Mauro Pandolfi
Sete
a um. Não é mais um placar. É um número cabalístico. O que revelou o
atraso de mentalidade. O equívoco do jogo. O futebol brasileiro ainda
não entendeu, não aceitou, não percebeu a goleada. Nada mudou fora do
gramado. Dentro, aprofundou o engano. Joga um futebol anacrônico.
Perdido
no tempo. De todos os defeitos, o maior é a marcação. Não sacou que
marcar é o início do ataque. Ainda prefere o
combate no seu campo.. Há o volante pegador. Os zagueiros, o da sobra e o
que corre atrás
do atacante. Em vários jogos, utiliza a marcação individual. Os grandes
times europeus, o Atlético Nacional da Colômbia e o Rosário Central da
Argentina, abandonaram este sistema de defesa. Usam a compactação.
Diminuem o espaço. A marcação alta provoca o erro. A pressão é
constante. O adversário erra. Com a retomada da bola parte em
velocidade. O toque é para frente. As soluções ofensivas surgem. O gol é
uma questão de eficiência. Isto é ilusão nos gramados brasileiros.
A
marcação é sempre com pressão na saída de bola. Funciona. A distância
entre a ultima linha de defesa e o ataque não passa de 30 metros. Os
times brasileiros atuam em 65, 70 metros. Ninguém aguenta a marcação por
pressão em um campo tão grande. O desgaste é imenso. Utilizam por
instantes. Então a marcação é o combate nas suas linhas defensivas.. A
tendência é de equipes fechadas. E para chegar na frente, na retomada
de bola, a jogada é o chutão. A bola rifada em busca do velocista aberto
no canto. O meia clássico ficou sem espaço. Precisa de tempo para
imaginar o lance. Não há espaço e tempo. Lento, não funciona
mais neste jogo. Ou, vira volante. Ou, joga de lado na frente. O
futebol se tornou um jogo de ataque e defesa. Com a redução do campo de
jogo, os setores não estão mais definidos. Defesa, meio, ataque estão
misturados. Juntos. Interligados. Na multiplicidade de função ou na
rápida recomposição das linhas. Nem o goleiro é um especialista. O jogo
deve começar com ele. O pequeno Audax. no campeonato paulista, foi um
tímido avanço neste estilo. Às vezes, o Grêmio joga assim.
Não
faltam talentos. Há jogadores fabulosos espalhados por aí. Craques,
como na velha definição brasileira. O que não há são treinadores
inovadores. Falta ousadia. Conhecimento. Estudo. Visão. O técnico
brasileiro parou no tempo. Recolheram-se as suas soberbas. Fracassam
até na China. Não há mais como enganar. Poucos caem no conto do vigário
luxemburgueano. Cuidado! Ainda existem trouxas no Brasil. É só uma
questão de tempo e de resultados. Não acompanho treinos. Mas, não vejo
jogadas ensaiadas nas partidas. Não percebo soluções de ataques. Usam a
de sempre. Bola parada em busca de uma cabeça santa. Inventividade, não
existe!
Há
as exceções. Fernando Diniz parece uma. Precisa uma chance num grande,
numa competição forte, para comprovar a astúcia. Jorginho é outro. Faz
milagres com o Vasco. Tite procura soluções. Às vezes, criativas.
Noutras, rende-se ao lugar comum, ao mais fácil, o conforto. Roger é
pressionado por velhos conceitos que pedem um 'destruidor' no meio e um
'aipim' na frente. Quando resiste, tem boas saídas. Dunga é o representante
da vanguarda do atraso. Achou um sexteto, do meio para frente, na parte
final da goleado contra o Haiti. Walace, Lucas Lima Renato Augusto,
William, Philipe Coutinho e Gabigol na mão de um treinador formariam um
esquadrão. Que tal arriscar em Guardiola? Com Dunga, serão substituídos
por medalhões. Ou, não terão a liberdade de flutuar pelo campo.
Na
série A do brasileiro, há um festival de 0 a 0. 1 a 0 virou goleada. O
treinador comporta-se como um trabalhador comum com medo do desemprego.
Tranca o time. Especula, grita, esperneia na beira do campo e com o
empate, vibra com mais uma semana empregado. Futebol não é um trabalho
normal. É espetáculo. Porém, não estão preocupados com o show.
O
futebol brasileiro é refém de uma mitologia. De um jeito de jogar
inventado. Um imaginário mágico. Surge nos anos 50. Vitorioso nos 60.
Endeusado nos 70. Fracassado nos 80. Decadente nos 90. Sobrevivente
neste século. Uma estrutura tática baseada nos especialistas. Há o
zagueiro 'bandido', o volante pegador, o clássico dez pensante. Aquele
que mete uma bola precisa para o matador. O centroavante 'referência', o
dono da área. A individualidade sobrepõe o coletivo. A análise parte
do indivíduo para chegar no todo. Quando o time não tem 'craques', tem
resultados, a afirmação é de 'um ótimo conjunto'. Esta análise
anacrônica ainda é feita pela imprensa, perdida no tempo e no espaço.
Ela é, também, refém do imaginário criado pelas ondas do rádio nos anos
50. Raros entendem a transformação do jogo, assistem os inúmeros
campeonatos pela tevê, leem, informam-se. Prestam mais atenção em seus
times e em suas paixões. Qualquer menino, fera (fala-se assim ainda?) no
playstation, decifra uma partida de futebol, entende os signos táticos,
a estratégia melhor que qualquer velho comentarista. Principalmente, se
o comentarista for eu!
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