol?

O entendimento feminino sobre as regras do esporte, em parte resolveu isso, mas ainda existe quem não entenda a ordem dos paus. Quem determina a posição?

O pau (substantivo masculino) da trave recebe os ordinais pela posição da bola (substantivo feminino). O mais próximo a bola é o primeiro pau; e o mais distante o segundo pau. O campo retangular, as duas traves, a troca de lado dos times nos dois tempos de jogo não têm qualquer importância.


Por proximidade, ou afinidade, a bola escolhe a ordem do pau. Ás vezes até “beijando” o pau do meio.

A Reunião

Quando vou ao estádio procuro ficar longe das torcidas organizadas.  Não gosto da pressão ao time, da intimidação ao torcedor comum e da machonaria exacerbada.  A violência do bando é uma barbárie, a mesma barbárie do dia  a dia. O ótimo e preciso texto do Chiko Kuneski revela o jogo que envolve as organizadas. Não conheço ninguém que pertença a uma torcida. Mas, imagino, como é uma reunião após a “festa” de domingo.

A Reunião

Mauro Pandolfi

Noite de segunda. Nas escuras salas do Estádio do Comendador Medeiros, a torcida organizada do Estrela Vermelha Futebol Clube faz uma reunião. Um rescaldo da guerra com os torcedores do Araponga Futebol e Polo. O clássico mobilizou o batalhão de choque, os paraquedistas, os bombeiros e os escoteiros. Quem comanda a reunião é Luisão. Um velho líder, que mobiliza a massa com a voz de trovão. Ele quem fala:

- Ô, raça! Ganhamo a batalha. Matamo a pau. Arrancamo os bico deles. Há doze anos que não perdemo pra eles. A guerra de domingo foi foda. Mas, teve pobrema sério. Tem companheiro que foi abatido e precisa ficar mocozado, pois o juiz é brabo e não gosta de nóis. O que os sacana fizeram com as camisas que o Joãozinho tava vendendo: sujaram de óleo. Sacanagem, porra! Porém, moçada, rasgamo as bandeira deles. Vamo dá troco, porra! Vou quebra as fuças do Nandão, aquele playboy que acha que sabe tudo. Fez o fundamental e pensa que é dotor! Além disso, quero avisa que as fantasia de carnaval da nossa escola já tão a venda. É só procurar o Cardosão. Tão baratinha, só cem conto.

A algazarra interrompeu o discurso de Luisão. Irritado, pediu silêncio.

- Alguém viu quem bateu no Zé?

- Fui eu! disse o Joaquim. O cara vem de Kombi e me pede um troco pra gasolina e tava com a camisa do PT, porra! Dei-lhe uma porrada nos cornos. Tu sabe que odeio o PT, bando de ladrão. Porra, Luisão! Camisa do PT!

- Vermelha e uma estrelona na frente, Joaquim?

- Esta mesmo!
- É a camisa nova da torcida, seu tanso! Quem deu as camisa pra nois foi o presidente Tião Gavião. Um abraço, presidente! Pô, Joaquim, o cara tá no hospital, todo fudido. A conta vai se tua. Ele tava fazendo uma vaquinha pra buscar a raça no Papudão!

Luisão continuou com a palavra.

- As bombas foram da hora. Barulho e destruição. Aliás, quero agradecer ao diretor Pinheiro. Foi ele quem forneceu os material, os ingresso e os transporte para a raça. Valeu, Pinheirão! Os cara da tevê reclamaram muito. Porra, tá na hora de alguém controlar o que eles fala. Chamaro a gente de bandido. Bandido, porra!  Tô com vontade de invadir aquela porra e da uns paus nestes caras. Mas as bombas foram legal. Menos a tua Dudu. Tu seguiu a receita que te dei?

- Tô ligado, Luisão. Segui tudinho. Comprei prego, parafuso, cola e pólvora. Montei a bomba em casa. Ficou uma bolota grande, que assustava!

- E, a pimenta, tu colocou?

- Aí, teve um problema. A velha tava fazendo almoço e perguntei se tinha pimenta. Ela disse que não. E, aí, eu...

- Tu o que?

- Coloquei orégano. Era o único tempero que a velha tinha.

- Foi daí o cheiro de pizza, sua anta?

- O Luisão posso te fazer uma pergunta?

- Pode, Miguel!


- Qual é o time que a gente torce,
Luisão?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Desorganizando as organizadas

Chiko Kuneski

Já escrevi em outra crônica que o futebol lembra uma batalha campal, mas de forma lúdica. Duas “nações” com seus exércitos de 11 uniformizados, com escudo, bandeira de hino, lutando pela conquista do espaço do outro, marcado pela linha que divide o gramado, para ser saudosista. Mas é uma batalha organizada, com regulamentos, regras e padrões éticos que todos os jogadores sabem, ou deveriam saber. É também uma contenda arbitrada.

Mas a rivalidade de dentro do campo acaba virando batalha de fato fora dele na maioria dos estádios do país. A ideia da imposição lúdica do futebol sobe as arquibancadas e se transforma numa imposição física, com assistentes brigando entre si, em atos de selvageria atávica.

E como começam as agressões nos estádios? Com confrontos de torcidas organizadas fora deles. Ao contrário dos times, as organizadas não são exércitos; são milícias bem treinadas, com uniforme, bandeira e cantos de guerra próprios. Não são torcedores dos times. Utilizam a dita “paixão pelo time” para impor aos oponentes, usando a violência, suas verdades. Os componentes das organizadas não se importam com o melhor do futebol: o lúdico. Vão à campo para marcar e conquistar seu território.

Os dirigentes das torcidas organizadas são profissionais dessas milícias. Vivem para isso com o apoio, principalmente financeiro, dos diretores dos clubes e federações que usam as organizadas para se perpetuarem nos cargos. A violência atual nos estádios não é uma questão social, como muitos querem nos fazer acreditar, escondendo a razão crucial. A violência nas arenas e fora delas, organizada pelas torcidas organizadas, é uma questão política de perpetuação no poder.


O Brasil somente vai acabar com a violência nos estádios de futebol se desorganizar as organizadas, desmantelando os meandros políticos que sobrevivem delas.

J de Vingança! Ou...

Mauro Pandolfi

Copa do Mundo. Junho de 14. Suárez assusta o mundo do futebol. A disputa com Chiellini não foi comum, nem violenta, nem falta foi marcada. Mas, deixou os pudicos jornalistas perplexos. Um lance de bebê em colégio maternal. Suárez mordeu o italiano. "Atitude antidesportiva. Tem que ser punido. Tem que ser exemplar. Isto não pertence ao jogo", bradaram, com raiva, os homens do futebol.

A FIFA colocou Suárez no "cantinho do pensamento", excluiu o uruguaio da Copa (devem ter dito: "ai, ai, não é para morder o coleguinha. É muito feio!") e uma longa suspensão. Justiça ou vingança? Vingança com ar de sadismo. Aliás, toda vingança é cruel.

Amistoso sem nexo. Janeiro de 15. Juninho carrega a bola sem pressa. Ceará tenta mostrar serviço de volante pegador. O bote foi certeiro. Um vôo sobre o tornozelo desprotegido de Juninho. Fratura de fíbula e rompimento de ligamentos. "Um lance do jogo, sem maldade. Isto acontece", banalizou o dublê de presidente e treinador do Guarani, Amaro Junior. Juninho ficará fora do futebol por seis meses. O pegador Ceará foi julgado, suspenso por dois jogos e o mesmo tempo da recuperação de Juninho. Amaro protestou e chamou de vingança a punição de seu volante. "Queria ver qual seria pena se fosse um jogador do Figueirense?", afirmou.

Vingança ou justiça? Há, também, crueldade na justiça.
Vingança e justiça andam de mãos dadas. Thomas Hobbes considera justiça a punição aplicada pelo Estado. Faz parte do contrato social que torna possível a convivência. Todas as partes envolvidas do contendo são ouvidas. Ao acusado é permitido um defensor. Ao ser condenado, a justiça se fez. A vingança é praticada sem a participação legal do Estado. Não há julgamento e o acusado não tem direito a defesa. A condenação é executada pelo cidadão. Justiça é a vingança legalizada.

Como disse num telejornal um jovem pensador contemporâneo, o nome não consegui gravar, que usava máscara nas manifestações, a justiça não existe. "A lei é uma proteção para a elite, para quem tem dinheiro, tem o poder. Para nós, só existe a vingança. E, a vingança é um prazer", afirmou ele, que em seguida arremessou um coquetel molotov em direção dos militares.

O futebol vingou-se de Suarez. Ele foi exposto, ridicularizado e prometeu "se comportar", como todo menininho de colégio maternal. Suárez feriu a "ética" do jogo. A agressão física é punida com falta e cartões. É criticada, reclamada. Porém, tolerada. O jogador vai a julgamento. A absolvição depende da argumentação do advogado.


A mordida não é falta, não pertence ao regulamento disciplinar do jogo. É lançada numa "vala comum": atitude antidesportiva. Ceará, chamado de covarde e bandido, pediu desculpas tentando provar ser um bom moço, pobre, humilde, em busca de uma oportunidade. O tribunal, até a apelação, o tirou de circulação. O eterno favorecimento aos clubes maiores gera dúvidas. Acho que foi justa a condenação. Mas, há um cínico ar de vingança. E, vocês leitores (cadê vocês? Onde estão?), o que acham: justiça ou vingança nos dois casos?

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Dez!

Mauro Pandolfi

Detesto o dez! Não entendo o culto a este mítico 'craque' alegórico de um futebol que nunca existiu. 'O cabeça pensante' que elabora o lance decisivo, mortal, é uma invenção dos anos 40; santificado nos anos 50 e 60; endeusado dos anos 70 e 80; sobrevivente nos 90; e um zumbi neste século.

Aquele meia blasé, indiferente, que flutuava no campo, passeava a sua indolência, a sua preguiça e, de repente, num passe, resolvia o jogo é um devaneio poético do folclore brasileiro. Tão real como o saci pererê. "Deus castiga quem o craque fustiga" foi um axioma cretino que manteve - e mantém - o pictórico em campo.

Todos suspiram um lance genial, decisivo, arrebatador, orgástico, de tão inútil 'craque'. Mas, ele, raramente, acontece. E, quando ocorre, é em um jogo fácil ou decidido. Ganso, Douglas, Zé Roberto, Adrianinho, Renato Cajá, Wagner são os emblemáticos dez deste tempo.

Adoro o dez 'antidez'! São símbolos do dez. Geniais e
geniosos. Antíteses do dez molenga e bailarino. Pelé reinventou o espaço no jogo. O ponta de lança de intensa movimentação e um artilheiro fabuloso. Pelé foi mais atacante do que meia. Também, um emérito passador. Zico é desta escola. Maradona e Messi são geniais na posse de bola, no drible e no arremate, especialmente, Lionel Messi. Ademir da Guia, Zenon e Dirceu Lopes são outros dez da minha infância e adolescência. Entendimento perfeito do jogo. Craques táticos.

Rivelino e Paulo Cesar foram gigantes jogando de lado, quase pontas. No meio, pouco mais do que comum. Gerson e Didi eram armadores fascinantes. Jogavam com a oito. São mais volantes do que meias. Visão privilegiada de jogo. Alternavam o ritmo da partida. Estabeleciam a velocidade. Mestres!


Nunca teve um time como a Seleção de 70. Inventou o futebol moderno. Jogadores móveis, são símbolos da compactação, marcação avançada e rapidez no ataque. Tantos dez em campo.
Todos diferentes. Nenhum como o sonhado pelo devaneio alegóricos de velhos - e surpreendentemente, de novos - jornalistas. Tão diferentes e tão complementares. A Copa de 70 foi o ápice desta geração. Eles nunca repetiram a performance daquela Copa. Em 74, na Alemanha, Zagalo destruiu toda a 'revolução' de 70. Acho que nunca entendeu o que criou. Mas, é uma outra história.

A mágica camisa 10

Chiko Kuneski

Tem quem acredite em numerologia para justificar tudo. Nomes. Fracassos. Sucessos. Usam os números para explicar até o inexplicável, como se o número fizesse a magia para o homem. No futebol brasileiro não é diferente. O 10 é emblemático.

Não se discute o futebol sem falar da camisa 10. Seja por criticar a falta de um talento que a envergue, seja para lembrar os gênios que levaram times e seleções às principais conquistas. Nenhuma mesa redonda, mesmo no século XXI, já que falamos de números, esquiva-se de se reportar ao 10. Virou um número cabalístico, principalmente na contemporaneidade em que o futebol não respeita mais o famoso de 1 a 11. Aquela escalação que todo torcedor sabia o nome e número de cada jogador. Um por um.

Atualmente são 33, 88, 99 as estampas nas costas das camisas. Mas, quando torcedores e comentaristas se ressentem de criatividade, de genialidade, de passes decisivos, da arte de jogar, com e sem a bola, reclamam que falta o 10. No futebol moderno o 10 virou mais um mito do que uma solução. Não existem mais os jogadores nota dez, nem os camisa 10. A força, a complexidade, a movimentação, o “xadrez” futebolístico dividiu o 10. O dividiu tanto, que às vezes até por ele mesmo.


Mas o emblemático 10 não se apagou, principalmente no Brasil. Nenhuma escalação está completa em sua cabalística magia do passado, mesmo que a camisa seja vestida por um talento 00.  Um jogo sem a camisa 10 começa com dez em campo.

Somos futebolômanos

Chiko Kuneski

Dizer que o homem brasileiro é viciado em futebol é de uma obviedade colegial. Mas digo mais: é um vício sem tratamento e estimulado desde que nasce. Pai que é pai compra o uniforme do seu time para o filho homem antes do primeiro ano de vida. Se duvidar, antes do primeiro mês. Começou o vício. Mais que argentinos, franceses, alemães, italianos e ingleses, os inventores das regras do futebol, mas esses inventam regras para tudo, o brasileiro assume o vício pelo “esporte bretão” e não quer nem ouvir falar em tratamento.

Talvez a explicação por essa “paixão” esteja na memória atávica. O futebol é como se fosse uma batalha, uma luta entre tribos que substituiu os embates ancestrais. Analisando o jogo, o futebol é sempre com muito contato físico, correria, marcação corporal e busca de espaço. Às vezes, extrapola o campo de batalha e se espalha para os assistentes, virando mesmo uma batalha entre torcedores.

Nessa situação, o atávico extrapola o lúdico e vira real, mas não é a regra. Futebol e dentro de campo. O objetivo principal do jogo, levar a bola para dentro do gol do adversário, é a verdadeira conquista de território, deixando o inimigo caído no campo de batalha, olhando a vitória momentânea do outro.

Pense nos times de futebol. São exércitos de onze homens, uniformizados, com um brasão no peito e defendendo uma bandeira e as cores escolhidas. Como uma nação, cada um tem seu hino que é entoado pelo torcedor apaixonado. Fora do campo, os torcedores com suas bandeiras e ”gritos de guerra” incentivam os “heróis da batalha” para a conquista. Não é apenas um jogo de 90 minutos, é uma conquista sobre o time rival, a derrota do inimigo imaginário.

Se o homem brasileiro é viciado por futebol, e isso já sabemos, com o a transmissão do esporte pelas televisões a cabo esse vício saiu do consumo socialmente aceito das quartas-feiras e domingos, para uma “chapação” diária dentro de casa. Para o viciado, tem jogo todo dia. Tem droga sempre e ao alcance do controle remoto.


Na sagrada hora do jogo não há mais família, não há filhos, esposa ou qualquer outra coisa a não ser a liberação da memória ancestral das batalhas, da adrenalina, do lúdico, da luta imaginária. E por pior que seja a “pelada”, libera a química do cérebro que leva ao êxtase, transformando o homem comum num “futebolômano”.

A alma da bola

Mauro Pandolfi

Futebol! Adoro futebol! Tenho na alma o desenho de uma bola. O coração bate como o grito de gol. Morei dez anos ao lado de um estádio. O Vermelhão de Copacabana foi o Maracanã da minha infância. Lá. fui mascote, torcedor e sonhei em ser um jogador de futebol. Sonhei! Mas, a vida tem outros planos, tantos caminhos e esquinas. O futebol virou paixão, tornou-se profissão, voltou a ser paixão, muito crítica, que nem parece paixão.

Vi craques e esquadrões. Times inesquecíveis. No entanto, nunca o futebol foi tão bem jogado como hoje. Todas as valências estão postas no campo. Há vontade, habilidade, técnica, força, tática, inteligência e poder mental. Tento fugir do chavão e escorrego nele: futebol total, amplo e muito legal de ver. Uma boa partida ainda é a melhor diversão.

Um bom time não é mais um jeito estético de brincar com a bola. Há matemática no jogo. Um devaneio gráfico de linhas que se movimentam freneticamente formando figuras geométricas. Agora, tem o plano de jogo estabelecido. Há pontos de saída de bola, de chegada na frente, cobertura eficaz.

A movimentação é organizada e precisa. Os lados se movem uniformemente. Um vai, outro fica. As triangulações são amplas e simétricas. Percebe-se os posicionamentos dos jogadores nas cobranças de faltas e escanteios. Quem bate, quem fica no primeiro pau, no segundo, quem disputa com o goleiro e no rebote. O mesmo ocorre na área defensiva. Há definido o marcador do mais perigoso, a sobra e o contra-ataque.

Nota-se também quem é o líder técnico (o que 'pisa' na bola), o tático (quem orienta o posicionamento), o velocista e o centroavante. O time pode ser veloz ou lento dependendo da ação do adversário. Tão insinuante que encaixota o oponente. Tão bem armado que parece jogar mais do que pode.

Isto tudo me encanta. E, como me encanta! Gosto da ideia, do conceito, da proposta e da prática para uma partida. A análise tática me seduz. Não ligo mais para o jogo individual, pictórico. Troquei o drible por uma boa troca de passes. Mas ...há momentos que sinto saudades do menino do Vermelhão, que adorava um drible, uma pipoca, o picolé e vibrava com o gol e a saia feliz do estádio com a vitória e a festa da torcida.