Mauro Pandolfi
Chiko Kuneski é um hábil artesão de palavras. As frases são belos
dribles de linha de fundo em busca do passe para o gol. Chiko é um velho
ponteiro. O leitor é o centroavante. O gol depende do talento do leitor. Há gol
de placa. Mas, às vezes, a bola sai do estádio. Chiko é desafiador. Busca
o confronto de ideias, a tabela e o passe. No entanto, ele gosta mesmo é do
drible.
Cuidado! Tu tens tudo para virar um 'João'. Faz tempo que o
conheço. Nem sempre consigo fugir da provocação. No texto sobre o drible, Chiko
preparou o lance. Jogou a bola por um lado. Ensaiou a corrida pelo outro. Uma
linda meia-lua poética. Serei um 'João'?
Gosto do passe. Da bola que flutua de um lado a outro. Ela vai e
volta sem pressa, com um ritmo acelerando no compasso da movimentação do
adversário. O jogo tocado num bailado que encaixota o rival. Cérebro é que
define o talento, também, no futebol. Admiro a tabela. O pensado me atrai mais
do que o instintivo.
No entanto, não renego o drible. É mágico, devastador, nunca
humilhante. É a capacidade de encontrar uma solução onde não há saída. O
driblador é o anarquista. O coletivo é importante. Porém, nada impede a fúria
da individualidade. O drible é só meu. O passe é de todos.
O drible é poesia. Lembro de Dener. Rápido, enérgico, insinuante.
Partia em linha reta, como um poema de Fernando Pessoa. A obsessão era o gol ou
o passe para o atacante. Só em linha reta. Dener não tinha um repertório vasto
de dribles. Era sempre o mesmo. Seco, veloz, bola num lado, ele pelo outro.
Simples e eficaz. Dener! Saudades de um tempo em que via futebol como poesia.
O tamanho era de beque, visão de meia e dribles de um ponteiro.
Renato Portaluppi é a melhor lembrança que tenho da bola. Meu ídolo! A
maior alegria da minha vida futebolística foi ele o inspirador. Gols e dribles
numa madrugada que era só a hora do almoço no Japão. Tão genial e genioso que
transmutou o tempo.
O mais admirável em Renato era o drible. Já nem tão garoto passava
dias treinando o lance. Renato Portaluppi é a 'quarta pessoa' da Santíssima
Trindade - mais reverenciado - da religião gremista. Meu irmão Mário o
considera melhor - "muito melhor", ressalta ele - do que Cristiano
Ronaldo. Fé é fé!
Há o drible que me incomoda. Troco até de canal quando vejo. O
drible firula me tira do sério. O jogador vai, volta, vai, volta, rebola,
cisca, belisca e não sai do lugar. O narrador, a torcida, deliram. Neste país
há uma obsessão pelo inútil, pelo fútil, pelo estéril. O lance não vai a lugar
nenhum. Mas, vira vinheta. Denílson é ícone deste driblador. Se Dener é poesia,
Fernando Pessoa. Denílson é pagode. Tem o ritmo, a indolência e o lirismo do
falso samba.
As tardes são dias de futebol. As melhores ficam no meio da
semana. É complicado compartilhar com o trabalho. Procuro o jogo pelo
computador. Nas brechas, espio os lances. E, que lances! Como Suarez achou o
espaço entre as pernas de David Luiz? Percepção, inteligência, instinto? Tudo!
Foram dribles sonhados por qualquer menino que ama o futebol. E, Messi? Dribla
tanto em curva, como em linha reta. Messi é o futebol!
Da janela do quarto do Pedro vejo o pequeno campinho do condomínio
onde moro. É um espaço dividido por grama - a menor parte -, areia - a maior -
e terra. Nas férias escolares há jogos que parecem não ter fim. E, feito uma
Carolina, fico na janela olhando e sonhando com um passado cada vez mais
distante. Os meninos são exatamente como eu quando era menino. A bola é o
grande brinquedo. O craque ainda é quem dribla, fica mais tempo com a bola.
Lucas é um guri loiro, 15,
16 anos, que dança o tempo todo. Pega a bola, segura, dribla, solta só no
aperto ou para o gol. É sempre o primeiro a ser escolhido. Leonardo, tem 16
anos, é o contrário. Simples, direto e dono de um passe preciso. Raramente
erra, nunca dribla. Os gols, geralmente, saem de seus pés. É dos últimos a ser
escolhido. É um candidato a craque. Porém, prefere ser engenheiro. Que pena!
O drible é imortal. É onde o mortal comum se destaca. É poético.
Tem a rapidez de um repente ou de uma trova. Não há muito o que pensar. É o
agir que surpreende o rival. O drible é a última instância do futebol
romântico. É o lado atávico da sobrevivência. É animalidade do homem em contato
com as forças naturais. É o signo do arcaico e o antigo. O passe, o jogo
planejado é o civilizatório do homem. O instintivo é substituído pelo
cerebral.
Para um treinador é mais fácil lidar com o estudado, arquitetado
do que o inesperado. Sempre haverá lugar para o drible. Quando o jogo estiver duro,
sem saída, difícil, há duas opções: um grandalhão e um driblador. Nem sempre dá
certo. O driblador deixa a partida viva, ligeira, rápida e alegre. É um leve
encontro com o passado. Nada mais do que isto.
Poxa! Tentei fugir dos dribles poéticos em forma de texto. Quem
sabe, consegui antecipar alguns lances, roubar umas bolas sem cometer nenhuma
falta, partir para o ataque. Mas, a dúvida permanece: Fui um 'João'?
PS: Me indagaram o que é ser 'João'? Era a maneira que o grande
Mané Garrincha chamava seus marcadores. Formavam uma linha, uma fila indiana.
Um a um eram driblados do mesmo jeito. Simples, eficaz, em linha reta. Todos
iguais, todos 'João'.
Depois o artesão das palavras sou eu. Tua definição da diferença do drible e do passe é pura dança de letras sem esquemas predefinidos. É poesia. Mas ainda acho que o que torna o futebol mágico é o drible, a genialidade impossível de marcar e ser tolhida. Um dos times com esqueça tático mais brilhante e com passes milimétricos que vi na vida foi o Flamengo de 81, campeão mundial. Mas era também um time de gênios dribladores, que desmontavam os técnicos estudiosos que tentavam esquemas para marcar os 11 do Flamengo. Soccer sem drible vira football.
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