Mauro Pandolfi
"Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que mais te peço é luta sim
Luta mais! Vai
Que a luta está no fim..."
Tributo a Martin
Luther King, de Wilson Simonal
Aranha e Fabrício. Dois jogadores. Dois
homens. Dois negros. Duas noites de bola. Aranha foi lúcido, racional. Parou o
jogo e protestou. Levou cartão amarelo. Fabrício escorregou na fúria
incontrolável. Gritou, xingou, mostrou os dedos médios para os torcedores. Foi
expulso.
O olhar da tevê definiu os papéis. Um
close tornou Aranha um herói, um quase Malcom X. O close foi escondido pela
tevê. Fabrício transformou-se em vilão, um pária que 'desrespeitou' clube e
torcida. 'Ele provocou a raiva. Não vai ter punição ao Inter. Além disso,
morrem 15 negões todo dia e ninguém liga", afirmou o presidente da
federação gaúcha de futebol, Chico Noveletto, revelando proteção ao seu clube e
uma canalhice típica dos cartolas brasileiros.
Duas noites gêmeas. Uma história da
infâmia.
Acompanho futebol desde menino. Paixão e
trabalho. Sempre escutei que o estádio é o lugar do desabafo, da raiva
escondida. A arena onde libera-se os bichos, os monstros e os demônios. O
espaço onde as pessoas expulsavam as frustrações. O estádio de futebol é o divã
popular. Gritos contra a ditadura foram vociferados ali. O espaço democrático.
Vaia-se até minuto de silêncio. A crueldade sempre foi admitida e, até,
estimulada. O espaço estudado por sociólogos, antropólogos,
historiadores, jornalistas e turistas da Sorbonne. Eu, também, escrevi matérias
abordando a democrática arena.
O estádio é a maquete do país. Tudo o que
somos aqui, somos lá. Ingênuos, românticos, canalhas, cretinos, corruptos,
cruéis, cínicos, violentos, festeiros, estúpidos, intolerantes, malucos,
racistas. O estádio não é uma entidade isolada do país. É a mais visível.
Os monstros assustadores soltaram as
amarras. Os demônios não eram só zumbis tristes. Revelaram a face podre do
país. Face que assustou os vigilantes da moral, os justiceiros dos costumes, os
zeladores do comportamento, os profetas do politicamente correto. Os bandidos têm
salvo conduto nos estádios. Os bárbaros replicam a estupidez em gritos
racistas, homofóbicos, misóginos e agridem quem se diferencia de cores, de
clubes. É necessário desmontar o 'circo' violento que se transformou um estádio
de futebol ou seremos trucidados por 'palhaços' sádicos.
Joel Passos é um homem do mundo que
conhece o submundo do futebol e da vida. O ex-supervisor do Figueirense é um
resistente e combatente do racismo. "Você pode estudar, discutir,
protestar contra o racismo. Mas, Mauro, jamais saberá o que é o racismo. Só um
negro pode explicar a dor do preconceito", disse ele.
Segundo Joel o racismo não é só
estridente. "O mais canalha, o mais cruel é o silencioso. Outro dia fui à
igreja. Num canto do banco estava uma senhora e a bolsa do lado esquerdo.
Sentei do outro lado do banco. Ela me olhou e mudou a bolsa de lugar. É muito
triste isto", contou. Wilson Simonal é uma vítima da intolerância
brasileira. A vida lhe mostrou que a luta jamais terminará.
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