sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Ódio ao futebol moderno

 

Mauro Pandolfi

A faixa estava num canto do estádio. Cinco ou seis ao redor dela. A tevê achou, exibiu, revelou algo que não suspeitava. "Ódio ao futebol moderno" dizia o trapo. Sabia a existência dos loucos por 'jogos perdidos'. Gente que viaja para assistir 'XV de Jaú x Jabaquara', ou algo similar. Sou um caçador de partidas antigas no you tube. É uma rudimentar, equivocada tentativa de decifrar se os grandes craques eram grandes ou só exagero de apaixonados. Curiosidade de jornalista. O tempo deles era outro, o meu olhar é de hoje. Jamais saberei. O cartaz mexeu comigo. Ódio é um sentimento de agora. De insultos, de 'pós-verdade', de mantras repetidos feito ladainha. Andar amado nas redes sociais é um perigo. Não entendi o desprezo pelo moderno futebol. São jogos para todos, via tevê, arenas que abandonaram o tratamento de gado do torcedor dos velhos estádios, um futebol nunca tão bem jogado como agora. São seitas, comunidades isoladas, sectários de antigas ideias ou só ranzinzas ingênuos com o medo do novo, que sempre vem? Não sei!
A rua Javari lotada. Entre três e quatro mil pessoas. Um canto escapava pelo som da tevê. 'O ódio ao futebol moderno'. Pessoas espremidas, um canoli (doce italiano) nas mãos, um rádio na outra e um alegre sorriso de domingo à tarde. Descobri que é um movimento de torcedores do Juventus que vai deixando um rastilho de pólvora nas redes sociais.. Sócios que não desejam a venda e nem a reforma do velho estádio. Votam sempre contra qualquer destas iniciativas. Elegeram o futebol atual como vilão. É ele que obriga a transformação. De arenas, de inovações táticas, de mudança no uniforme. Tem um cartaz que sente saudades de Milton Buzeto. Um símbolo da retranca dos anos 70. Neste período, o Juventus ganhou a fama de 'moleque travesso'. Buzeto e sua ousadia em defender com onze. Uma bola, um cruzamento, uma falta, um chutão. O gol! Depois, o campo reduzido na frente da área. Estranha saudade!
O movimento contra o futebol moderno começou na Itália. Um torcedor do Roma levou um cartaz declarando 'ódio eterno'. Foi um protesto contra a venda do clube. Se alastrou. Invadiu estádios. Manifestações contra a reestruturação dos clubes, as arenas ('Todos os estádios ficaram iguais. Não diferencio nenhum deles', disse-me um  amante à moda antiga da bola) e seu pudico comportamento. 'Não é teatro e nem cinema', gritavam. Impedidos de pular, de assistir em pé, de vociferar, forçaram mudanças.Há estádios com espaços para os 'ultras' (torcedores 'ferozes') acompanhar a partida em pé. Reclamam também dos preços dos ingressos. Os pobres foram afastados. Questionam os horários dos jogos. Barcelona já jogou à meia-noite.São questões discutíveis. Também, reclamo do preço do ingresso. Vou uma ou duas vezes por ano ao estádio. Os demais vejo via tubo.
Bradam contra a mercantilização do esporte. Dos grandes salários, das transações 'suspeitas', da grana que rola solta. Sempre foi assim. Nos anos 30 do século passado, quando o futebol deixou de ser 'amadorismo marrom' e virou 'profissional', as negociações começaram. Alguns uruguaios e argentinos vieram jogar por aqui. Os daqui partiram. Fausto, primeiro no Barcelona, e Domingos da Guia foram para o Nacional do Uruguai por dinheiro, são os exemplos mais históricos. A Liga Pirata da Colômbia atraiu craques, como Di Stefano e Heleno de Freitas, por uma fortuna considerável. Talvez, Caetano Veloso tenha razão ao cantar 'que o dinheiro constrói e destrói coisas belas'. Será o futebol uma delas?
Há os que odeiam o jeito de jogar. 'Não tem mais dez!', berram. 'Cadê os pontas!', protestam. 'Time sem cabeça de área é vulnerável', este é o que mais me impressiona. 'Falta o nove. Aquele da área, do cabeceio, matador', há até uma república criada (a do Texas) reivindicando a volta do aipim, do poste, do centralizado. Detestam quando o time aparece com um uniforme diferente. 'Não respeitam a tradição', detonam. Só faltou citar a 'família e a propriedade'. São cantilenas passadistas. Saudosos de um tempo que ficou no imaginário, de um passado glorioso que foi pura fantasia. Não percebem a beleza do jogo. A variação tática que potencializa o talento com uma intensidade que substitui a indolência. Há um jogo planejado que favorece craques e nunca foi tão bonito, tão bem jogado, visto por quase todo planeta, explorado todas as suas possibilidades. Até a compaixão, o humanismo, a fé, como aconteceu com a tragédia da Chapecoense. A solidariedade do mundo deu esperança de acreditar na humanidade. Mas, há Trump, Putin, Bashar-Al-Assad... deixa prá lá!
Anos 80. Vi o filme 'A Testemunha', com Harrison Ford, que mostrava os Amish. Um isolado grupo que vivia como os seus antepassados. Para eles, o tempo é uma ilusão. Não queriam mudar nada, nem acrescentar nada. Ser o que sempre foram. Espero que os manifestantes do 'ódio ao futebol moderno' comportem-se como os Amishi. Protestem, gritem, esperneiam, vivam o futebol como sempre viveram, cultuem os ídolos antigos. Que fiquem nisto. Deixem o futebol seguir a 'rosa dos ventos' e rumar para onde o homem jamais esteve: o futuro! Se for com homens, ótimo! Se for com robôs, quero um replicante do Messi e um do Iniesta para o Grêmio! Eu amo o futebol moderno!

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