domingo, 26 de abril de 2015

O anti-herói

Chiko Kuneski

Uma das mais inebriantes cenas do futebol é a defesa do goleiro espalmando a bola para fora do gol na forquilha das traves. Ouso dizer, mais bela, inclusive, que a da bola sendo abraçada pela rede no festivo gol. Para buscar essa bola “na gaveta” o goleiro plana no ar. Corpo retilíneo na horizontal, contrariando a gravidade.


O espectador mais atento percebe cada músculo do corpo, pernas, tronco, braço, mão e dedos chegando ao máximo da sua elasticidade. A cabeça erguida acima do ombro e rotacionada. Os olhos como mira de longo alcance. O goleiro plana reto seguindo a curva da bola, matreira, que quer sair do seu alcance. Não à toa os locutores esportivos narram o lance como um voo. Um voo de rara beleza do goleiro, que impede o gol espetacular, a consagração do artilheiro.

Sempre me identifiquei mais com os goleiros. Desde cedo ia ao campo para vê-los e não para torcer pelos goleadores. O goleiro é um anti-herói. Mais odiado e criticado que aclamado. Ele estraga a alegria do gol e é xingando pelos adversários; ou falha e facilita o gol, sendo criticado pelos próprios torcedores.


O mais solitário dos 11 jogadores da equipe passa o tempo do jogo observando, atento, esperto. É um analista. Tem que antever o lance, marcar durante 90 minutos os adversários com olhar de águia, aguçando-o ainda mais na bola. E é nessa defesa, de mão trocada, “lá onde a coruja dorme” que o homem se faz a águia, ganha os céus, em perfeito voo para a glória.

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