quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Coliseu carioca

 

Mauro Pandolfi

Primeiro sinal. Luzes se apagam. Pessoas ainda entram na sala. Gritos e sussurros. Segundo sinal. A bagunça encantadora da juventude.  A imagem surge na tela. Um samba embala emoções. 'Que bonito é. Ver a rede balançando...' O delírio da gurizada. A bola, o gol, o drible. A beleza do futebol. O olhar que a tevê escondia. Canal 100! Muitas vezes melhor que o filme.  Comentamos mais o gol do que o beijo na mocinha ou a valentia do mocinho. Mas, o que me chamava mais a atenção era o estádio e sua gente. Olhares esbugalhados, surpresos, atônitos, admirados. Os risos que revelavam as bocas banguelas. O pescoço espichado para ver os lances, que se resumiam as pernas dos craques. O Maracanã foi o símbolo de um futebol imaginado, desejado, sonhado, suspirado. Poucas vezes real. Maracanã é o signo de uma igualdade fantasiosa. O futebol que igualava tudo. O lugar sagrado de todos brasileiros. Um purgatório da beleza e do caos.  A geral sempre foi a senzala do grande templo. Quase todos pobres. Quase todos negros. O Maracanã está virando um lembrança. Uma saudade. Uma foto pendurada numa barbearia de subúrbio.
Nunca entrei no Maracanã. Chequei perto. Fiquei no entorno. As portas fechadas. Não permitiram entrar. Fiquei frustrado. Me impressionou o tamanho. Imenso. Gigante. Foi um final de semana de setembro que não teve futebol no Rio. Desde menino vivi este estádio. Nas ondas do rádio, nas rodadas duplas do futebol carioca, curtia o Maracanã. O templo de Mané, de Zico, de Pelé, de Obdúlio Varela. De mitos, de gênios, de bondes. O lugar onde um tal de Fio Maravilha virou música. Maracanã rima com poesia, com arte, da bravura uruguaia. Foi só uma derrota. Coisas do futebol. Trataram como 'tragédia'. Um exagero da paixão da bola. A grande peça do teatro de grama e paixão.
Maracanã é um símbolo do engano. O futebol inventado nos anos 50. Glorificado nos 60. Endeusado nos 70. Mitificado nos 80. Resistente nos 90. Sobrevivente no século 21. Um jogo tocado, bailado, sem rumo, sem pressa. Tão lento que parecia preguiça. Criou-se o craque do Maracanã. O que driblava sem sair do lugar, o que passava e esperava o retorno da bola. O que matava no peito, deixava rolar na grama e ...errava a jogada. Conheci vários. Muitos tornaram-se peregrinos, ciganos, a 'mostrar a sua arte' nos campos mortais. Maracanã era o sonho de meninos. Um deles, bem próximo, transformou o Vermelhão em um Maracanã, onde as partidas pareciam não ter fim.
Quem diria que o maior elefante branco da Copa de 2014 seria o Maracanã? Abandonado. Quase destruído. Largado. Roubaram a até o busto de Mário Filho, o jornalista que dá o nome ao estádio. Triste. Muito triste. Deplorável. O gigante mutilado em sua história, sua glória, em seus sonhos. Um Coliseu carioca. Custou caro, muito caro, um roubo, e já é ruína. O Maracanã é um lamento feito um samba de Paulinho da Viola."Um rio que passou em minha vida e o meu coração se deixou levar".

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