quarta-feira, 11 de março de 2015

O ídolo!


Mauro Pandolfi

O tempo está indo embora. São quase quarenta do segundo. As unhas do torcedor são esmagadas por dentes vorazes. Os músculos triscados de tensão. Olhares atônitos. A aflição é maior que a esperança. A bola flutua perto área. Os zagueiros estão firmes, atentos, seguros. O tempo voa. A organização tática desmancha-se. A bola rola rápida e nervosa, sem rumo para os lados ou apressada para frente.

O adversário erra. A bola encontra o pé santo no ar. Desce mágica, mansa, serena. Cabeça erguida, atento, vai abrindo o espaço exíguo, célere, escapa da falta, arma a tabela, recebe na frente, só o goleiro.  Num átimo dribla-o e toca leve a bola feliz para a rede.

Os gritos, os urros, os pulos explodem no estádio. O impossível é um drible no futebol. Sempre acontece. O ídolo surge assim. No desespero, na desesperança, no medo.

O espelho separa o torcedor do ídolo. Reflete nele o desejo, o sonho, a frustração. O torcedor nunca erra, não falha, perde no equívoco do outro, do árbitro, da injustiça.  O ídolo é a certeza da vitória, da entrega, do título.  A camisa é o manto sagrado, o ídolo é o semideus, o estádio é o templo de uma religião que não admite ateu. O torcedor batiza o filho com o nome do ídolo. É a esperança de um dia o mito se materializar em casa, próximo, ser alguém da família.

O ídolo nem sempre é o craque. Nunca é o comum. É o que lembra o torcedor em campo. O que luta até a última gota de suor. O sangue na camisa é o grande troféu do ídolo. A camisa suja de sangue dada ao torcedor é mais sagrada que o Santo Sudário.


Ao ídolo tudo é consentido. Vira verso nos hinos, o rosto estampa os trapos da torcida, entra na história. Tudo é permitido ao ídolo. Perder um pênalti ou marcar um gol contra nada impede a idolatria. Ao ídolo não é tolerado a troca de camisa. Jogar no rival é um crime de lesa clube, mortal. Quando ocorre, o ídolo é imolado, destruído num ódio bíblico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário