sexta-feira, 25 de junho de 2021

Sonhos, memórias, os duelistas...

 

'Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Algumas nos levam pra trás, são chamadas de memórias. Outras nos levam para frente, são chamadas sonhos'.
A frase do grande ator Jeremy Irons é o melhor retrato deste meu tempo, angustiado, entre as dores das perdas, o desespero do genocídio, a incerteza e a esperança de um outro tempo. Enquanto isto, as memórias me protegem.

Mauro Antônio Pandolfi

O fascínio com o futebol desapareceu. Não sei se é o exílio. Quem sabe o flerte com a depressão que o tempo sombrio me oferece. Já pensei na nostalgia da vida, no meu olhar romântico, mais leve, humorada, com alguns sonhos e uma tênue esperança de um futuro perdido no pretérito. Raras partidas despertam um encantamento. Infelizmente, nenhuma do Grêmio. Se tornou um time vulgar, comum, sem a poesia do jogo bonito encenada por Luan e seus amigos. Alemanha e Portugal, na Eurocopa, provocaram lembrança dos belos espetáculos do teatro de grama e paixão. Vi a fúria interminável de Cristiano Ronaldo. Por instantes, alguns bem eternos, o brilho nos olhos, a força de super-homem, os desejos de recordes, o talento superior aos demais. Quem sabe, até de Messi. Assisti Argentina contra o Chile pelas eliminatórias - a cova américa recuso ver - e Lionel Messi é um espectro. Não sei se é a frágil parceria ou se o tempo chegou para ele. Messi ainda guarda a maravilha poética de seus gestos, dribles, passes, chutes. Há cada vez menos Messi nos jogos. Nunca é invisível. Recusa a normalidade do teatro de grama e paixão. Busca a ousadia. Porém, o corpo não obedece. Não tem a fúria muscular de Cristiano Ronaldo. É um homem normal, não é máquina. Os dois, em minha paixão perdida, vivem um duelo, que tudo indica será por toda eternidade. Relembro um texto da última copa quando se enfrentaram. É a falta de ideias que ausência de fascínio provoca. É o tempo em que a memória substitue o sonho.

Os duelistas


"As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida".
A poética de Mário Quintana é um belo retrato de minha frustração com os mitos modernos do futebol. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo nunca jogaram juntos, nunca trocaram um passe, nunca se abraçaram depois de um gol. Vivem a vida em um duelo de poesia, como se fossem metades de uma bola.

Mauro Pandolfi

Pênalti! Onze metros para o fuzilamento. A bola, o gol, o goleiro, o matador. A rede da trave não é de proteção. É do balanço que encanta as almas dos amantes do jogo. Os lances são idênticos,  quase iguais. Olhares diferem os duelistas.  A certeza e o medo. Há  tempos que Cristiano Ronaldo e Lionel Messi travam um duelo de genialidade, eficiência, imortalidade. Desta vez, Cristiano Ronaldo venceu. Marcou três gols em De Gea, para alguns o melhor do mundo. Messi perdeu para um goleiro que dirige filmes. Olhando a batida, a defesa, fico em dúvida:  mesmo mostrado ao vivo para o  mundo, suspeito de uma montagem do diretor! Não estou convencido do erro de Messi. Em tempos de teoria de conspiração, contribuo com esta.
Cristiano Ronaldo tem a leveza de um pássaro. Flutua, voa, sem pressão. Todos querem ver o seu jogo. Ele flui em campo. Anda pelos lados, pelo centro, toca a bola com a certeza do passe, do gol. O futebol  em Cristiano Ronaldo é um jogo de acertos. E, como acerta. É trivial marcar de  pênalti. Incomum é o erro de De Gea no segundo gol. Genial foi a cobrança da falta. Do olhar de águia, do suspiro mágico, precisão, da bola em curva, da rede balançando, do rosto feliz. O tempo aprimorou Cristiano Ronaldo. A intensidade do jogo substitída pela inteligência. Ele não é só o maior finalizado da história. A Copa pode transformar Cristiano Ronaldo no maior de todos os tempos. Ou, no mínimo, o herdeiro legítimo de Pelé. 
Lionel Messi também lembra um pássaro.  Mas, não tem leveza no vôo.  Suas asas carregam um país, uma obsessão, uma injusta comparação. O defeito de Messi é sua genialidade. Acreditam que a sua presença é o sufciente  para vitória. Não importa o time, a organização, os parceiros. Basta Messi. Há quatro copas que é assim. Há quatro copas que a Argentina fracassa. É também o fracasso de Messi. O ferrolho islandês, este moderno sistema defensivo de fechar a área, roubar todo espaço, a retranca retrô, anula o movimento ofensivo de toques curtos, rápidos, bonitos. Sampaoli tirou Messi de perto gol. Aos invés de jogar atrás da última linha, o o colocou na frente da segunda. Sampaoli não errou. Era a única chance de talento, vivacidade, imaginação, lances ofensivos de seu time. A vitória esteve nos seus pés. As faltas foram parar longe, sem perigo. O pênalti já estava perdido no seu olhar. Não havia confiança. Havia o medo. O futebol em Messi é um jogo de acertos e erros. Contra a Islândia, errou.
Cristiano Ronaldo foi estupendo. Lionel Messi foi comum. Portugal e Argentina tiveram o mesmo resultado. Um empate heróico e um empate devastador. Todos esperam Portugal nas oitavas. Muitos desconfiam da Argentina na próxima fase. Cristiano Ronaldo já fez o suficiente nesta Copa para ganhar mais uma vez o prêmio de melhor do mundo. Quase ninguém acredita em Portugal. O título será uma surpresa maior que a Eurocopa. Uma façanha que nem o gigante Eusébio conseguiu. De Lionel Messi espera-se apenas o título. Pode vencer os 'os outros duelos' contra Cristiano Ronaldo. Pode fazer muitos gols. Transformar a 'água em vinho', subverter a lógica do fracasso, inventar um finalista. Se não for campeão, será um símbolo da derrota. Para os argentinos sempre menor que Maradona, Kempes...