domingo, 26 de abril de 2015

Meu pai e eu

Mauro Pandolfi

31 de julho. Era uma data de festa em casa. A data do casamento dos meus pais. E, aniversário do 'seo Nesso', como chamava o Márcio quando pequeno, sempre agarrado nele. O pai foi 'embora' numa véspera de Natal. Não combinou com ninguém, nem avisou. A alegria do Natal ficou triste. Vivemos um vazio imenso. André e Pedro tornaram-se o porto seguro para que os Pandolfis voltassem a rir. Adorava meu pai. Gostava de suas histórias, do afeto, da gentileza. Mas, faltou algo na nossa relação: o futebol. A bola nunca foi um assunto nosso. Trocava um jogo por um faroeste.

A vida e as contradições. Não ligava para o futebol. Porém, foi o único dos Pandolfis que assistiu uma partida no Maracanã. E, que jogo! Eliminatórias da Copa de 70, no México. Brasil e Paraguai para quase 200 mil pessoas. Suas histórias deste jogo eram saborosas. Como ganhou o bolão, os xingamentos pela aposta de 1 a 0, a entrada, o durante, o pós jogo e a descoberta que franguinho era apenas uma espiga de milho no espeto. Algumas das histórias, às vezes, contamos nos almoços de domingo. Outras, sumiram no tempo. Muitas só tinham graça quando contadas por ele.

Nos seus ombros vi a vitória de Plínio Luersen nas 12 horas de Lages, em 1966. Tinha seis anos e madruguei pelo prazer de sua companhia. Vibramos quando o Simca recebeu a bandeirada. Lembro de um jogo, contra o Perdigão, no Vermelhão. Ficamos na geral. O estádio estava lotado. Vi uma parte do jogo em seu colo. Cenas que voltam nos momentos de saudade. O pai era gerente da Penha e foi convidado a presidir o Guarani.  Após várias conversas, percebeu que era uma canoa furada. Tempos depois, o Guarani faliu.

O desejo é uma arma quente. Explode a alma! Desde a adolescência o pai nos gozava e provocava com o Grêmio. Nas derrotas, também nas vitórias, nos encarava com um sorriso cínico e lascava: se pegar o Taguá, perde! Ria a sua risada gostosa. O Taguá era um minúsculo time de Getúlio Vargas. Resultado de uma fusão: Tabajara (será que a vaca era o centroavante?) com o Guaíba.

Na primeira vez que se encontram, após um Grenal vitorioso, o lanterna do gauchão surpreendeu no Olímpico. Dois a zero. A maior festa de futebol que Getúlio já viu. Foi numa quarta-feira, voltava da aula e o pai me esperava na porta. "Teu Grêmio, hein? Marchou para o meu Taguá", disse vitorioso.
Repetiu a cena com o Márcio e o Mário. Quem ganhou aquele jogo foi o desejo de meu pai. No final do certame, o Taguá caiu, depois sumiu, desapareceu, só deixou em ruínas o seu estádio.

Em 96, substituí o JB Telles na coluna do Diário Catarinense. Já não morava mais com eles. Tinha descoberto que a felicidade tem vários caminhos. Um deles levava até Campinas, onde fui morar com a Elaine. Um domingo, sempre passávamos lá, a mãe me contou uma história. No final da noite, quando o jornal já foi lido por todos, ele recortava a coluna. Lia em voz alta e guardava. "Ele tem orgulho de você. Comenta com todos aqui do prédio", revelou ela. Nunca vi esta cena. Como gostaria de ter visto.

Ele comentava comigo nos domingos algumas delas. Nunca deu palpite. Numa que fiz referências a jogadores antigos, protestou: "Tu esqueceste Heleno de Freitas. Ele foi gigante!" Quando assisti o filme, lembrei-me dele. As lágrimas escaparam. No dia e agora, ao escrever isto.


O episódio de sexta-feira de "Os Experientes" me emocionou. A história de pai e filho (os brilhantes Juca de Oliveira e Dan Stulbach) que se descobrem, se encontram, se revelam. Um dia intenso. O único de suas vidas. Vivi 39 anos de intensidade com meu pai. Aprendi coisas, pensares. Descobri virtudes e erros. Entendi como ser um filho quando o André nasceu. Talvez descubra ser pai com um neto. Só no ponto final deste texto a emoção se desfez. Virou lágrimas.

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