segunda-feira, 13 de abril de 2020

Memórias...(2)


"Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração".
Entendi a frase de Shskespeare ao rever Brasil e Itália de 1982 e descobri que o coração é mais afetuoso que as memórias guardadas na mente.

Mauro Pandolfi

O tempo sombrio do presente tornou o futuro uma ficção distópica e nos restou o passado para sobreviver, resistir, sorrir. Procuro um velho  jogo de futebol para afastar os pensamentos  a respeito do Jim Jones do planalto central no seu desejo do suicídio coletivo. O facínora não é uma lenda. É o fruto da barbárie que a democracia nos deu de presente. Sem utopia, busquei a esperança de um outro país, de um novo tempo, de um sonho que 'explodiria' nas ruas deste cantão. Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo eram os símbolos da virada, da vitória do talento, da liberdade, contra a mediocridade da ditadura. Revi a derrota contra a Itália.  Não foi doída pelo resultado como pensava que seria.  A dor foi no que nos transformaram. A utopia, o sonho, a esperança sumiram pelas vias da história. Procuro um vestígio, uma pista, uma saída. É um labirinto. No espelho da tevê, na imagem da memória, encontro Paolo Rossi, o mortal matador daqueles dias de 1982. No susto da imagem do telejornal, aparece o vídeo do mortal matador de agora. Paolo Rossi roubou o meu olhar poético da bola.  O messias extermina a vida com o seu poder criminoso. fundamentalista, fascista. O tempo é cruel. O presente acabou, o futuro não virá. Só mes resta o passado...
Há jogos que recuso ver cenas, lances, gols, ele inteiro. Deixo ele intacto na memória, na alma, no coração. Brasil e Italia, de 82, é um destes jogos. Guardo a emoção, o choro, a tristeza, a quase desistência do futebol. Não sei se foi o tédio, ou o cansaço dos filmes e séries, revi o jogo. Foi estranho. Foi frio. Foi distante. A narração era falsa. Os sentimentos também. A dita 'racionalidade' confronta o que sempre guardei do jogo. Menos espetacular do que a lembrança. A Itália melhor do que a vã memória me dizia. Um time soberbo. Organizado, estruturado, planejado nas planilhas de um estrategista, com jogadores fabulosos. Bruno Conti foi determinante. Desconstruiu a frágil marcação brasileira.  O time preciso daquele tempo. Por isto, venceu. A prosa ganhou. O presente sempre vence.
Tempo e espaço controlados. Movimentação lúcida e lúdica, inovações, poesia. O time de Telê não era daquele tempo. Era do futuro, de hoje. Tão fora do tempo que berravam na tevê: bota ponta, Telê? O jeito de jogar é de agora. Troca de passes, de posições, de jogo, de gostar da bola. Um conceito que Guardiola, Klopp utilizam hoje. Todos em todos os lugares, em nenhum lugar pré determinado, ousado, quase um suicídio para um futebol tão pragmático. É uma derrota vitoriosa. Lembram mais de quem perdeu do que quem ganhou. É assim o que se chama futuro. O futuro sempre perde quando é só futuro. Mas, o tempo o torna vencedor. Hungria de 54, Holanda, de 74, Brasil, de 82, os grandes vencedores do futebol. O título é só um consolo para quem não tem nada para deixar. Só a faixa de campeão!
Não perdi o encanto. Ao contrário, aumentou. Rever este passado que prometia um futuro maravilhoso, me fez encontrar cenas que vivi como menino. A poesia do jogo é uma delas. O Boldo não era o Maracanã. Era Sarriá. Lá, o futuro também prometia ser outro. Não foi!  A música Poema, de Cazuza e Frejat, embalou o meu fim de semana. talvez, escutarei toda a quarentena. "Porque o passado me traz uma lembrança. Do tempo que eu era criança. E o medo era motivo de choro. Desculpa pra um abraço ou um consolo". O futebol é o meu abraço e o meu consolo.

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