Mauro Pandolfi
Primeiro
sinal. Luzes se apagam. Pessoas ainda entram na sala. Gritos e
sussurros. Segundo sinal. A bagunça encantadora da juventude. A imagem
surge na tela. Um samba embala emoções. 'Que bonito é. Ver a rede
balançando...' O delírio da gurizada. A bola, o gol, o drible. A beleza
do futebol. O olhar que a tevê escondia. Canal 100! Muitas vezes melhor
que o filme. Comentamos mais o gol do que o beijo na mocinha ou a
valentia do mocinho. Mas, o que me chamava mais a atenção era o estádio e
sua gente. Olhares esbugalhados, surpresos, atônitos, admirados. Os
risos que revelavam as bocas banguelas. O pescoço espichado para ver os
lances, que se resumiam as pernas dos craques. O Maracanã foi o símbolo
de um futebol imaginado, desejado, sonhado, suspirado. Poucas vezes
real. Maracanã é o signo de uma igualdade fantasiosa. O futebol que
igualava tudo. O lugar sagrado de todos brasileiros. Um purgatório da
beleza e do caos. A geral sempre foi a senzala do grande templo. Quase
todos pobres. Quase todos negros. O Maracanã está virando um lembrança.
Uma saudade. Uma foto pendurada numa barbearia de subúrbio.
Nunca
entrei no Maracanã. Chequei perto. Fiquei no entorno. As portas
fechadas. Não permitiram entrar. Fiquei frustrado. Me impressionou o
tamanho. Imenso. Gigante. Foi um final de semana de setembro que não
teve futebol no Rio. Desde menino vivi este estádio. Nas ondas do rádio,
nas rodadas duplas do futebol carioca, curtia o Maracanã. O templo de
Mané, de Zico, de Pelé, de Obdúlio Varela. De mitos, de gênios, de
bondes. O lugar onde um tal de Fio Maravilha virou música. Maracanã rima
com poesia, com arte, da bravura uruguaia. Foi só uma derrota. Coisas
do futebol. Trataram como 'tragédia'. Um exagero da paixão da bola. A
grande peça do teatro de grama e paixão.
Maracanã
é um símbolo do engano. O futebol inventado nos anos 50. Glorificado
nos 60. Endeusado nos 70. Mitificado nos 80. Resistente nos 90.
Sobrevivente no século 21. Um jogo tocado, bailado, sem rumo, sem
pressa. Tão lento que parecia preguiça. Criou-se o craque do Maracanã. O
que driblava sem sair do lugar, o que passava e esperava o retorno da
bola. O que matava no peito, deixava rolar na grama e ...errava a
jogada. Conheci vários. Muitos tornaram-se peregrinos, ciganos, a
'mostrar a sua arte' nos campos mortais. Maracanã era o sonho de
meninos. Um deles, bem próximo, transformou o Vermelhão em um Maracanã,
onde as partidas pareciam não ter fim.
Quem
diria que o maior elefante branco da Copa de 2014 seria o Maracanã?
Abandonado. Quase destruído. Largado. Roubaram a até o busto de Mário
Filho, o jornalista que dá o nome ao estádio. Triste. Muito triste.
Deplorável. O gigante mutilado em sua história, sua glória, em seus
sonhos. Um Coliseu carioca. Custou caro, muito caro, um roubo, e já é ruína. O Maracanã é um
lamento feito um samba de Paulinho da Viola."Um rio que passou em minha
vida e o meu coração se deixou levar".
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