"Do
brilho no olhar cheio de desejos dos enamorados! Que vai se fechando,
diminuindo ... no aproximar lento das bocas! E o que falar do brilho no
olhar do estudante ao ver seu boletim escolar cravejado de boas notas.
Ou de bons conceitos!.
Aldonei Machado tem o dom de provocar
brilho nos olhos em suas conversas. Na sala de aula, como um intenso
professor de história. Nas crônicas com textos sublimes, suaves,
apaixonantes.
Mauro Pandolfi
Não
é surpresa. Nem acidente. Muito menos, engano. É constatação. O fim
anunciado chegou. Não há dúvidas. Há a certeza. O Grêmio perdeu o brilho
nos olhos. Da equipe e dos torcedores. O jogo bonito, leve, suave, que
ama a bola, é finito. Aquele bailado, da bola no pé, para outro pé, sem
pressa, redonda, lírica, virou história. Faz parte da memória que espero
nunca perder. Foi logo ali atrás, quase nenhum tempo passou. Mas não
suporto tantas saudades! O jogo poético, brincado, declamado, encantado
nunca esquecerei. Foi a melhor época que vivi como gremista. O último
momento, o instante derradeiro, foi numa derrota. Aquela magia que
parecia Barcelona de Messi ou o Santos de Pelé está marcada indelével em
minha mente. Todos os dias, paro, penso, sonho, com aquele mísero
tempo. Poucos, quase ninguém, lembrará dos minutos iniciais da
derrota para o Fluminense. Foi uma despedida. Melancólica, triste,
saudosa, como todas as despedidas.
Tento entender o fim.
Devo voltar ao ponto de partida. Descobri o motivo do fim. O Grêmio
forjou um time no talento. Escolheu um jeito de jogar. Gostou de brincar
com a bola. Estabaleceu uma ideia, um conceito, um padrão. Armou uma
equipe perfeita para a poética. Foi único. Jogou 'xadrez' - como diz
Roger Machado - num futebol que joga 'damas ou jogo da velha'. Complexo e
simples. Com a bola , brinca. Sem ela, tira o espaço e modifica o tempo
da jogada. Compactou o time, acelerou o jogo, cadenciou o jogo,
encaixotou o adversário, criou 'fantasias', mexeu na estética, colocou o
futebol brasileiro na mordernidade, ganhou títulos. Descobriu craques,
reinventou jogadores, achou dois treinadores ousados. Um estudioso,
Roger Machado. Outro, um prático: Renato Portaluppi. Dois magos,
ilusionistas, vencedores.
O tempo não para. Nunca parou. Para
como saudades ou memória. O Grêmio foi mudando o time. Saindo jogadores,
como Walace. Veio Arthur. No lugar de Pedro Rocha, encontrou Everton.
Demoraram para colocar Matheus Henrique na vaga deixada por Arthur. E
Jean Pyerre entrou no espaço errado. É para jogar com Luan e não no seu
lugar. E, quem diria que coadjuvantes, como Jael e Ramiro, fazem uma
falta danada. Só agora descobri que eram o mecanismo da movimentação, a
base e suporte do jogo. A metade do fim está aí. A outra, é o desmonte
não percebido. Errou nas contratações. Apostou em veteranos. Os garotos,
'não estão prontos', brada Renato. Quem veio, joga diferente.
Estavam acostumados com o jogo de 'damas'. Se perderam no 'xadrez'. Não
tem o estilo, a movimentação e o amor em brincar com a bola. Renato foi
alterando o sistema. A marcação alta sumiu. O toque refinado,
desapareceu. O time ficou longo, previsível, burocrático. A queda tática
está acompanhada da queda técnica. Como fazer triangulações com quem
está acostumado com bola longas? Como tabelar com quem prefere o drible?
Maicon, Léo Moura, Geromel e Cortez envelheceram. Luan está perdido
numa
solidão de campo e na melancolia da vida. Resta Éverton e seu talento. É
pouco, muito pouco, quase nada. Perplexo, atônito, sei do que o Grêmio é
capaz. Vai do infinito ao além, sobrevive nas aflitas batalhas da bola,
ou, pior, namora com a zona do inferno.
A paixão não me
permite a ausência com o Grêmio. Estarei na frente da tevê para o meu
ritual de sempre. Mais tenso, mais preocupado, mais paciente, mais
temeroso, ainda amoroso. Só que não terei o brilho nos olhos dos
apaixonados. E, sim, a opacidade dos derrotados, o olhar angustiado do
medo.. Mas, o medo, quando não medra, provoca a vida, a reação, a
vitória. Quem sabe, Renato Portaluppi invoca mais um milagre. Os deuses
que tem estátuas são capazes de tudo. Menos ficar acima de todos.