quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Entre o Flamengo e o Cruzeiro

 

"A maioria das pessoas pensa no sucesso e no fracasso como opostos, mas eles são ambos produtos do mesmo processo".
Se o pensar de Roger Von Oech estiver correto, o Grêmio de Renato Portaluppi flerta assustadoramente com o fracasso.

Mauro Pandolfi

Renato Portaluppi foi o inventor do mais belo Grêmio que vi jogar. Poético e vísceral. O time que amava a bola, o jogo, a brincadeira, o prazer de vencer e nunca desistir. Tão romântico que provocou o meu reencontro com o Maurinho e a velha paixão do futebol do Vermelhão de Copacabana. Tão moderno que me fez suspirar em ver Renato como um quase Pep Guardiola. Intuitivo e cerebral, feito de dribles e passes. De Arthur, Maicon e Luan na armação. Tendo Éverton e Pedro Rocha como arietes que perfuravam defesas bem fechadas. Aquele Grêmio me transformou num ermitão. Recusava sair de casa em dia de Grêmio. Era um culto, um concerto, um namoro, um encantamento. Pena que o tempo não tolera a eternidade. Foi se desmanchando devagar, em partes, para ser bem dolorido. Passou, acabou, e, às vezes, a memória, também castigada pelo tempo, é distraída. Agora, tenho que reapreender a viver a vida. Sair de casa, ir ao cinema, namorar, caminhar na praia, buscar os outros prazeres. Aquele Grêmio de Renato Portaluppi pertence a minha saudade. E, como dói!
Um jogo! Bastou um jogo para desatar a minha agonia. Perdido, confuso, desarrumado, previsível, burocrático, sem alma, sem arte, um Grêmio que já vi em outros tempos. Aquele que flertou com o rebaixamento, que caiu, que sobreviveu na Batalha dos Aflitos. Foi triste ver o Grêmio contra o Caxias. Pior, foi escutar a entrevista de Renato falando do time, da maneira de jogar, dos reforços, de Diego Souza, da relação de compadrio com Thiago Neves, ouvir a mesma frase dita por um velho conhecido que comprava muamba no Paraguai e nos afirmava quando questionávamos os produtos, para a contratação do meia já decadente, de caráter duvidoso, superestimado por uma habilidade feita de lances fortuitos: 'a garantia sou eu!' Será a mesma garantia de Carlos Alberto, de Gabriel, de André Felipe, de Cícero, de Diego Tardelli?
Nunca antes na história gremista a base foi tão vitoriosa. Várias decisões, muitos títulos, promessas, jóias, realidade, desperdícios. Wallace, Arthur, Luan, Pedro Rocha e Éverton foram condutores de vitórias e títulos. Matheus Henrique e Jean Pyerre assistiram das cadeiras a derrota para o River Plate na semifinal da Libertadores de 2018. Já Douglas, barrigudo e sem pernas, foi presa fácil para os portenhos. Lincoln se perdeu e Tetê nem foi testado e negociado com o Shaktar. Talvez, tenha sido a sua sorte. Leio que o Grêmio quer Keno, que brilhou no Palmeiras alguns anos atrás e joga no 'poderoso' futebol árabe como 'ponteiro'. O que farão como Pepê, Ferreira, Guilherme Azevedo, Elias, Léo Chú, Léo Fenga, Wesley, Luan, tão velozes, hábeis, que podem gerar títulos e salvar as finanças do clube? Vem Thiago Neves e qual o futuro de Jhonatan Robert, Patrick, Rildo, Pedro Lucas? Lucas Silva veio ocupar o espaço de Darlan, Frizzo, Varela, Fernando Henrique, Victor Bobsin e Diego Rosa. Segundo Renato, 'eles não estão prontos. Temos que lapidá-los sem pressa'. Renato e a direção do Grêmio suspiram por medalhões que às vezes dão certo, como em 2017 e fracassam como em 2018 e 2019. Futebol é uma aposta. Pena que o Grêmio desistiu de seus meninos. Na história grandiosa, os seus títulos tem os jovens forjados na alma tricolor. Entre eles, um tal Renato.
Renato é um ótimo treinador que se perde no folclore, que baseia seu trabalho na relação de compadrio, nas frases de efeito, numa malandragem fajuta e na mitologia de 'recuperador de talentos perdidos'. Ainda não percebeu que tudo é rápido no futebol. Jurgen Klopp ocupou o lugar de Guardiola. Sem entender o novo, Renato logo será passado. Está obcecado com o Flamengo. Mira tanto o Flamengo. Pensa num espelho. Deseja um grande número de jogadores cascudos, testados, pronto para as vitórias, como o Flamengo. Procura tanto o Flamengo que corre o risco, como disse o Mário, de encontrar o Cruzeiro.  Que Bolzon tenha os olhos bem abertos. E, esta crônica se torne um lamento melancólico, uma piada no final do ano de quem vê o futebol apenas com a paixão...

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