segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O perna de pau

Chiko Kuneski

Ninguém o escolhia no time do bairro. Sobrava e, como prêmio de consolação, ia agarrar no gol. As pernas não serviam para jogar bola diziam os meninos da rua Odiava ser goleiro. Mas era o que lhe sobrava para brincar com a turma.

O pior era que achava que defendia bem. Tomava bolada de todo lado, mal sabendo que os garotos, na sua crueldade humana, chutavam de propósito sobre seu corpo. O Homem é cruel. Na infância essa maldade intrínseca não tem os freios social adquiridos com a educação. Apanhava por ser muito diferente.

Saía dolorido, mas orgulhoso. Olhava para o “capitão” do time derrotado que o recusou com altivez. Perdeu! Tinha vontade de gritar, mas sua timidez não permitia. O pai sempre dizia que o vencedor não tripudia o vencido, já mostrou que é melhor.
Apesar de tudo o perna de pau gostava do futebol. No tablado do botão, onde não precisava da habilidade do drible das chuteiras, ninguém o vencia. Pensava o jogo. Entendia o jogo. Sabia o jogo. O futebol não se faz somente com os pés entendeu anos depois.

Via o futebol. Analisava o futebol. Pensava como era jogado e modificado por quem pensa o jogo. O melhor jogador pode ser um desastre num esquema que o impeça de ser criativo. O pior, o perna de pau, pode ser o zagueiro truculento ou o goleiro estraga êxtase do gol.


Estudou, não apenas o futebol e suas artimanhas esquemáticas, mas educou-se e venceu. A paixão o levou a voltar para o campo, agora profissional, e se por novamente à escolha. Virou presidente do clube. De rejeitado passou a escolher e rejeitar. Era perna de pau, mas agora mandava no time que a turma de infância torcia frenética da arquibancada.

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