"A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo".
O meu olhar sobre o futebol tem muito das veias abertas pela lucidez poética de Eduardo Galeano.
Mauro Pandolfi
Na
solidão do isolamento, o futebol é a minha fuga para a liberdade.
Viajo pelo passado, pela glória, pela mitologia, pela eternidade. Tento
escapar da dita racionalidade, do olhar crítico, do 'rigor histórico',
da desconstrução. Viajo na poesia, no encantamento, no reencontro com o
menino de Lages que sonhava com com estes heróis, lendas, não uso mito -
a palavra está desgastado ao designar um ser deplorável, desprezível,
um carniceiro. A Copa de 1970 me traz de volta uma ilusão de vida, de
sonho de futuro, que foi apenas um lírico sonho. O futuro foi apenas o
possível. Ao sol e à sombra - como me ensinou Eduardo Galeano - que
futebol é feito um drible de Garrincha (Cadê Garrincha? O mais
fantástico craque esquecido, ignorado, nunca lembrado, virou um Joâo!).
Inesquecível! . Ou, quem sabe, uma prosa mais lúdica, como uma jogada de
Dirceu Lopes (menos lembrado ainda!) desenhada como uma obra prima,
feito de passes, deslocamento, espaço, tempo. Genial! .
Como
o tempo é de reprises, republico um texto que brinco com as escalações
dos times que rimam feito paixão. Afinal, futebol é um teatro de grama e
paixão.
Versos do Futebol
"Se o drible e o gol
são o momento individualista-poético do futebol, o jogo brasileiro é,
portanto, um futebol de poesia".
O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini considerava o gol uma invenção e o drible uma subversão da prosa do jogo europeu.
Mauro Pandolfi
A
definição que mais gosto, e uso, sobre futebol, é 'teatro de grama e
paixão'. Ali, no gramado, tudo que envolve o sentimento humano é
revelado, mostrado, nada é sonegado. A derrota e a vitória se misturam
com a dor e alegria. Os 'nossos monstros secretos' são desnudados aos
gritos, desabafos, xingamentos. Mas, também, vejo poesia no futebol.
Épicas, líricas, românticas, versos livres, concretos, parnasianos. Não é
no jogo, nos lances, nas manifestações. São as escalações das equipes.
Parecem poemas sendo declamados quando são anunciadas ou, melhor,
repetidas pelos torcedores apaixonados. Alguns dos 'poemas' da bola que me encantam.
Épica.
Nada
é igual a esta: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo;
Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino. Sonora, rítmica,
inesquecível. O 'verso' Pelé é mais que perfeito.
Uma
outra 'poesia' inesquecível: Valdir Peres; Leandro, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão,
Sócrates e Zico; Serginho e Éder. O poema começa torto. Mas, aos poucos
revela magia, encantamento, tristeza. Lindo!
Lírica.
Repetia, eufórico,
em meus jogos de botão. Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca;
Dudu e Ademir; Edu, Leivinha, Cesar e Nei. O verso 'Dudu e Ademir' é um
dos mais belos do futebol. Estético, sofisticado, soberano.
Ás
vezes, no silêncio da casa, saudoso, repito estes versos: Raul;
Leandro, Mozer, Marinho e Júnior: Andrade, Adílio e Zico; Tita,
Nunes e Lico. Fantástico poema que tem 'uma segunda estrofe' mágica,
envolvente, musical.
Esta 'poesia' me provocou angústia, derrotas, tristeza. Porém, sempre
reverencio os 'versos' magistrais: Manga; Cláudio, Figueroa, Hermínio e
Vacaria: Caçapava, Paulo César Carpegiani e Falcão; Valdomiro, Flávio e
Lula. Paulo César Carpegiani é um 'poema' completo. Um maestro regendo
um coro.
Romântica.
Em
dias tristes declamo em alto e bom som esta 'poesia' que me fez superar a
'dor e a tristeza' de uma infância sem vitórias: Corbo; Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho; Vitor
Hugo, Tadeu e Iúra; Tarciso, André e Éder. Tão envolvente que uma parte
do 'verso' final (André) eternizei em meu filho.
O
mais repetido, vivido, vivenciado em minha adolescência. Cansei de
declamar a caminho do 'teatro de grama e
paixão'. Luís Fernando; João Carlos, Aírton, Mário José e Eduardo; Vitor
Hugo, Gaspar e Luís Carlos; Ademir, Parraga e Manequinha. Esta 'poesia' é o melhor retrato da saudades de Lages.
Concreta.
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