segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
Olhares
Mauro Pandolfi
O jornalismo é um ofício tão perigoso como o de um equilibrista. Um fio tênue separa a virtude e o vício. É quase imperceptível a divisão entre o sensacionalismo e a realidade. Nem sempre o fato é diferente da versão. Não é tão difícil perceber a diferença do 'boca alugada' de um crítico contumaz. É mais fácil distinguir um militante fundamentalista de um analista criterioso. O lugar onde a mentira 'não é só uma verdade que não aconteceu'. É só a versão menos pop da 'pós-verdade'. O texto de Chiko Kuneski sobre a mídia e o acidente da da Chapecoense é bem articulado, lúcido, coerente, contestador, visceral, perfeito. Mas, discordo dele. Jamais diria que é equivocado. Não pretendo convencer ninguém do contrário. Só tenho um outro olhar sobre a tragédia. Talvez, um fio tênue separe o meu olhar entre a ingenuidade da idiotice. Ou, é só uma outra lucidez? Não sei!
O que torna eterna a tragédia da Chapecoense não é o acidente e nem a tragédia. Não são as mortes e as dores de familiares e amigos. A eternidade é gerada pelo comportamento dos colombianos. A generosidade, a gentileza, a solidariedade nos assustou. Não estamos acostumados com isto. Somos ausentes, distantes, desconfiados. Aquele estádio lotado, sem uma partida ou um show, foi um alento. Demontraram que o humanismo esquecido, perdido, despedaçado, é possível, quem sabe, necessário, neste mundo enlouquecido. O historiador Yuval Noari Harari garante que vivemos um período de paz como nunca antes da história deste planeta. Talvez, a violência, a miséria, 'a loucura' pareçam maior pela visibilidade que o jornalismo dá. Ao falar da solidariedade, a mídia parece propor um novo olhar da vida. Ou, seria apenas um olhar mercantil?
No meu romantismo cético tentei acreditar na humanidade. A 'exploração' da generosidade, gentileza, solidariedade me agrada. Quem sabe, por encanto ou desencanto, as pessoas passem a praticá-la. Pode ser por instantes, com pequeno prazo de validade, a tragédia da Chapecoense provocou um acordo de paz entre as torcidas organizadas de São Paulo. As torcidas entoavam o canto 'Vamos Chape' em todo o canto. Uma suavidade, uma tolerância, dos torcedores dos time rivais, nestes primeiros jogos da Chapecoense. Isto é o resultado da solidariedade colombiana. Talvez, já em fase de esgotamento. Os torcedores do Internacional não aceitam, não suportam a sua 'tragédia pessoal' - como disse o dirigente Fernando Carvalho -, o rebaixamento, e provocaram uma imensa briga em Veranópolis. Violência que faz parte da dura poesia circular do cotidiano, do futebol. O humanismo faz parte de um universo em desencanto. Acho que sou apenas um idiota. Ou, como disse certa vez, um militante travestido de sábio: analfabeto midíatico.
A violência é um prazer. O sangue escorrendo é um orgasmo. Isto explica o fascínio das pessoas com filmes, como 'Os mercenários'. Ou, o imenso sucesso de público de Alborghethi, cult no you tube, ou Datena e similares. A barbárie do sistema carcerário revelou um desejo profundo de 'vingança'. O secretário da juventude pediu 'mais mortos'. O deputado de São Paulo, Major Olímpio, exigia ' a reação de Bangu'. Eu prefiro assitir os rescaldo da tragédia. As entrevistas de Rafael Henzel e Jackson Follman são lições de vida. Não é auto ajuda. É de alguém que entendeu o 'milagre da vida'. O prazer, a alegria de estar vivo.
O jogo para aos 71 minutos. Um grande homenagem. Domingo completavam dois meses da tragédia. O Manchester United cultua os seus jogadores mortos em Berlim em 1958. Há imagens em vários lugares no Old Trafford. Uma das músicas mais emcionantes de Morrisey fala do acidente: Munich Air Disaster 1958. No mês do acidente, fevereiro, há uma série de homenagens. A morte trágica de um ídolo é o passaporte para eternidade. Os jogadores, que são mais cultuados que as outras vítimas, serão lendários. Os feitos serão contados, aumentados, perpetuados. Nunca morreram! Sem a 'tragédia', seriam ilustres desconhecidos ao final de suas carreiras. Lembrados apenas pelos 'fanáticos' declamadores de escalações ou sites, tipo, 'onde anda?' O que vai desaparecer é a lembrança da gentileza, generosidade, solidariedade do Atlético Nacional, dos colombianos. Foi um hiato na história humana. Que pena!
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