Mauro Pandolfi
A
faixa estava num canto do estádio. Cinco ou seis ao redor dela. A tevê
achou, exibiu, revelou algo que não suspeitava. "Ódio ao futebol
moderno" dizia o trapo. Sabia a existência dos loucos por 'jogos
perdidos'. Gente que viaja para assistir 'XV de Jaú x Jabaquara', ou
algo similar. Sou um caçador de partidas antigas no you tube. É uma
rudimentar, equivocada tentativa de decifrar se os grandes craques eram
grandes ou
só exagero de apaixonados. Curiosidade de jornalista. O tempo deles era
outro, o meu olhar é de hoje. Jamais saberei. O cartaz mexeu comigo.
Ódio é um sentimento de agora. De insultos, de 'pós-verdade', de
mantras repetidos feito ladainha. Andar amado nas redes sociais é um
perigo. Não entendi o desprezo pelo moderno futebol. São jogos para
todos, via tevê, arenas que abandonaram o tratamento de gado do torcedor
dos velhos estádios, um futebol nunca tão bem jogado como agora. São
seitas, comunidades isoladas, sectários de antigas ideias ou só
ranzinzas ingênuos com o medo do novo, que sempre vem? Não sei!
A
rua Javari lotada. Entre três e quatro mil pessoas. Um canto escapava
pelo som da tevê. 'O ódio ao futebol moderno'. Pessoas espremidas, um
canoli (doce italiano) nas mãos, um rádio na outra e um alegre sorriso
de domingo à tarde. Descobri que é um movimento de torcedores do
Juventus que vai deixando um rastilho de pólvora nas redes sociais.. Sócios que não desejam a venda e nem a reforma do velho
estádio. Votam sempre contra qualquer destas iniciativas.
Elegeram o futebol atual como vilão. É ele que obriga a transformação.
De arenas, de inovações táticas, de mudança no uniforme. Tem um cartaz
que sente saudades de Milton Buzeto. Um símbolo da retranca dos anos 70.
Neste período, o Juventus ganhou a fama de 'moleque travesso'. Buzeto e
sua ousadia em defender com onze. Uma bola, um cruzamento, uma falta, um
chutão. O gol! Depois, o campo reduzido na frente da área. Estranha
saudade!
O
movimento contra o futebol moderno começou na Itália. Um torcedor do
Roma levou um cartaz declarando 'ódio eterno'. Foi um protesto
contra a venda do clube. Se alastrou. Invadiu estádios. Manifestações
contra a reestruturação dos clubes, as arenas ('Todos os estádios
ficaram iguais. Não diferencio nenhum deles', disse-me um amante à moda
antiga da bola) e seu pudico comportamento. 'Não é teatro e nem
cinema', gritavam. Impedidos de pular, de assistir em pé, de vociferar,
forçaram mudanças.Há estádios com espaços para os 'ultras' (torcedores
'ferozes') acompanhar a partida em pé. Reclamam também dos preços dos
ingressos. Os pobres foram afastados. Questionam os horários dos jogos.
Barcelona já jogou à meia-noite.São questões discutíveis. Também,
reclamo do preço do ingresso. Vou uma ou duas vezes por ano ao estádio.
Os demais vejo via tubo.
Bradam
contra a mercantilização do esporte. Dos grandes salários, das
transações 'suspeitas', da grana que rola solta. Sempre foi assim. Nos
anos 30 do século passado, quando o futebol deixou de ser 'amadorismo marrom' e
virou 'profissional', as negociações começaram. Alguns uruguaios e
argentinos vieram jogar por aqui. Os daqui partiram. Fausto, primeiro no
Barcelona, e Domingos da Guia foram para o Nacional do Uruguai por
dinheiro, são os exemplos mais históricos. A Liga Pirata da Colômbia
atraiu craques, como Di Stefano e Heleno de Freitas, por uma fortuna
considerável. Talvez, Caetano Veloso tenha razão ao cantar 'que o
dinheiro constrói e destrói coisas belas'. Será o futebol uma delas?
Há
os que odeiam o jeito de jogar. 'Não tem mais dez!', berram. 'Cadê os
pontas!', protestam. 'Time sem cabeça de área é vulnerável', este é o
que mais me impressiona. 'Falta o nove. Aquele da área, do cabeceio,
matador', há até uma república criada (a do Texas) reivindicando a volta
do aipim, do poste, do centralizado. Detestam quando o time aparece com
um uniforme diferente. 'Não respeitam a tradição', detonam. Só faltou
citar a 'família e a propriedade'. São cantilenas passadistas. Saudosos
de um tempo que ficou no imaginário, de um passado glorioso que foi pura
fantasia. Não percebem a beleza do jogo. A variação tática que
potencializa o talento com uma intensidade que substitui a indolência. Há um jogo
planejado que favorece craques e nunca foi tão bonito, tão bem
jogado, visto por quase todo planeta, explorado todas as suas
possibilidades. Até a compaixão, o humanismo, a fé, como aconteceu com a
tragédia da Chapecoense. A solidariedade do mundo deu esperança de
acreditar na humanidade. Mas, há Trump, Putin, Bashar-Al-Assad... deixa
prá lá!
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