"O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho".
A
festa acabou, o povo sumiu. Não há outro Garrincha. Será que serve Gabigol? O que será que
Carlos Drummond de Andrade diria deste novo tempo de bola e do samba,
neste Brasil que vive, quase, uma eterna quarta-feira de cinzas?
Mauro Pandolfi
Adoro
Carnaval. Foi no Carnaval o meu primeiro baile noturno. Lá por 1973,
verdes anos, a bela juventude iniciando, tudo parecia mágico. Pulei.
cantei, beijei. Era o princípio do que me parecia a tal felicidade.
Aguardava ansioso o Carnaval. Não sei o motivo, mas inibia a timidez nos
três dias de 'sonho'. Andei pela rua, em blocos, nos clubes, cobri,
como jornalista, os desfiles, os blocos de sujos, o Carnaval dito
'alternativo' do Roma e do Havana. O tempo voou e o Carnaval, assim como
o futebol, virou uma festa vista do sofá da sala ou no quarto já de
madrugada. Ainda me emociono. Os dedos sobem, balanco eles, faço um
'zirigidum', desajeitado, sambo e canto uma marchinha destas bem
incorretas. Sem ninguém ver, é claro! Imagina se o André e o Pedro
assistem esta cena. A zoeira não teria fim.
Nada,
quase, pouca coisa, me encanta mais que um desfile de escola de samba. É
a grande arte brasileira ao lado do futebol. Caminham juntos na ilusão e
na poesia. Não é mais o sambar com devaneio e alívio da alma. É a
história em movimento. O país sendo visto, analisado, criticado,
descontruído, brincado pela sua gente. O que dizer da Mangueira e o seu
Jesus humano, pobre, homem ou mulher, indígena ou gay, branco ou negro,
que irritou os apóstolos da prosperidade, os milicianos da fé? Fiquei
com vontade de voltar acreditar, de ter fé na fé. Ou a vitória da Águia
de Ouro com sua crença na sabedoria e na bela homenagem ao grande Paulo
Freire. Mas, nada me divertiu mais do que Marcelo Adnet fazendo flexão
igual ao capitão. Sua escola mostrou a farsa, a mentira, o conto do
vigário que sempre surpreende.. E o desfile maravilhoso da Viradouro,
então?. Fantástica lavada de alma. Da história brasileira, das mulheres,
do passado, do presente, de sempre.
E, para não
dizer quer não falei de futebol, vi a bravura de quem nunca desiste. O
controle remoto na mão, rodando os canais e encontro Paraná e Bahia de
Feira. 45 minutos do segundo tempo. Dois a zero para o Bahia. Quando o
dedo ia girar mais um canal, gol do Paraná. Parei, outro gol do Paraná.
Espetacular! Quando me preparei para os pênaltis, adoro ver pênaltis
menos quando o Grêmio não está envolvido, gol do Paraná. Sete minutos!
Como foi dolorido os olhares daqueles rapazes baianos; como foi
comovente a felicidade dos paranistas. Como é bela a poesia do futebol.
Quinta-feira
de cinzas. Tristeza com a morte de Valdir Espinosa. O treinador que
mudou o jeito rústico do Grêmio. Amava a bola, o ataque feito de passes e
dribles, o jogo bem jogado e armou o histórico esquadrão de 1983.
Espinosa inventou Renato e reinventou Paulo César Lima e Mário Sérgio.
Foi o artesão que moldou a bola azul com tons de preto e branco.
Auxiliou Renato na transformação do melhor Grêmio que vi jogar. Na minha
alma tricolor, há sua imagem ao lado de Tarciso, Everaldo, Caio, Lara,
Aírton, todos os gigantes que vestiram a mais bela camisa de futebol que
um corpo pode usar. De Valdir Atahualpa Ramirez Espinosa fico com uma
frase para embalar o tempo que resta da minha vida: 'Eu sou jovem,
entende? Tudo depende de como a gente se olha...Eu olho para a minha
juventude!"
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