"A rotina é algo incrível. Nos tornamos o que repetimos"
Frase
de Nadia, que morre, revive, morre, revive, numa rotina sufocante na
ousada Boneca Russa. Isto é um pouco mais exagerado do que ocorre em
nossa vida. Morremos, não de uma vez. Mas, devagar, aos poucos, aos
pedaços, para ser mais dolorido.
Mauro Pandolfi
A vida e a morte conectadas numa espiral angustiante, de inícios e fins
que sempre se repetem. Espaço e tempo definidos eternamente num vai e
volta desesperador. 'Boneca Russa' é uma fascinante série da Netflix. A
história de Nádia que sai da festa de seu aniversário e morre atropelada.
Mas ressurge na festa como se a ação fosse inédita. As mortes se sucedem
de várias formas. E ela renasce no mesmo banheiro da casa. Menos
poética e romântica do que 'Feitiço do Tempo', Boneca Russa é um delírio de
multiversos, de universos paralelos, de que o tempo e o espaço são somente
fantasia, assim como a vida e a morte. O final da série é
surpreendente. Como diz meu filho André, nada de spoiler. Largado, quase entediado, nada
para fazer neste feriado de São José, brinco de Nádia. O que gostaria de
reviver no futebol e na vida?
Maurinho
é quase uma obsessão. A psicóloga de meu filho sugeriu terapia. Ri e
recusei. 'Deixe meus monstrinhos em paz. Estão muito bem enclausurados,
ao lado da alma', expliquei. Queria encontrá-lo e entender o fascínio e a
paixão pelo Grêmio. Seria encantador rever ou reviver aquela manhã de
1967. A descoberta do Grêmio no Vermelhão de Copacabana. Todos de
branco. Alcindo vestia uma camiseta elegante, vistosa, mágica, quase
sagrada. Descobri o amor em três cores. Decidi ser negro, branco e azul.
O chute de Alcindo, que estourou no travessão, é o ápice do
encantamento. O barulho ainda é poesia nos meus ouvidos. Outro instante
que faz parte parte da paixão é 1977. O voo da liberdade de André
Catimba. Entendi a doce alegria, a magia de ser campeão, de ser vencedor
(algo inédito em minha vida de torcedor), de ter o poster tão sonhado
que nunca encontrei na Placar. Seria uma imensa felicidade reencontrar
aquele domingo.
Doce
madrugada foi aquela no dezembro de 1983. Renato Portaluppi desvendou o
mundo para os gremistas. A Terra era mais do que azul. Preto e branco
completavam aquela loucura. Não escolheria a Batalha dos Aflitos.
Chorei, sofri, abracei meus filhos pela emoção ou pelo medo, gritei,
vibrei. Dolorido demais! O Grêmio de Roger Machado e depois de Renato
gostaria de ver sempre. O melhor que vi. O mais belo. O que jogou
melhor. O que ainda joga bem. Este Grêmio que gosta da bola. Ama o jogo.
Não preciso ser 'Nádia' para ver e rever este time que alimenta a minha
alma. Tenho algumas partidas gravadas. No entanto, todas estão na minha
memória. E, às vezes, mesmo por engano, o Grêmio de hoje revive o
melhor que vi jogar. Este Grêmio é eterno. Acho que Maurinho se
apaixonaria por este time.
Escolher
um instante do que vivi é mais complicado. Durante muito tempo sonhei
em reencontrar aquela turma do Copacabana. Onde comecei a descobrir a
vida, o futebol, a amizade, a festa, o cinema, os livros e o doce
encanto das meninas. Ou, quem sabe, olhar, outra vez, a bela loirinha
que morava na casa verde, na esquina de casa lá por 1977. Trocar mais do
que olhares. Talvez, dizer algo que nunca foi dito. Como esquecer de
1982. O jornalismo, amigos para o resto da vida, as paixões, as ilusões
que se perderam, o sonho de ser alguém e de um país muito diferente.
Será que conseguiria avisar ou convencer alguém para evitar a abertura
do hospício de 2019?
A
vida passa pelos dedos, na tela do notebook, escolho datas, vivências,
todas fundamentais. Como não escolher o dia que conheci Elaine? Seu
rosto bem desenhado, quase uma sessão áurea de Da Vinci, sua suavidade e
delicadeza. Nunca mais paramos com as trocas de olhares. A saudade
bateu no coração e as lágrimas molharam o teclado. Lembrei do pai, de
suas histórias, de sua generosidade, de sua gargalhada gostosa. Rever
todos na mesa de domingo, na alegria da convivência...Seria fantástico!
Poxa! A minha vida foi muito boa. Divertida e emocionante. Gostaria de
rever André e Pedro pequenos, alegres por me ver chegar em casa. Os
brinquedos espalhados e o convite tentador: vamos brincar! E, brincaria,
outra vez, mais tempo, com mais intensidade, inventaria outras
brincadeiras até eles se cansarem. E o meu prêmio seria ouvir a poesia
que mais embalou a alma: eu te amo, pai!
Mas,
não sou 'Nádia'. Vivo num único universo - às vezes, desconfio que é um
paraleo - e cada dia é diferente. Muitas vezes, pesado; outros, suave.
Acho ótimo ter que descobri e viver o encantamento deste tempo, com as
pessoas que completam o meu cotidiano, que fazem da vida uma doce - e
louca - aventura. Afinal, se for reescrever este texto em 2032,
certamente vou recordar deste agora. Lembrei de Gonzaguinha: 'Viver e
tão a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um
eterno aprendiz...A vida é bonita, é bonita, e é bonita'.
Mais um belo texto... profundo, reflexivo, poético.
ResponderExcluirObrigado, meu amigo, por compartilhar teus escritos.
Grande abraço.
Alexandre, meu solitário leitor, agradeço a leitura e o elogio. Abraços.
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